Labirinto: fandom e a perpetuação de um clássico cult

Por Carla Guedes Porfirio Cavalcante

Dirigido por Jim Henson e com a produção executiva de ninguém menos que George Lucas, "Labirinto" foi lançado em 27 de junho de 1986 e tinha todos os ingredientes para o sucesso: uma jovem e talentosa Jennifer Connelly no papel principal, um enredo mágico e envolvente, marionetes habilmente manipuladas, músicas originais e a presença magnética e carismática de David Bowie como o enigmático rei dos duendes, Jareth. Embora o filme contenha uma mistura de elementos que chamam a atenção - marionetes, músicas exclusivas, um mundo fantástico e, claro, David Bowie – ele galgou apenas o oitavo lugar de bilheteria nos Estados Unidos.


A história começa com Sarah, interpretada por Connelly, uma adolescente que se sente frustrada e negligenciada por ter que cuidar de seu meio-irmão mais novo, Toby, enquanto seus pais estão fora. Em um momento de raiva, Sarah deseja que o rei dos duendes leve Toby embora - um desejo que é atendido quando Jareth aparece e leva o bebê para o seu labirinto mágico.

O antagonista da história, o rei dos duendes Jareth, interpretado pelo cantor David Bowie, dá o prazo de 13 horas para que a jovem chegue até o castelo e resgate Toby; caso ela não consiga cumprir a missão, o bebê se tornará um duende e ficará para sempre em seu reino. A jornada de Sarah até o castelo se dá através de um labirinto cheio de desafios, enigmas e criaturas fantásticas que a ajudam (ou atrapalham). A narrativa segue a cada passo mostrando a evolução da adolescente egoísta para uma mulher que precisa enfrentar seus medos, tomar decisões e fazer o que é certo.

Inicialmente, o filme foi idealizado para ter um protagonista masculino, porém, um ano antes foi lançado o filme “A Lenda” com Tom Cruise o que fez a equipe repensar o roteiro colocando, então, uma mulher como protagonista. Essa “princesa” não estaria vivenciando a descoberta de um grande amor, mas encarando a si mesma e suas limitações.

O foco do filme não é apenas uma garota tentando ficar com seu “verdadeiro amor” mas era sobre seu amadurecimento e os sacrifícios que ela precisou fazer ao longo do caminho. O uso que Henson faz do labirinto, então, é muito significativo do crescimento de Sarah como personagem. O labirinto é símbolico de uma jornada - seja esta jornada para alcançar um objetivo físico ou para crescer mentalmente e emocionalmente - e o símbolo de sacrifício (Reyland, 2015, p. 15, tradução nossa).


A inserção de uma adolescente em uma jornada de autodescoberta e amadurecimento, como vemos em "Labirinto", representou uma abordagem inovadora e não convencional para os filmes infantis da época. Nos anos 1980, os filmes do gênero muitas vezes seguiam padrões narrativos mais tradicionais, com protagonistas masculinos cujas histórias geralmente se concentravam em aventuras externas ou em busca de um objetivo específico, como salvar um amigo ou derrotar um inimigo. "Labirinto" subverteu essas expectativas ao colocar Sarah no centro da narrativa e ao enfatizar sua jornada de autodescoberta e crescimento pessoal. Embora a missão de resgatar seu irmão Toby seja o impulso inicial da história, torna-se evidente que a verdadeira jornada de Sarah é interna. Ela é confrontada com desafios que testam não apenas suas habilidades físicas, mas também sua coragem, determinação e autoconfiança.

O filme trata de temas como autoconhecimento, perseverança, empoderamento feminino, e também insinua um possível romance entre a personagem principal e seu antagonista. Mas as lições que Sarah aprende ao longo do seu caminho fazem com que esse romance seja muito sutil e fique em segundo plano.

Para os demais personagens, Jim Henson utilizou bonecos de marionete com uma tecnologia futurista que traz à produção cinematográfica uma sofisticação que não era vista em outras películas até então. As criaturas foram pensadas pelo criador dos Muppets, acarretando em um resultado de outro nível para as telas. Esses personagens se fundem à trajetória da protagonista e do rei dos duendes com uma atmosfera de fantasia que leva os telespectadores para dentro do labirinto.

Além da construção da história, Labirinto é um musical com trilha sonora desenvolvida pelo compositor Trevor James e pelo cantor britânico David Bowie. A contratação de Bowie para o papel foi pensada para distinguir o filme de outras produções do segmento da fantasia tais como “The Dark Crystal” (1982) também dirigido por Henson anteriormente (McDonald, 2021).


Bowie contribuiu com a criação da trilha sonora do filme "Labirinto", contribuindo significativamente para a atmosfera única e envolvente da obra. Como um dos artistas mais icônicos e inovadores da música popular, Bowie trouxe sua criatividade e talento para o projeto, deixando uma marca indelével na produção. O cantor não apenas emprestou sua voz e presença magnética ao personagem de Jareth, mas também compôs e gravou várias músicas originais para o filme. Uma das canções mais memoráveis e emblemáticas do filme é "Magic Dance", uma faixa enérgica e cativante que destaca o estilo único do camaleão do rock e sua habilidade de criar melodias cativantes.

Mesmo com a direção e produção executiva de dois grandes nomes, Henson e George Lucas, a participação do astro David Bowie, toda a criatividade do roteiro e um investimento de U$ 25 milhões, em seu ano de lançamento o filme recuperou apenas U$12,9 milhões. Fracasso nas bilheterias e de crítica, “Labirinto” estava fadado a ser mais um filme que se perderia no tempo. Mas seu fandom não deixou isso acontecer.

Após quase quatro décadas, “Labirinto” se tornou um clássico cult que angariou uma geração de fãs. O filme alcançou esse patamar através dos anos, com exibições na TV e quando o filme foi disponibilizado em VHS e DVD nos anos 90, quando já era considerado uma raridade.

Fandom e popularidade de Labirinto após 37 anos de lançamento

A popularidade e longevidade de "Labirinto", mesmo após 37 anos desde seu lançamento, são fenômenos notáveis que podem ser atribuídos em grande parte ao papel ativo e apaixonado do fandom. Desde seu modesto desempenho inicial nas bilheterias até sua ascensão como um clássico cult, o filme tem sido mantido vivo e relevante através do entusiasmo contínuo dos fãs, que o celebram, reinterpretam e expandem em uma variedade de formas criativas.

A internet, as redes sociais, a cibercultura e o surgimento das comunidades facilitaram o encontro dos fãs e deram maior visibilidade às suas atividades, o que fomentou um movimento nostálgico e o fortalecimento do fandom. A tecnologia digital e a internet transformaram a forma como os fãs interagem, criam e compartilham conteúdo relacionado a suas obras de mídia favoritas.

Segundo Jones (2023), o fandom pode ser uma forma para indivíduos desenvolverem e manterem um senso de identidade. A memória e a nostalgia são duas importantes forças que movem os fandoms, e podem ser vistas em práticas como colecionismo, escrita e leitura de fanfics, edição de vídeos, entre outras. Para Boym (apud Jones, 2023), a nostalgia diz respeito a uma relação entre a biografia de um indivíduo e aquela de grupos ou nações - ou seja, uma conexão entre a memória pessoal e a memória coletiva. Por sua própria natureza, o fandom envolve um coletivo, e as releituras de textos amados levam os fãs a considerarem aspectos de suas próprias vidas como fãs, do fandom e de sua memória coletiva.

Uma das formas mais proeminentes de expressão do fandom de "Labirinto" é através da produção de fanfics. Fanfics (Jamison, 2017) são histórias escritas por fãs a partir do texto original. Frequentemente são compartilhadas e discutidas em comunidades online dedicadas a fandoms específicos. Essas comunidades oferecem um espaço para os fãs se encontrarem, interagirem e compartilharem sua paixão com outras pessoas que compartilham seus interesses. Nesse sentido, a cibercultura proporciona um ambiente propício para o desenvolvimento de laços sociais e relacionamentos interpessoais entre os membros do fandom.

Essas histórias oferecem uma oportunidade para explorar novos aspectos do universo do filme, desenvolver personagens secundários e até mesmo reimaginar os eventos da trama original. O fenômeno das fanfics reflete o desejo dos fãs de se envolverem mais profundamente com o mundo de "Labirinto", expandindo-o além dos limites do filme. Além disso, as fics proporcionam uma plataforma para os fãs explorarem temas subjacentes, desenvolverem relacionamentos entre personagens e preencherem as lacunas deixadas pela narrativa original.

Nos anos 1990, os fãs de “Labirinto” fundaram o site “Jareth’s Home Page”, uma comunidade para compartilhamento de ideias, histórias e teorias. A página não está mais disponível, mas não demorou muito para que iniciassem produções de fanfics sobre a obra. As fanfics desempenham um papel significativo no universo de "Labirinto" ao permitir que os fãs explorem e expandam os limites da narrativa original. Essas histórias escritas por fãs oferecem uma plataforma para os escritores expressarem sua criatividade, explorarem diferentes aspectos dos personagens e cenários do filme e até mesmo reimaginar completamente o mundo de "Labirinto" de acordo com suas próprias visões e interesses.

Plataformas online, como o FanFiction.net e o Archive of Our Own, proporcionam um espaço onde os fãs podem se conectar, compartilhar suas histórias e ideias, e colaborar em projetos criativos. Essas comunidades oferecem um senso de pertencimento e comunidade para os fãs de "Labirinto", permitindo-lhes compartilhar sua paixão pelo filme com outros que compartilham seus interesses.

No site FanFiction, na busca pela palavra-chave “Jareth” é possível encontrar mais de 4.500 fanfics escritas. No Archive of Our Own, “Labyrinth (1986)” revela mais de 3.500 textos escritos por fãs - desses, 184 histórias foram atualizadas em 2024, demonstrando a atividade contínua. Ponto comum na maioria das fanfics, Jareth e Sarah seguem como protagonistas e principal casal das tramas, mas diversos elementos são transformados em histórias que, por exemplo, dão espaço para a inserção do leitor, atualizam a história de “Labirinto” para contextos modernos, ou misturam aspectos da narrativa com o de outros produtos midiáticos renomados, como as sagas “Harry Potter” ou “Crepúsculo”.

Existem diversos motivos pelos quais os seguidores da trama se tornaram autores de novas histórias com esse universo já apresentado. O fascínio com esse mundo de fantasia tão diferente, a transformação de Sarah e sua vitória sobre Jareth - e para alguns, a calça colada usada pelo personagem de David Bowie.


Além das fanfics, o fandom de "Labirinto" demonstra seu compromisso com o filme através de uma variedade de outras atividades e eventos. Para além do território virtual, foi criado um evento anual para homenagear o filme: o Labyrinth Masquerade Ball. A proposta surgiu a partir de uma cena do filme, em que os personagens estão em um baile de máscaras e o rei dos duendes aparenta ter um interesse maior por Sarah. A edição de 2024 será realizada em agosto, em Los Angeles. O evento já acontece há 26 anos.

O consumo de fãs é certamente um dos motivos de por que o filme ganhou desdobramentos mais recentes. Em 2006, por exemplo, foi lançado o mangá “Return to Labyrinth” criado por Jake T. Forbes como uma continuação ao filme de 1986. Na série, divida em 4 mangás, Toby é o personagem central da história, já adulto e herdeiro do rei dos duendes. Em 2017, os fãs ganharam mais um mimo: um jogo de tabuleiro edição de colecionador (apenas 300 unidades), uma parceria entre a Meeple BR e Sony Pictures Home Entertainment, vendido em uma caixa de madeira, com material impresso sobre o filme e um DVD edição especial de comemoração pelos 30 anos do filme.


Em 2020, a notícia da possível sequência de "Labirinto" trouxe grande entusiasmo para os fãs, que há muito tempo aguardavam por mais uma incursão no fascinante universo criado por Jim Henson. Sob a direção de Scott Derrickson, conhecido por seu trabalho em "Doutor Estranho" e outros filmes de sucesso, as expectativas para o novo capítulo da história estavam altas. Brian Jenson, filho de Jim Henson, expressou publicamente o interesse e a determinação da equipe em trazer essa sequência à vida. Sua declaração trouxe ainda mais confiança aos fãs de que o projeto estava avançando de maneira positiva. No entanto, até o momento, não houve anúncio oficial sobre uma data de lançamento ou qualquer detalhe concreto sobre o desenvolvimento da sequência.

A possibilidade de uma continuação para "Labirinto" gerou especulações e debates entre os fãs sobre o que poderia ser explorado no novo filme. Alguns esperavam ver o retorno de personagens queridos, como Sarah e Jareth, enquanto outros imaginavam novas aventuras e desafios em um cenário ainda mais elaborado e mágico. No entanto, mesmo sem uma previsão definitiva, o anúncio da sequência serviu como um lembrete do impacto duradouro e do apelo atemporal de "Labirinto". O filme continua a cativar e inspirar fãs de todas as idades, e a perspectiva de uma nova jornada no mundo fantástico do labirinto é motivo de grande empolgação e antecipação para todos aqueles que amam essa obra singular da cultura pop.

Sem o compromisso e entusiasmo contínuo dos fãs, "Labirinto" poderia ter se perdido no anonimato após seu lançamento inicial. Em vez disso, graças ao amor e dedicação de seus seguidores, o filme continua a ser celebrado e apreciado por novas gerações de espectadores, garantindo assim seu lugar como um dos clássicos mais queridos e duradouros dos anos 80.

Referências

LABYRINTH. Dir. Jim Henson. Screenplay by Terry Jones. Prod. George Lucas. Perf. Jennifer Connelly e David Bowie. Jim Henson, 1986. DVD.

JAMISON, Anne Elizabeth. Fic. Por que a fanfiction está dominando o mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 2017.

JONES, Bethan. I’ll see you again in twenty five years: Life Course Fandom, Nostalgia and Cult Television Revivals" Open Cultural Studies 7, no. 1, 2023. https://doi.org/10.1515/culture-2022-0169.

O'DONOGHUE, Saskia. Culture Re-View: labyrinth is released - a tale of fantasy, puppets, and sexual awakening. Labyrinth is released - a tale of fantasy, puppets, and sexual awakening. 2023. Disponível em: https://www.euronews.com/culture/2023/06/27/culture-re-view-labyrinth-is-released-a-tale-of- fantasy-puppets-and-sexual-awakening. Acesso em: 10 mar. 2024.

REILAND, C. (2015). You Remind Me of the Babe With the Power: How Jim Henson

Redefined the Portrayal of Young Girls in Fanastial Movies in His Film, Labyrinth. First Class: A Journal of First-Year Composition, 2015 (1). https://dsc.duq.edu/first-class/vol2015/iss1/7

Notas

[1] The focus of the movie wasn’t just about a girl trying to be with her “one true love” it was about her development into womanhood and the sacrifices she had to make along the way. Henson’s use of a labyrinth, then, is very significant to Sarah’s growth as a character. The labyrinth is symbolic for a journey—whether that journey might be to reach a physical goal or to grow mentally and emotionally—and a symbol for sacrifice (Reyland, 2015, p. 15).

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