Gabriel Mira Martins de Oliveira, Maria Eduarda Nóbrega Moura,
Maysa Louise Santana da Silva e Thalita Dominique dos Santos Nascimento
O K-pop (Korean pop) é um estilo musical consumido no mundo todo, principalmente entre jovens. Ele possui valor cultural, político, econômico e social. O gênero está inserido dentro da Hallyu (onda coreana, em português), também chamada de invasão coreana, sendo um neologismo referente à popularização da cultura sul-coreana a partir dos anos de 1990, e com o propósito de levar o entretenimento da Coreia do Sul para outros países da Ásia, inicialmente por meio dos K-dramas (Palha, 2021). Já na segunda onda, conhecida como Shin Hallyu, ou onda coreana 2.0, ocorreu a introdução sistemática do K-pop no leste asiático e em países ocidentais, conectando principalmente os jovens de todo o mundo com a cultura sul-coreana e potencializando a visibilidade do país no mercado internacional (Palha, 2021).
Os grupos do K-pop, como o grupo masculino BTS, são um dos maiores meios de propagação cultural e de ganhos econômicos da Hallyu, não só pelas músicas em si, mas pelo poder aquisitivo, e pela influência comercial que ela vem ganhando enquanto produto. Os ídolos simbolizam múltiplos significados construídos no contexto da indústria cultural (Adorno; Horkheimer, 1985), facilitando que diversos públicos se identifiquem e passem a consumir esses produtos culturais. É através da identificação com a figura dos ídolos que se manifestam as formas de fala, de vestimenta, de comportamento e de consumo (Mada, 2021; Adorno, 2002). Neste texto, vamos nos concentrar em analisar exemplos de como o BTS tem influenciado o consumo do mercado de luxo.
Os fandoms representam uma comunidade em que as pessoas se relacionam entre si, partilhando os seus valores e afetos. Nesse sentido, fãs acreditam numa forma de compartilhar com o outro suas experiências em comum e que os unem, ou seja, fazendo contato ou trocando experiências entre os próprios fãs (Mada, 2021; Jenkins, 2014).
O Bangtan Sonyeondan (BTS) é conhecido mundialmente por suas performances e pelo ARMY, fandom do BTS, que protege os garotos à prova de balas (Bangtan Brasil, 2020) e que tomou proporções transnacionais. Considerando o modelo sul-coreano de produção de idols, além da música e de outros aspectos que conectam BTS e o ARMY, como o ativismo, pode-se entender o poder de influência que o BTS possui no seu fandom, inclusive no que diz respeito ao consumo de moda.
Zerar o estoque já faz parte da rotina dos Armys. Essa é mais uma das grandes representações do comportamento massivo presente no fandom do Bangtan Boys. Desde acessórios até produtos de limpeza, tudo vira febre quando os integrantes do maior grupo de K-pop da atualidade usam. Muitas vezes, o valor não importa - o importante é colecionar o máximo de produtos referentes ao BTS.
Um exemplo disso é o pijama que o integrante Jung-kook usou, em uma live descontraída com os fãs. O Pijama Khaki Knit custa US$ 470, o que significa aproximadamente um valor de R$ 2,3 mil, e faz parte de uma coleção limitada da marca F8 KECHEMICAL CLUB. O estoque da peça esgotou em duas horas, depois que o artista apareceu com ela. A marca mandou seus agradecimentos a Jung-kook, e o episódio deu o que falar na comunidade de fãs, principalmente no X (ex Twitter), onde os Armys comentaram o poder do BTS e como “tudo o que eles tocam, vira ouro”e eles tocam, vira ouro”.
(Fonte: Reprodução VLive)

Pijamas Khaki Knit (Fonte: Loja F8K CHEMICAL CLUB)
“A vida no capitalismo tardio é um rito permanente de iniciação. Todos devem mostrar que se identificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos.” (Adorno, 2021, p. 48)
Em janeiro de 2022, um fenômeno similar, mas em escala maior, também aconteceu com um dos integrantes do BTS. V, ou melhor dizendo, Kim Taehyung, participou do projeto “artist-made collection by BTS”, no qual os integrantes do grupo fizeram o design de itens de moda para a Weverse Shop, plataforma do conglomerado sul-coreano HYBE Corporation para interações de fãs. Taehyung ficou encarregado de decidir o tamanho, o design e os materiais de uma bolsa, o que causou grande expectativa. A bolsa foi lançada custando US$153,28 (cerca de R$ 763,14 na cotação atual) e em literalmente 2 segundos já estava esgotada. O preço da bolsa foi bastante comentado também, gerando memes na comunidade kpopper, inclusive a brasileira. Segundo o site "Star News", por conta da falta de exemplares novos e da venda limitada, uma bolsa foi colocada para leilão no eBay com um preço inicial entre US$2 mil e US$10 mil. Em apenas uma hora, 82 pessoas fizeram lances e o preço subiu para US$12,9 mil.

Kim Taehyung usando bolsa feita por ele
em aeroporto, 2022 (Fonte: reprodução: joom.com)
Fica assim cada vez mais claro que fãs de artistas gigantescos como o BTS estão cada vez mais dispostos a chegar a níveis de dedicação e esforço tremendos para conseguir se sentir parte da comunidade de Armys mais seleta. Também mostra o processo de construção de hierarquias inerente aos fandoms, em que comportamentos são estimulados para que o fã se prove como fã e se distancie da noção de poser, uma gíria que geralmente é usada para descrever alguém que finge ser algo que não é, especialmente em relação a gostos musicais, moda, estilo de vida ou identidade cultural.
Outra peça que decidimos analisar foi o smoking utilizado pelo integrante Jimin no videoclipe de “Vibe”, em parceria com o cantor Taeyang, em janeiro de 2023. O terno da Dior contém grão de poudre de lã preta, feito na Itália. É feito com lã virgem, o que significa que foi extraída da primeira tosquia de um filhote de ovelha, por ser virgem tem uma maior qualidade inclusive sendo macia, elástica e hipoalergênica. O terno, que custa cerca de US$5.500, equivalente a R$27 mil no Brasil, contém algumas características especiais, como os detalhes nos bolsos costurados à mão, lapelas e botões forrados de cetim, sendo tudo de maneira tradicional.

Park Jimin usando Tuxedo Black
Wool Grain de Poudre (Fonte: Instagram Pessoal @j.m)
Apesar do elevado valor, assim como nos outros exemplos, o smoking rapidamente esgotou no site oficial da Dior, sendo vendido apenas em boutiques presenciais. Para os Armys, essa é só mais uma das grandes representações do comportamento massivo presente no fandom do Bangtan Boys, que transformam peças de alto poder aquisitivo em itens colecionáveis que esgotam em minutos.
Isso nos leva a buscar entender como o poder de influência do BTS inspira fãs e admiradores ao redor do mundo a consumirem esses determinados itens de luxo. Friedman e Friedman (1979) consideram que o endosso de celebridades têm diferentes objetivos, porém o principal é a capacidade de influenciar o público através de uma ou mais fontes de poder social existentes. Um desses poderes que se encaixa perfeitamente neste caso é o poder de referência, no qual o endossante é uma pessoa com a qual o consumidor quer se parecer.
Semanas após Jimin aparecer com essa peça, ele foi anunciado como embaixador global da Dior. Segundo o jornal “O Globo”, o preço das ações da grife francesa atingiram pico após o anúncio, reafirmando esse poder que o tanto Jimin como o BTS demonstram ter sobre o público fiel a eles.
O fenômeno do K-pop, como exemplificado pelo sucesso do BTS e pela atuação do fandom ARMY, ilustra então como a interação entre os ídolos e os fãs pode refletir os princípios da indústria cultural, conforme delineado por Adorno e Horkheimer, onde os produtos culturais são adaptados para consumo em massa, gerando identificação e influência sobre os consumidores, com interesse no lucro. A indústria cultural transfere as características da dominação da técnica para os bens culturais na modernidade, adaptando os produtos a um consumo de massa aliado aos interesses do capital para construir um grande sistema. “O que não se diz é que o terreno no qual a técnica conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes exercem sobre a sociedade.” (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 100)
Além disso, o poder de referência das celebridades, como demonstrado pelo impacto de artistas como Jimin, Jungkook e Taehyung sobre o consumo de moda de luxo, destaca a influência dos ídolos sobre o comportamento dos fãs. O K-pop emerge, assim, como um fenômeno multifacetado que transcende fronteiras culturais e geográficas, alimentado pela interação dinâmica entre a indústria cultural, os ídolos e os fãs, e moldado por uma complexa teia de influências sociais, econômicas e tecnológicas.

Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
ADORNO, T.W. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
FRIEDMAN, H.; FRIEDMAN, L. Endorser effectiveness by product type. Journal of Advertising Research, v. 19, n. 5, [S.p], 1979.
JENKINS, H; GREEN, J; FORD, S. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
JENKINS, H. Cultura de convergência. São Paulo: Aleph, 2022.
MADA, L. A experiência de ser Kpopper no Brasil - uma visão fenomenológica sobre os armys. Monografia. Graduação em Psicologia. Instituto Saúde e Sociedade, Universidade Federal de São Paulo, Santos, 2021.
PALHA, A. FÃS BRASILEIROS DE K-POP: Um estudo sobre aculturação de consumo - Universidade Federal de Pernambuco, Recife (CCSA), 2021.
QUEIROGA, L. Preço das ações da grife francesa Dior atinge pico após anúncio de Jimin, do BTS, como embaixador global. Jornal O Globo. 19 de janeiro de 2023. Disponível em: <https://bit.ly/3JP9F95>. Acesso em: 10 mar. 2024.
SOUZA, B. Jungkook do BTS faz pijama de R$2,3 mil esgotar após live. Portal R7, 29 de julho de 2021. Disponível em: <https://bit.ly/4dtTY4I>. Acesso em: 10 de março de 2024.
STRAMASSO, C. BTS: Jungkook faz pijama de R$ 2,3 mil esgotar após live. Portal Pop Line, 29 de julho de 2021. Disponível em: <https://bit.ly/44B86VU>. Acesso em: 10 de março de 2024.
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