Atália Vásti, Gabriella Cardoso, Júlia Leal e Laís Gomes
A cultura do Japão, no passado tão fechada, expandiu-se a outros países de forma espantosa nos últimos anos. Entre os elementos culturais mais divulgados estão os animes e mangás, que, por sua vez, estimulam o consumo de itens e também um conjunto de hábitos derivados, como é o caso do cosplay. O termo é uma abreviação das palavras costume e play, e pode ser definido como o ato de se vestir de forma semelhante a um personagem e performar como ele.
Segundo Tompkins (2019), cosplay é uma prática expressiva e afetiva que demonstra uma paixão por um texto midiático específico e/ou personagem fictício. A autora explica que o termo foi criado pelo designer de jogos japonês Takahashi Nobuyuki, ao observar os trajes feitos por fãs em uma convenção de ficção científica em Los Angeles.
A troca global de textos midiáticos facilitou uma cultura globalizada de cosplay, na qual brasileiros se vestem como personagens de anime japonês e asiáticos se fantasiam como super-heróis da Marvel estadunidense, por exemplo. Hills (2002) considera que as diferentes identidades nacionais são desativadas ou deixadas em segundo plano quando participam dos prazeres do cosplay.
De estética complexa, com armaduras, capacetes e espadas, a uma composição mais simples, como a de uma colegial, os cosplayers de animes se concentram em eventos otakus, que, em sua maioria, elaboram um concurso para escolher a melhor “fantasia”, analisando pontos como performance, estética e carisma.
Fonte: Reprodução/rizzyun e rachasakawa
A prática suscita debates e questionamentos em relação a, por exemplo, a legitimidade de cosplayers que não são fisicamente parecidos com os personagens selecionados, o porquê de escolher um personagem em detrimento de outro, ou mesmo o que motiva a fazer cosplay, visto que é uma produção consideravelmente cara, como vídeos circulados no Instagram e TikTok costumam mostrar.
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Este costuma ser mais um fator para a desvalorização dos cosplayers pela sociedade, que tacha o hábito como um ato de “fanatismo”, que de acordo com o dicionário Oxford é “zelo religioso obsessivo que pode levar a extremos de intolerância” ou “faccionismo partidário; adesão cega a um sistema ou doutrina; dedicação excessiva a alguém ou algo; paixão”. Nesse sentido, Hills (2002) explica que a prática de imitação foi marginalizada como algo ruim, que enfatiza a falta de agência dos fãs.
Entretanto, vê-se que, para os cosplayers, a atividade vai muito além de uma homenagem, tendo relação com a construção da identidade. No contexto das mídias sociais, pode muitas vezes ser uma prática que produzirá retorno financeiro. Ou seja, ao invés de ser uma falta de autonomia pessoal, a imitação é mais frequentemente uma oportunidade de marketing ou um prazer performativo (Duffet, 2013).
Em busca de tentar compreender melhor o fenômeno, ouvimos algumas experiências de 20 cosplayers e otakus por meio de uma survey realizada em fevereiro de 2024. “Muitas vezes o cosplay não é levado como uma coisa que seja importante para nós. Muitas pessoas acham que não é um meio válido de diversão e de socializar, ou que não vai gerar nenhum tipo de renda”, comentou um respondente que 9 mil seguidores no TikTok e pretende começar a fazer lives para monetizar a sua prática.
Essas questões também podem ser pensadas a partir da reflexão da identidade atrelada ao consumo. O consumo é vinculado a algo que é alvo de desejo, logo, no próprio consumo de animes, mangás e na vontade de fazer um cosplay, percebe-se que há essa ligação entre o que se consome e a ambição de ter ou ser a partir daquilo, o que se reflete em aspectos identitários. Para outro respondente, “o cosplay ajuda como uma forma de expressão da pessoa, a se sintonizar com os seus interesses e a mostra-los para as outras pessoas. É uma forma de interação social e expressão da própria identidade da pessoa”.
Outro participante da pesquisa ponderou aspectos positivos e negativos da atividade: “o consumo de uma obra pode afetar suas perspectivas sobre o mundo e suas expectativas sobre quem você quer ser. Para pessoas LGBTQIAPN+, assim como outras minorias, a comunidade cosplay traz um acolhimento, senso de pertencimento que pode contribuir para sua identidade. Isso pode ser positivo, mas existe o consumo indevido, ambientes tóxicos, e pessoas menores [de idade] fazendo cosplay de personagens sexualizados. De qualquer forma, é, na minha opinião, inegável que o cosplay contribui para definir sua identidade”.
Campbell (2001) discute o fenômeno do consumo, e considera que o indivíduo consome por meio de um processo muito mais emocional do que racional, já que neste último processo o consumidor não se sujeitaria a trocas de produto tão rápidas, retirando o prazer do consumo. Para o autor, o sentimento de insaciabilidade é o ponto fundamental para manter o indivíduo envolvido na lógica do consumo.
Nessa referência, podemos associar a discussão de Campbell ao ato de realizar cosplays, pois essa relação de consumo dos fãs é muito atrelada a gostos, ou seja, o desejo gera o consumo que, por sua vez, produz prazer, e isso ocorre através da identificação e da emoção. Nas palavras de outro respondente, “fazemos cosplay de personagens em que nos identificamos de alguma forma (seja pela maneira de agir ou pela vestimenta dele)”.
Na mesma linha, outro cosplayer considera que [Cosplays] são uma ferramenta fortíssima para o desenvolvimento social e pessoal. A pessoa se identifica com personagens, visuais, maneirismos, histórias em comum etc. Eu acredito que com o cosplay às vezes é mais fácil entender sua própria identidade ou pensamentos, porque você vive suas experiências através daquele personagem”.
Fonte: Reprodução/luiluixa
Entretanto, como em qualquer outra comunidade, há várias problemáticas no mundo otaku e de cosplays, como o assédio. Em eventos de anime costumam ocorrer casos de abraços mal intencionados, olhares maldosos e julgamentos quanto à aparência do fantasiado. Um agravante é o fato de que parte dos consumidores são menores de idade. Devido a esses acontecimentos, muitos cosplayers alertam aos iniciantes nesse mundo sobre cuidados que devem ter para a escolha e caracterização do personagem, como na interação abaixo, coletada no Twitter:
Comentários do vídeo: “dicas para menores de idade que fazem cosplay” -
Fonte: Reprodução/ Tiktok
Essa perspectiva mostra mais um motivo pelo qual o preconceito da sociedade com o mundo otaku/cosplay permanece, tendo em vista os estereótipos de “pervertidos”, “estranhos” e “infantilizados”.
“Sim, muitos fãs de anime, cosplayers ou não, mas especialmente cosplayers, ainda recebem preconceito especialmente da parcela mais conservadora da sociedade. Perspectiva essa que só piora quanto mais velho o fã, visto que esses interesses muitas vezes são atrelados à infância, fazendo com que essas pessoas sejam depreciadas por possuírem ‘interesses infantis’. Além dos casos em que esses elementos culturais são vistos por certas pessoas como ofensivos de alguma forma, seja pela desculpa da religião, ou por servir como uma influência ruim para os jovens”, destacou um dos participantes da pesquisa.
Por meio da survey, foi possível identificar até o preconceito dentro da própria comunidade com seus próprios membros. “Hoje em dia acho que o próprio meio otaku é muito preconceituoso com quem está dentro e fora dele,” explicou um dos respondentes. Por esses fatores, não é incomum o fato de que otakus evitem se assumir como realmente parte do fandom de animes.
Em suma, observa-se que os cosplays são munidos por uma identificação com o personagem e movidos pelo desejo de homenageá-los. Entretanto, existem barreiras para a execução dessa atividade, como alto investimento financeiro para a composição do figurino, as críticas e os preconceitos. “Muitos são vistos como infantis por ‘ainda se fantasiarem de personagem’ ou por ‘ainda assistirem desenho’, quando na verdade cosplay é só mais um hobby e anime é mais uma mídia de entretenimento para os que gostam de consumir”, salientou um respondente, que completou: “tanto cosplayers como fãs de anime podem ter esses hobbies como válvula de escape para gatilhos do dia a dia”.
Referências
CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Editora Rocco, 2001.
DUFFET, M. Understanding fandom: an introduction to the study of media fan culture. London: Bloomsbury Publishing, 2013.
HILLS, M. Fan Culture. London: Routledge, 2002.
TOMPKINS, J. Is gender just a costume? An exploratory study of crossplay. Transformative works and cultures, v. 30, 2019. Disponível em: https://bit.ly/3ylWdHd. Acesso em 9 maio 2024.
CONTRETAS, K. Evento de cosplay, quanto a galera gasta?. Tiktok, 06 set. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3QHs2jS. Acesso em: 08 mar. 2024.
GEEKREAL, Oficina. Mais um vídeo da nossa saga descobrindo o preço dos #cosplay na #ccxp. Tiktok, 19 dez. 2023 . Disponível em: https://bit.ly/4ak8qtj. Acesso em: 08 mar. 2024.
LAVIGNE, Scarlett. Dicas para menores de idade que fazem cosplay. [@scarlettlavigne__]. Tiktok, 08 jan. 2024. Disponível em: https://bit.ly/4aejjgc. Acesso em: 08 mar. 2024.
Luiluixa. [ 2B — nier automata ] Finalmente, os refrescos (mais conhecido como “fotos da 2B)! É um cosplay que sou simplesmente APAIXONADA apesar de precisar dos seus devidos ajustes, mas não podia deixar passar esse cosplay de uma obra tão linda que é Nier Automata. Tive a oportunidade de participar desse shoot e agradeço imensamente por tamanho cuidado na hora das fotos! Não esfriem o corpo, porque tem mais foto da nossa platinada favorita vindo aí – e com surpresas, viu?. Instagram: @luiluixa. Disponível em: https://bit.ly/4apEz2p. Acesso em: 11 mar. 2024;
Luiluixa. Olha a qualidade dessas fotos, cara! tbt desse dia com um registro realizado pela @camerageekoficial 🧡desfilei de Nidalee, apareci na televisão (oi, mãe! tô na globo) e assustei – sem querer – uma criança na burger king que achou que eu era uma vilã do Spiderman. como sempre, fui muito bem abraçada com esse cosplay e, oficialmente, ele é um dos meus favoritos do momento. 🌳🧡. Instagram: @luiluixa. Disponível em: https://bit.ly/4apEAU1. Acesso em: 11 mar. 2024.
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