As Telefonistas: Protagonismo feminino e anti-heroína

Ambientada na Madrid dos anos 20, a série As Telefonistas (Netflix, 2017 – atual) conta a história de quatro moças com vidas completamente diferentes que têm seus caminhos cruzados quando vão trabalhar em uma empresa telefônica, que está prestes a revolucionar a comunicação, e se vêm diante de situações que exigem muita luta e determinação para continuarem. 

Em primeiro lugar temos Alba Romero, a protagonista. Sua história começa quando ela e sua amiga iam fugir juntas para Argentina e são pegas pelo marido da amiga, que a mata e comete suicídio logo em seguida. Nesse contexto, ela se vê incriminada por algo que não fez e precisa ceder às chantagens da polícia para não receber pena de morte. Sendo assim, ela se junta à companhia com uma nova identidade para roubar o cofre e pagar sua dívida com o delegado chantagista. 


Também temos Carlota, a filha de militar nada convencional, que não se conforma com as regras machistas e conservadoras da sociedade e vai trabalhar pra garantir sua liberdade e independência. Em um cenário completamente diferente, temos Marga, a garota do campo que cresceu embaixo da asa da mãe e da avó, mas, incentivada por esta, vai para a capital trabalhar e tentar uma vida melhor.

Por último, mas não menos importante, temos Ángeles, a cola do grupo, a telefonista experiente que ajuda as meninas a entrarem pra companhia, que começou a trabalhar para ajudar em casa até que o marido melhorasse de salário. 


Desde a primeira temporada já podemos perceber que a temática da série é feminista, mostrando a luta das mulheres por direitos iguais, mas ao mesmo tempo com uma pegada realista, que não mascara os contratempos enfrentados no processo. Como, por exemplo, o grupo de mulheres sufragistas, que lutam pelo direito do voto, mas sofrem uma batida policial em uma das reuniões, em que várias vão para a prisão simplesmente por estarem reivindicando seus direitos. 

De acordo Castellano e Meimaridis (2018), no âmbito televisivo, inicialmente a mulher era representada por suas relações familiares como esposa, mulher e filha, com profissões “femininas” e/ou preocupações “femininas”, como estarem sempre em busca de um marido. Dessa forma, as personagens foram estereotipadas como mães, donas de casa, a esposa perfeita que acata tudo que o marido lhe impõe e até mesmo como as que só arrumam um emprego onde é subordinada ao homem, interpretando papéis de secretárias e enfermeiras, nunca de chefes e médicas. 

Além disso, nota-se que poucas séries têm como protagonista uma personagem feminina. Isso se deve, em parte, ao fato de o grupo de executivos dos canais ser formado predominantemente por homens brancos, que acreditavam que uma mulher como protagonista não atrai o público masculino, que apesar de ser significantemente menos relevante que o público feminino, era muito desejado (CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2018). Assim como outras tramas analisadas no MediaBox (Fleabag, The Marvelous Mrs Maisel, Big Little Lies e etc) , As Telefonistas quebra com essa corrente de séries que ofuscam a figura feminina. Tendo como personagens principais quatro mulheres fortes com histórias distintas e bem desenvolvidas ao longo dos episódios. Abordando diversos assuntos atuais, o programa nos permite uma profunda reflexão sobre o papel da mulher na sociedade e como, ainda hoje, lutamos pelas mesmas causas das mulheres do inicio do século passado, causas essas que não foram totalmente resolvidas. 

A partir das reflexões propostas por Castellano e Meimaridis (2018), podemos identificar em algumas personagens as características de anti-heroína, que possuem aproximação com elementos do tradicionalmente identificado como universo masculino, se distanciando da imagem frágil e emotiva associada ao universo feminino, o que reforça o estereótipo a ele atribuído. 

Em primeiro momento temos Alba Romero, posteriormente Lidia Aguilar, que ao longo da história, podemos identificar como sendo uma mulher independente desde sempre. Quando adolescente, ela saiu de sua cidade natal, juntamente com seu namorado Francisco, e se mudou para Madrid em busca de um trabalho e de uma vida melhor. Porém, ela foi presa por um crime que não cometeu e se viu na cadeia pela primeira vez. Lá conheceu Victoria, uma dona de bordel que lhe pagou a fiança e a acolheu, a ensinando a ser uma mulher forte, decidida e que não se deixa levar pelos sentimentos. Um tempo depois, prestes a fugir, foi novamente presa por algo que não fez, mas dessa vez, duplo homicídio e, se não cedesse às chantagens do delegado pegaria pena de morte. Novamente se viu encurralada e foi trabalhar na empresa telefônica com uma nova identidade na esperança de pagar sua dívida. Lá reencontrou seu primeiro e único amor, a quem não via há 10 anos, ao mesmo tempo que foi surpreendida por um envolvimento com o filho do dono. 

A partir daí, a vida de Alba deu um giro de 180º. Ela, que tinha como objetivo claro se livrar do delegado pra seguir sua vida, fez uma visita ao passado ao perceber que ainda ficava balançada com a presença de Francisco, paralelamente aos novos sentimentos que descobriu por Carlos e pelas novas amizades. 

Alba é a clássica anti-heroína, não segue padrões, é independente e, apesar de estar constantemente cercada de problemas por causa de homens, sempre arruma um jeito de contornar a situação com louvor, não se deixando depender de ninguém. Ela não é a boa moça com sonho de se casar e constitui família, inclusive, depois da desilusão com o ex, passou a acreditar que o amor não era pra ela, se tornando o oposto da mulher frágil e sentimental estereotipada em tantas outras tramas. 

Independente das dificuldades, sempre trabalhou e batalhou para que um dia fosse completamente livre e sem amarras, para que não fosse presa a ninguém, somente agarrada à sua felicidade. Assim que consegue ficar livre do delegado, ela, que teve a relação com as amigas estremecida, se dedica ao trabalho e engata de vez um relacionamento com Carlos, mais tarde comprometido para recuperar a confiança das telefonistas. Sua verdadeira identidade e relação com Francisco foram reveladas. Ela perdeu os dois homens que amava, a companhia foi parar nas mãos de um estranho e ela subiu de cargo na empresa, onde, num momento crucial, viu a oportunidade que ser mais do que a secretária pessoal do chefe. E essa trama se desenrola quando ela passa a ter a mãe de Carlos como inimiga. Porém, mesmo com todos os problemas, ela permanece firme, lutando cada vez mais por sua voz e por seu espaço. 


Outra anti-heroína da série é Carlota, uma moça rica, filha de militar que tinha tudo para ser a famosa “bela, recatada e do lar”, só que não. A personagem é um espírito livre, que não se conforma com o patriarcado e com a injustiça de os homens serem considerados melhores do que as mulheres, que são colocadas como submissas aos desejos e caprichos dos maridos. 

Motivada a ser uma mulher de mudança, Carlota enfrenta o pai ao ir trabalhar na empresa telefônica dos Cifuentes. Ela almeja ser livre e independente, sem precisar de homem para ser bem vista pela sociedade e, apesar de o pai fazer de tudo para cortar suas asas, cada vez que cai levanta ainda mais forte e decidida que o modo como caminha o mundo não está certo. 

Chegando na empresa conhece Sara, que faz Carlota descobrir bissexualidade, jamais imaginado por ela. Juntas elas frequentam o Lyceum, lugar em que ocorrem reuniões a favor do sufrágio feminino, reivindicando por mais participação ativa na sociedade. Lá o pai dela arma uma emboscada e Sara acaba sendo detida, essa foi a única vez que Carlota cedeu às vontades de seu pai e voltou pra casa pra que Sara pudesse ser livre outra vez. A relação das duas foi descoberta pelo namorado de Carlota e, o que era traição, mais pra frente virou um poliamor. Ainda restam dúvidas de que Carlota não se encaixa no padrão que a sociedade espera que a mulher seja? 


No universo ficcional de As Telefonistas também temos Ángeles, a mulher que até então era “perfeita”. Era casada, tinha uma filha e só trabalhava porque o marido lhe permitia. Mas sua vida começa a mudar quando o marido consegue uma promoção e tenta lhe fazer largar o emprego que tanto ama. A personagem tenta convencer o marido que ela não precisa parar de trabalhar e ele a coloca como culpada pelo fiasco da família deles. 

Relutante e ainda tentada a obedecer o marido, Ángeles arruma várias desculpas para continuar na companhia. É aí que a situação começa a piorar. O marido (infiel), que até então dizia que queria dar a ela uma vida de rainha, se torna agressivo e começa a espancá-la. Como a lei estava do lado do homem e não havia nada que ela pudesse fazer judicialmente, ela começa a colocar veneno na comida dele para aliviar a dor que era não poder sair de casa. Tempo depois ele descobre do envenenamento e bate tanto nela que quase a mata. Felizmente o destino colocou suas amigas no local no exato momento da agressão e quem morre é ele. Podemos concluir que, Ángeles, apesar de ser a mulher padrão do início do século XX, faz de tudo que está ao seu alcance para poder, finalmente, se ver livre do marido abusivo e do machismo que a cerca. 

Por fim, Marga, é a única que não se encaixa totalmente na descrição de anti-heroína. Apesar de trabalhar, é uma moça tradicional que vai morar em uma pensão de dona católica, que é super conservadora e retrógrada. Marga não vive muitos conflitos com o machismo e é uma moça dócil, frágil e sonhadora, que almeja um dia se casar e construir uma família. Com o desenrolar dos arcos narrativos da série, podemos ver a evolução da personagem, que se torna mais esperta e decidida, apesar de não perder suas raízes. 


Referências 

CASTELLANO, Mayka; MEIMARIDIS, Melina. “Mulheres Difíceis”: A anti-heroína na ficção seriada televisiva americana. Famecos, v. 25, n. 1,p.1-23,2018. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/27007>. Acesso em: 25 de jun. 2019-06-26


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