Diana Cardoso dos Santos Silva e Josué Justino da Silva
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Ganhou destaque inicialmente com o grupo Destiny's Child, grupo esse que se tornou um dos mais bem-sucedidos na história da música pop. A Queen B também se destacou como atriz, com os filmes “Dreamgirls” e “Cadillac Records”, assim se colocando na mídia audiovisual. Como cantora solo, consolidou ao longo dos anos uma influência mundial que vai além da música e moda, indo para a filantropia, com a Shawn Carter Foundation e a BeyGood, instituições que oferecem bolsas de estudos e apoio a jovens em vulnerabilidade social e financeira, e a defesa dos direitos civis.
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A indústria musical contemporânea tem testemunhado uma transformação nas últimas décadas no que diz respeito ao consumo cultural, impulsionado pela convergência midiática e pela participação de consumidores ativos e dispostos a terem produtos que remetem a algo. Sob a perspectiva de Jenkins (2014), a convergência não se limita a dispositivos tecnológicos, mas se manifesta nos cérebros dos consumidores e em suas interações sociais, dando origem a uma “cultura da convergência”.
O público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes (Jenkins et. al, 2014, p. 20).
A relação entre fãs e seus objetos de devoção, como é o caso de Beyoncé e a Beyhive, nome dado ao fandom da cantora, contraria a ideia estereotipada do fã como um sujeito passivo, um o mero receptor daquilo que é produzido pela grande indústria. Jenkins (1994) define fãs como consumidores que produzem, leitores que também escrevem, espectadores que também participam. Estabelecem uma conexão com o ídolo que ultrapassa o consumo comum, que se diferencia por sua forma de expressão emocional e engajamento constante. Como diz Sandvoss (2013), fãs são indivíduos emocionalmente investidos e que mantêm um envolvimento contínuo com seu objeto de interesse através de diversas mídias. Essa dinâmica do consumo e relacionamento entre fã e ídolo pode ser facilmente identificada por toda a Renaissance Era de Beyoncé.
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No ano de 2022, após o período pandêmico, foi lançado Renaissance, sétimo álbum de estúdio da Beyoncé e o primeiro de um projeto de três atos. Lançado no verão do hemisfério norte, Renaissance é um disco caracterizado pela fusão de vários gêneros musicais, incluindo disco, trap e R&B. Foi um retorno às raízes da música dance, com influências de artistas como Prince, Donna Summers e uma forte influência da cultura e estética dos ballrooms, um movimento criado e protagonizado por corpos marginalizados da cidade de Nova York, que celebrava a riqueza cultural e singularidade do movimento LGBTQIA+ ainda no século passado.
A Renaissance World Tour, nona turnê de concertos da artista, representou a volta da Queen B para os palcos após um longo hiato de cinco anos, e chegou para apresentar aos fãs uma experiência de show imersivo e tecnológico. Com uma estrutura de medidas que superam os 53 metros de extensão, o palco da turnê contou com o apoio de um telão monumental, robôs articulados e tecnologia ultravioleta. O show, que tinha a duração entre 2,5 e 3 horas, consistia em 7 atos, que foram: Opening ACT, Renaissance, Motherboard, Opulence, Anointed, Anointed - Part 2 e Mind Control. A turnê foi sucesso comercial e teve impacto cultural e econômico, constituindo-se como um fenômeno sociocultural.
Durante o período astrológico em que o signo do zodíaco em vigência era o de virgem, a artista deu início ao evento de título, Virgo Season, em comemoração ao aniversário da cantora e de todos virginianos do fandom. Os fãs receberam o pedido da cantora para que usassem roupas, acessórios, trajes e maquiagens prateadas durante o período de um mês, que iniciou nos shows do dia 23 de agosto de 2023.
O pedido desencadeou um aumento significativo da procura e demanda por produtos relacionados à estética da era Renaissance, como roupas metálicas e acessórios. Essa dinâmica do consumo e a expressão da Beyhive durante a Renaissance World Tour é exemplo, a partir do recorte analisado nesse texto, daquilo que Macedo (2021) trata como trabalho precarizado do fã, que por seu comprometimento afetivo e emocional por determinado objeto se distancia do entendimento do esforço criativo e financeiro, de certa forma agrega relevância não só para a a marca pessoal da cantora, como também para o evento da turnê mundial. Ao produzirem conteúdo para incentivar outros fãs a consumirem esses produtos, os fãs estão dispondo, além de dinheiro, de seu tempo e energia.
Muito além de atividades prazerosas e criativas, essas produções configuram-se como trabalho gratuito, como produção de dados/conteúdos convertidos em commodities rentáveis, exploradas pela corporação que detém a plataforma…” (Macedo, 2021)
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Segundo Macedo (2021), o afeto e a confiança dos fãs passaram a ser mobilizados como parte de mecanismos mais amplos de extração capitalista de valor que são intrínsecos ao capitalismo tardio. Mel Stanfill (2019) argumenta que “os fãs sempre criaram valor, especialmente em termos de significado, lealdade, compromisso e promoção. O que há de novo é o reconhecimento da indústria, incentivo e tentativas de capturar esse valor” (p. 133).
Apesar disso, é interessante observar outro momento no qual a produção de fã assume um caráter diferente. A tendência de consumo incentivada pelo convite da cantora não apenas impulsionou as vendas online em plataformas como Etsy em mais de 25%, como também beneficiou negócios locais, especialmente aqueles pertencentes a mulheres negras, LGBTQIA+ e microempreendedores - ou seja, negócios não diretamente relacionados à cantora ou sua gravadora. Isso também se refletiu na relação de consumo feito de fãs para fãs, com os famosos leques customizados com a palavra “HEATED”, que eram utilizados durante a apresentação da música de mesmo nome. Esses, que por sua vez foram confeccionados por fãs e vendidos presencialmente nos estádios da turnê como em lojas online, como a Elo7, foram um fenômeno do consumo interno da comunidade BEYHIVE durante a turnê não só por marcar a estética da era Renaissance, como também por reforçar a influência da Beyoncé nos hábitos de consumo dos fãs.
Dessa forma, nota-se que a relação mercadológica da indústria musical predomina nessa relação de produção de fã, mas o comprometimento e a resposta entusiasmada dos fãs ao pedido da abelha rainha também revelam que não se trata apenas de um ato de devoção, mas uma forma de expressão coletiva e da cultura participativa na experiência que foi a turnê. Além disso, o trabalho feito pelos fãs durante a Renaissance vai além do simples entretenimento, ele ultrapassa essa relação e constrói um novo sentido de forma de produção cultural remunerada que tem no fã um protagonista das relações de consumo. A criação de conteúdo customizado enriquece o universo da artista, gerando valor econômico em diversos setores que perpassam o universo Renaissance.
Referências
"BOOM PAUL", Bryson. Where’d All the Silver Go? Are Beyoncé Fans Buying All the Silver From Dallas Stores?. Dallas Observer. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3VqIgje. Acesso em: 9 mar. 2024.
JACKSON, Hanna. Beyoncé’s Fans Understood the Assignment for the Renaissance Tour. VOGUE. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3xhZLtX. Acesso em: 12 mar. 2024.
MACEDO, Tarcízio. O custo da participação: lazer e trabalho gratuito (de fãs) na cultura da conectividade. Periódicos UFJF. UFJF, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3xjKs3W. Acesso em: 8 mar. 2024.
MARUF, Ramishah . Beyoncé wants everyone to wear silver and Etsy sellers are benefiting. CNN Business. 2023. Disponível em: https://cnn.it/3RsLWQ8. Acesso em: 9 mar. 2024.
SHIN, Rachel. Yelp coins the ‘Beyoncé bump’ for the economic halo created by the pop star’s Renaissance Tour. FORTUNE. 2023. Disponível em: https://bit.ly/3Xz1xkS. Acesso em: 9 mar. 2024.
VIANA RIBEIRO, Fabiana. Entre os extremos do consumo: Fãs, Colecionadores e Aficionados. Repositório PUCSP. São Paulo, 2005. 214 p. Disponível em: https://bit.ly/3RU76XR. Acesso em: 8 mar. 2024.
RECH, Júlio Valter Sguaisser. Beyoncé, um estudo de marketing, endosso e valorização de marcas. Disponível em: https://bit.ly/3RxSpcJ. Acesso em: 11 mar. 2024
STANFILL, Mel. Exploiting fandom. How the media industry seeks to manipulate fans. Iowa: University of Iowa Press, 2019.
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