Beatriz Maria Leal Maia e Giovana Maria Albert Ramos
A decisão repentina de Meghan Markle e do Príncipe Harry renunciarem aos seus papéis sêniores na Família Real Britânica, em janeiro de 2020, provocou uma enxurrada de discussões e debates nas redes sociais. Enquanto alguns apoiavam a decisão do casal de buscar uma vida mais independente, outros expressaram desapontamento com a escolha de Meghan e Harry. A saída do casal da corte ficou conhecida como Megxit, uma referência ao nome dado ao rompimento do Reino Unido com a União Europeia, Brexit, que ocorreu no mesmo ano. O acontecido não apenas levantou questões sobre a instituição real, mas também desencadeou reflexões no meio dos fãs sobre questões relacionadas a gênero, raça e privacidade.
Utilizando palavras-chave como “Meghan”, “Harry”, “saída”, “família real”, entre outros termos relevantes, fizemos uma pesquisa de abordagem qualitativa baseada na coleta e análise de recortes de tweets relacionados à saída de Meghan e Harry da Família Real Britânica, considerando o contexto do fandom, a cobertura midiática e as dinâmicas dos ambientes digitais. Após a coleta desses dados, o material foi classificado e analisado quanto ao tom (positivo, negativo, neutro), sentimentos expressos (apoio, desaprovação, indiferença) e principais temas abordados, levando em conta o papel do fandom, da mídia e dos ambientes digitais na formação das opiniões e reações dos fãs.
Análise
A Família Real Britânica costuma ser o centro das atenções do Reino Unido, com sua história, tradições e membros frequentemente sendo objeto de julgamento e cobertura midiática intensa, o que interfere não apenas na percepção pública da realeza, mas também nas próprias estratégias de comunicação e imagem do Palácio. No contexto do assédio e fascínio ligados à realeza, convém relembrar as reflexões do filósofo francês Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo.
O autor defende a ideia que em uma sociedade como a nossa, de aparências, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (Debord, 1997, p. 14). Nesse contexto, o “ter” é muito mais importante do que o “ser” e, na verdade, o primeiro é um pré-requisito do segundo.
“É importante destacar que a sociedade do espetáculo existe porque estamos inseridos numa cultura à imagem, que valoriza e idealiza a vida de acordo com o que assiste. Os espectadores assistem ao ideal de vida a partir das imagens que lhes são oferecidas. Ou seja: só existe o show, o espetáculo, porque há um público que o assiste e o consome” (Santanna, 2019, p.15).
Os membros da realeza britânica estão constantemente estampando tabloides e se tornando conteúdo em sites de redes sociais, e esta não é uma novidade. O contexto em torno do acidente que levou à morte da mãe do príncipe Harry, a princesa Diana, em 1997, é talvez um dos exemplos mais emblemáticos dessa midiatização. Segundo Nunes e Andrade (2023), “Diana era sem dúvidas uma das pessoas mais fotografadas, biografadas, exibidas e narradas. Sendo uma das pessoas mais visíveis do mundo durante décadas, Lady Di lançava tendências tanto na moda, quanto em manchetes e capas de jornais. A mídia criou uma espécie de novelização sobre a vida da duquesa de Gales” (p. 3-4).
No entanto, o casamento de Harry e Meghan Markle, realizado em 2018, ganhou contornos específicos que chamaram a atenção do grande público, pois Meghan não pertencia à nobreza britânica. Além disso, a união não teria sido aceita pelos demais membros da família real. Assim, existe uma identificação com os personagens da história, numa espécie de materialização do conto da Cinderela no mundo real, no qual uma plebeia e seu amado príncipe lutam contra os obstáculos para ficarem juntos.
“A transformação da vida num veículo de entretenimento não poderia ter dado certo: se aqueles que assistem ao filme-vida não tivessem descoberto o que os primeiros produtores de cinema já tinham descoberto anos antes: que as plateias precisam de algum elemento de identificação para que o espetáculo as envolva de fato. No cinema, a solução foram as estrelas” (Gabler, 1999, p. 15).
A ligação entre ídolos e admiradores ainda é objeto de estudo em vários campos dos saber. Segundo Hills (2015), “Creio que em muito o fandom relaciona-se a representar uma identidade, é sobre um sentido para o eu, sobre afeto, em termos de atuar num nível emocional, subjetivo. E é sobre o indivíduo ser colocado numa comunidade, na qual é preciso uma noção de discurso, bem como emoção” (p. 150).
A decisão surpreendente de Meghan Markle e do Príncipe Harry de romper com a realeza, porém, destacou a interação complexa entre a monarquia britânica e os ambientes digitais. A cobertura midiática intensa e muitas vezes intrusiva da vida do casal levantou questões sobre os limites da privacidade, a ética jornalística e o papel da mídia na construção de narrativas em torno da realeza.

Tweet divulgando uma matéria do jornal Metrópoles -
Fonte: Reprodução/X

Crítica à mídia -
Fonte: Reprodução/X
Os tweets acima reproduzem uma das muitas narrativas que circularam na mídia e nas redes sociais. A especulação de que o casal teria filmado sua transição para a vida fora da realeza com o objetivo de lucrar monetariamente ressoa com as preocupações sobre a comercialização de eventos pessoais e privados, especialmente quando envolvem figuras públicas de destaque. Enquanto alguns podem ver isso como um movimento estratégico de autodeterminação e controle sobre sua própria narrativa, outros podem interpretá-lo como uma exploração oportunista de sua posição privilegiada.
O comentário "sanguessugas reclamando de sanguessugas" ecoa um sentimento de ironia em relação à reação crítica da mídia e de certos setores da sociedade à decisão de Meghan e Harry. Ele sugere uma percepção de hipocrisia, já que desde sempre a imprensa lucrou com a cobertura da família real, divulgando informações de modo sensacionalista, sendo elas verdadeiras ou apenas boatos. O mesmo vale para o próprio casal real, que sempre reclamou da exposição sofrida nos jornais, mas agora fará ele próprio a venda da sua privacidade por meio de documentários, livros e entrevistas.

Fã elogia a relação do casal -
Fonte: Reprodução/X

Defesa à Meghan -
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Apoio à saída de Meghan e Harry -
Fonte: Reprodução/X
Os tweets acima revelam outros aspectos que valem ser trazidos para esta análise. A imagem 3, "Meghan e Harry eu te amo", encapsula um nível de apoio emocional profundo e duradouro que alguns indivíduos mantêm em relação ao casal real. Expressões de amor e afeto como esta sugerem uma conexão pessoal e emocional entre os fãs, transcendendo a mera admiração pública. A imagem 4 também demonstra um nível de apoio emocional, já que o usuário da rede diz que fica “muito triste” pelos ataques que Meghan recebe. Isso demonstra a identificação que há com a ex-duquesa. Já a imagem 5 questiona as críticas e o escrutínio em torno da decisão de Meghan e Harry. Ao desafiar as narrativas negativas ou julgamentos sobre a escolha do casal, esse comentário sugere uma defesa do direito à autonomia. Ele ressalta a importância de respeitar a capacidade de tomar decisões que considerem melhores para suas próprias vidas, sem a interferência ou censura externa.
No contexto da decisão de Meghan e Harry, os três tweets podem ser interpretados como uma manifestação de apoio inabalável ao direito do casal de buscar uma vida mais independente. Eles implicam que, para alguns fãs, o amor por Meghan e Harry transcende as convenções da realeza e os papéis tradicionais associados à monarquia britânica. Em vez disso, é baseado em uma apreciação profunda e pessoal da coragem e autenticidade do casal em seguir seus próprios caminhos, independentemente das pressões externas ou do escrutínio público.
Hater critica o casal -
Fonte: Reprodução/X
A imagem 6 é um exemplo de críticas que Meghan e Harry receberam na época, tanto pela mídia quanto pelo público. O tweet faz referência a uma perseguição de duas horas em Nova York que quase acabou em acidente - porém, o guarda-costa do casal não deu nenhuma declaração sobre uma possível armação, como informa o tweet, mas sim um homem que costuma prestar esse serviço para famosos. Além da repulsa que caracteriza o hater, também é possível destacar a partir do tweet o conceito de pós-verdade e de fake news, que tornam-se populares dentro de um contexto em que o que importa parece não ser a verdade, mas a emoção promovida no consumidor da informação. Se o público reagir de acordo com a expectativa dos comunicadores, então vale a pena ser divulgado (McCominskey, 2017, apud Signates, 2019, p. 18).
A partir dos principais resultados encontrados por intermédio desta pesquisa, compreende-se como um mesmo acontecimento pode ser visto e gerar sentimentos praticamente opostos nos seus observadores. O apoio dos fãs ou a rejeição dos haters varia de acordo com a identificação do público com os envolvidos. Esse é o combustível para os grandes comunicadores, tabloides que lucram com notícias tendenciosas, ou os próprios usuários do X, expõem sua opinião e ainda ganham engajamento.
Afinal, a polêmica engaja.
Referências
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo, trad. Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997, p. 14.
SANTANNA, Letícia de. Benção e maldição: as estratégias de comunicação da família real britânica do impresso ao digital. Rio de Janeiro, UFRJ, 2019.
HILLS, Matt. O fandom como objeto e os objetos do fandom. Matrizes, v. 9, n. 1, São Paulo, 2015.
GABLER, Neal. Vida, o filme: como o entretenimento conquistou a realidade. Companhia das Letras, 1999.
NUNES, Mayara da Silva; ANDRADE, Ítalo Rômany de Carvalho. Uma análise das manchetes do Daily Mirror sobre a princesa Diana. Anais do 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom: Belo Horizonte, 2023. Disponível em: https://bit.ly/4ekRfuZ. Acesso em 3 jun. 2024.
SIGNATES, Luiz. Pós-verdade e comunicação: a circulação simbólica como critério de verdade no mundo contemporâneo. Questões Transversais – Vol. 7, nº 13, 2019.
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