Rafael Tiago
Contando inicialmente com quatro livros, a saga Crepúsculo se tornou uma das franquias mais famosas entre os jovens na última década. Recheados de romance, drama, fantasia e mistério, os livros se tornaram filmes e chegaram a arrecadar bilhões de dólares no período em que ficaram em cartaz nos cinemas, mostrando a legião de consumidores que a saga atraiu ao longo dos anos.
Toda a fama dos livros e filmes se dá, principalmente, pela história contada: o triângulo amoroso entre uma jovem humana, Bella, um misterioso vampiro com mais de cem anos de idade, Edward, e um lobisomem buscando compreender seu lugar no mundo, Jacob. A saga Crepúsculo conseguiu, de certa forma, atrair a atenção de diversas pessoas, mesmo sendo voltada para o público feminino e tendo como protagonista uma personagem feminina. Cada pedaço dessas produções fez com que Crepúsculo se tornasse uma das franquias mais amadas pelo público, construindo um intenso fandom.
Pode-se definir o fandom como um sistema digital que engloba diversas manifestações próprias do campo literário, abarcando desde a produção e a recepção de textos até a crítica e a criação de produtos artísticos. (Miranda, 2009, p.2)
O fã e o objeto de adoração
Um dos motivos da sustentação do sucesso de Crepúsculo ao longo dos anos vem diretamente da atividade dos fãs, que promovem constantemente o conhecimento do produto em plataformas de mídia. Mesmo depois do fim da saga, em 2012, os fãs continuam produzindo conteúdos sobre os livros e filmes para as redes sociais, mobilizando a comunidade e possibilitando o conhecimento acerca da história.
De acordo com Martins e Damaceno (2020), conforme citado por Jenkins (2009), “a troca de ideias realizadas pela interação digital é um aspecto da cultura participativa, na qual os usuários passaram a ter um novo sentido na internet, exercendo uma função mais ativa, criando, compartilhando e fomentando a indústria cultural no espaço virtual”.
A participação ativa do fandom de Crepúsculo nessa mobilização, seja através de produções nas redes sociais ou através da escrita de fanfics e da produção de edits, torna possível que os produtores da saga continuem “de olho” e pensem a respeito sobre a criação de novos produtos, já que, dessa forma, é possível visualizar que ainda existe um alto nível de consumo feito pelos fãs.
A comunidade e as produções independentes do fandom da Saga Crepúsculo
Fazer parte de um fandom, muitas vezes, vai além de acompanhar determinada obra. Muitos dos participantes desses ambientes se enxergam como grandes amigos integrantes de uma mesma comunidade, focada, principalmente, na visualização, divulgação e produção de materiais relacionados ao objeto de adoração. Segundo Jenkins (2009), a crescente participação dos usuários nas comunidades de fãs, impulsionada pelas novas práticas de consumo na internet e pela cultura digital, redefine os paradigmas da interação online.
Fonte: Reprodução
Os fãs da Saga Crepúsculo são denominados de algumas formas, como Crepusculetes, Twilighters e Twihards - esses últimos sendo considerados os fãs mais devotos à saga e à comunidade. Esses fãs mais engajados estão nas redes sociais divulgando informações sobre novos livros e produções audiovisuais, escrevendo fanfics e, também, produzindo edits dos personagens através de recortes dos filmes.
Com o grande sucesso dos livros e filmes, os fãs fazem produções independentes derivadas da criação original, perpetuando ainda mais a fama da obra de Stephenie Meyer, autora dos livros, como a fanfic “Bella Problema x Edward Solução”, publicada sob o pseudônimo Lunah no site Fanfiction.
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Escrita em 2009, antes da conclusão da saga nos cinemas, a fanfic traz uma adaptação do romance vivido entre Bella Swan e Edward Cullen. Nesta trama, os principais acontecimentos se passam na Itália, diferente da história original, que é vivida em Forks. Além disso, Bella e Edward são irmãos postiços, uma vez que seus respectivos pai e mãe, Carlisle e Esme, estão noivos - em relação ao original, também existe uma troca de papéis, com Carlisle Cullen sendo o pai de Bella, ao invés de Charlie Swan. Famosa entre os leitores de fanfics, recebeu diversas recomendações e comentários. Trata-se de um universo alternativo (AU), um tipo de fanfic que promove alterações significativas em relação ao cânone, no intuito de propor alternativas. Segundo Martins (2013),
Na Saga Crepúsculo mesmo quando a história ainda não havia sido concluída pela autora, as fanfics com universo alternativo eram bem aceitas. Isso ocorre pois, embora seja uma história sobre vampiros, o elemento principal dos livros é o triângulo amoroso entre Edward, Jacob e Bella e a amizade, tornando possível explorar estes temas, sendo os personagens vampiros, lobos ou humanos (p. 42).
Além da produção de fanfics, os Twihards estão nas redes sociais atualizando sobre novidades, histórias não contadas sobre personagens de menor destaque e outros assuntos pertinentes para o fandom. Tudo isso buscando sempre manter a comunidade informada, resgatando o sentimento de pertencimento que foi construído desde o primeiro momento em que esses fãs leram os livros ou foram aos cinemas assistir ao primeiro filme adaptado.
Um exemplo dessa forma de produção é a página Twihards Brasil, no Instagram.
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O objetivo do Twihards Brasil é divulgar informações para o público da saga. Na página, é possível encontrar diversas publicações mostrando um pouco de curiosidades, bastidores dos filmes e informações sobre quando novos livros serão lançados, num trabalho de curadoria de materiais pré-existentes e de informações fornecidas pela própria autora dos livros. Esse tipo de manifestação traz a sensação de proximidade que a comunidade, muitas vezes, confere para os seus integrantes, seja ele o fã que produz novos materiais ou o fã que consome esse tipo de produção.
Outra forma de produção está na publicação de imagens editadas e edits, vídeos compostos por sucessões de imagens, geralmente exibidas de forma ágil, e que ocasionalmente incluem clipes de vídeo, acompanhados de música, tipicamente do gênero eletrônico. Uma das páginas mais famosas por fazer esse tipo de produção da Saga Crepúsculo, é o Best of Twilight, criado em 2018, no X.
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O poder do fandom na perpetuação do universo da saga
É interessante observar como o consumo constante ainda está presente no fandom mesmo anos depois do lançamento do último filme da franquia, mostrando as diferentes formas de como um fandom é capaz de se mobilizar. Para Martins e Damaceno (2020), a disseminação desses conteúdos na internet visa manter e expandir a prática de consumo, atendendo à demanda dos fãs que agora dedicam mais tempo a se envolver com os episódios, livros, comunidades online, cosplay, entre outros.
Assim, as diferentes formas de produção feitas pelos fãs ao longo dos anos contribuíram para que os livros e filmes continuassem sendo consumidos. A prática de criação de conteúdo sobre o universo de Crepúsculo, assim como a divulgação de informações sobre novos produtos que, possivelmente, virão a ser lançados, apenas aumenta o conhecimento público sobre as obras, contribuindo para que mais pessoas, durante esse processo, ouçam falar e se interessem cada vez mais pela saga.
O engajamento desses fãs torna possível que novas produções originais sejam criadas, uma vez que os proprietários dos direitos autorais percebem a possibilidade de lucro através de antigos e novos fãs. Um exemplo disso foi o livro lançado por Stephenie Meyer, “Sol da meia-noite”, uma extensão do primeiro livro, desta vez narrado sob o ponto vista de Edward Cullen, contando aspectos e sensações anteriormente não vistas pelos leitores, uma vez que toda a narração dos livros da saga parte do ponto de vista de Bella, protagonista da história.
Fazer parte de um fandom é então fazer parte de uma grande roda econômica e cultural que traz conhecimento público e capital financeiro para produtores, “os produtores de mídia monitoram fóruns da Web […] para testar a resposta dos espectadores, medindo a reação a mudanças controversas da trama” (Jenkins, 2009, p. 2). O que, por fim, retorna como novas produções e reproduções nas mídias, fazendo com que a roda nunca pare de girar, alimentando as necessidades de um fandom e dos produtores de uma obra.
Referências
DEZ ANOS de ‘Crepúsculo’: O legado (bom e ruim) do filme teen. Veja, 2018. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/cultura/dez-anos-de-crepusculo-o-legado-bom-e-ruim-do-filme-teen>. Acesso em: 10 de mar. 2024.
JENKINS, H. Cultura da convergência. 2ed. São Paulo: Aleph, 2009, 478p.
MARTINS, A; DAMACENO, J. Cultura participativa de fã na internet: canais para interação e produção de fandoms. Aturá, Revista Pan-Amazônica de Comunicação, Palmas, v. 4, n. 2, p. 102-120, 2020. Disponível em: <https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/atura/article/view/9448> Acesso em: 10 de mar. 2024.
MARTINS, T. Universos alternativos: literatura e produção de sentido em sites de fanfiction. Dissertação de mestrado. Dissertação (mestrado em Comunicação Social) - Departamento de Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 148p, 2013.
MIRANDA, F. Fandom: um novo sistema literário digital. Hipertextus, 2009. Disponível em: <https://digitalartarchive.at/fileadmin/user_upload/Virtualart/PDF/88_Fabiana-Moes-MIRANDA.pdf>. Acesso em: 7 de mar. 2024.
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