Solidariedade líquida: o ativismo dos fãs brasileiros no The Eras Tour

Gabriel Garrett Edgard Marinho e Jefferson William Mendes Agostinho


A The Eras Tour, turnê mundial da cantora estadunidense Taylor Swift, tem abalado a indústria da música e isso não é novidade, mesmo para quem não é familiar com o catálogo da cantora. A turnê tem se destacado não somente pela sua aclamação, mas também pelo seu impacto na economia global, no cenário pós-pandêmico, e pelo número significativo de fãs que frequentam os shows, se deslocando dos mais diversos lugares do mundo, a fim de ter a oportunidade de assistir a Swift performar.

A demanda é inusitada, considerando o tempo de atuação de Taylor Swift no mundo da música, possuindo uma carreira de 18 anos. A longevidade é notada pela cantora, com seus anos de experiência no mercado fonográfico, que desabafa que quando mulheres do entretenimento alcançam seus 30 anos, elas tendem a serem descartadas. Essa reflexão é mais aprofundada no documentário da Netflix, Miss Americana, onde Taylor se aprofunda no assunto: “Esta é provavelmente uma das minhas últimas oportunidades de alcançar esse tipo de sucesso. Quero trabalhar muito enquanto a sociedade ainda tolera que eu seja bem sucedida” (Swift, 2020).

Como resultado desse trabalho, a turnê teve demanda no mundo inteiro, incluindo no Brasil. O sucesso da cantora, atrelado ao fenômeno de engajamento dos fãs, chamou a atenção de artistas como Billy Joel, ao afirmar para a revista estadunidense The New York Times: “A única coisa com a qual posso compará-la é o fenômeno da Beatlemania”. A partir disso, alguns outlets de notícias no mundo inteiro atribuíram ao fenômeno o nome de Taylormania.

O ativismo por parte dos fãs é algo comum entre fandoms. Segundo Monteiro (2013), existem três formas de mobilizações de fãs, porém duas delas se destacam: a mobilização para defesa do artista contra o hate e a mobilização para campanhas sociais. Nesse sentido, a mobilização através das redes de fãs por adoção de causas pode vir diretamente da celebridade ou emergir espontaneamente do próprio fandom, que se organiza de várias formas, como hashtags no X/Twitter, ou blogs e crowdfundings (Bennet, 2012).

Aqui no Brasil, a vinda de Taylor Swift foi pautada por mobilizações por parte dos fãs, que, antes da chegada da cantora, se movimentaram nas redes sociais para conseguir que o Cristo Redentor vestisse a camisa que a Taylor usa no videoclipe de “You Belong With Me”, que têm os nomes de seus amigos. Na versão brasileira, porém, os nomes dos amigos foram substituídos pelos nomes dos estados brasileiros. A atitude singela foi a porta de entrada para outras mobilizações, algumas nem tanto amigáveis.

Comentário de um fã em uma publicação do Padre Omar, pedindo para que haja a 
projeção da cantora no Cristo Redentor 
Fonte: Reprodução/Instagram



Homenagem à cantora Taylor Swift pela sua vinda ao Brasil 
Fonte: Reprodução

Para Mihailidis (2014), a compreensão crítica está intrinsecamente ligada à capacidade de analisar conteúdo, identificando e diferenciando diversos formatos e gêneros com base em suas semelhanças e especificidades. Em outras palavras, a compreensão crítica envolve a capacidade de examinar informações de maneira reflexiva, questionando e reconhecendo falsas verdades. Ao aplicar o conceito ao contexto dos fandoms nas redes sociais, essa habilidade permite que os fãs interpretem e avaliem de forma mais profunda os conteúdos relacionados a seus interesses nas comunidades online.

Os casos mais marcantes de mobilização de fãs de Taylor Swift na sua vinda ao Brasil ocorreram a partir da série de eventos que sucederam a sua passagem pelo estado do Rio de Janeiro. Durante o primeiro show da The Eras Tour no estado, foi relatada uma sequência de falhas por parte da organização, entre elas a sensação térmica de mais de 60°C, escassez de acesso à água e falta de estrutura. Apenas nessa apresentação, mais de mil casos de desmaios foram registrados pelos bombeiros

Talvez o caso mais marcante de todas as tragédias que já ocorreram na carreira da cantora, a morte da fã Ana Clara Benevides (23), do Mato Grosso do Sul, devido à alta temperatura, junto com todas as circunstâncias, foram um momento crucial para que os Swifties se reuníssem para avaliar seu próprio valor. O maior dos questionamentos parece ter sido: “em meio a essa era de popularidade, com uma demanda gigantesca e um lucro ainda maior, até que ponto o fã ainda é considerado gente?”. Isso devido à movimentação da produtora do evento que a cantora contratou para mediar os shows no Brasil, a empresa Time 4 Fun (T4F), que buscou o maior lucro, aproveitando-se da vulnerabilidade dos fãs.

Segundo Freire Filho (2013, p. 2), “ser fã está relacionado a toda uma prática intensa de investimento afetivo, amor, devoção, convicção e entusiasmo, envolvendo totalmente a questão emocional”. O evento foi marcado como um abuso dessa prática comum entre pessoas que são fãs, pois elas estavam dispostas a se submeterem às situações mais adversas para estar perto da cantora, considerando que ela não vinha ao país desde o lançamento do álbum Red, em 2012.


Publicação satírica sobre as tragédias ocorridas no Rio de Janeiro 
Fonte: Reprodução/X


Meme de uma mulher satanista parecida com a Taylor Swift 
Fonte: Reprodução/X

As tragédias ocorridas geraram comentários de caráter cômico no Twitter e no Instagram, mas sobretudo, uma comoção de nível mundial por três causas em comum: ajudar a família de Ana Benevides com os gastos em torno da morte repentina da filha, como o custo do traslado do corpo de volta para o Mato Grosso do Sul; fornecer auxílio aos fãs brasileiros que estavam lidando com situações adversas; criticar Taylor Swift por não se posicionar publicamente a respeito das consequências da má produção do evento, como ajudar financeiramente e expressar seu descontentamento acerca da morte de Ana, sua fã.

Enquanto fãs, acreditamos que a cantora não deveria ser responsabilizada por situações que estão totalmente fora do seu controle. Entretanto, como gente, acreditamos que a forma que Taylor Swift e seu time decidiram remediar os acontecimentos, especialmente ao redor da morte da Ana, escancarou uma realidade enfrentada por todos os brasileiros em festivais da mesma magnitude: uma paixão unilateral revertida em exploração, com foco somente no capital econômico.

O afeto dos fãs e o contato por meio das plataformas de redes sociais “forja conexões entre indivíduos fisicamente distantes uns dos outros” (Crawford, 2009, apud Bennet, 2012). Nesse caso, a conexão surgiu principalmente após uma entrevista da mãe de Ana ao programa Fantástico, da Rede Globo , na qual ela relatou que: “O pessoal do show, que montou, não está dando suporte pra gente trazer ela pra casa. Sei que essas coisas nem passam pelos cantores, os artistas nem ficam sabendo disso. Mas a gente queria que eles dessem o suporte, para trazer ela pra casa. Porque, infelizmente, a gente está arcando com tudo. E a minha filha ainda não chegou”.

A falta de ação da cantora foi preenchido pelos fãs brasileiros, que decidiram se manifestar para ajudar a família de Ana, numa articulação para arrecadar doações. Juntos, conseguiram o valor necessário para o traslado.


Pedido de ajuda pela conta brasileira de fãs da cantora Taylor Swift 
Fonte: Reprodução/X

Agradecimento da conta brasileira de fãs da cantora Taylor Swift 
Fonte: Reprodução/X




Foto de Taylor Swift com a família de Ana Clara Benevides 
Fonte: Reprodução/Instagram

O ativismo de fãs é compreendido como ação intencional que desafia as hegemonias existentes e provoca mudança política e/ou social (Lichtenberg, Marshak, e Winston 1975; Scardaville 2005). Jenkins (2009) afirma que “Isso representa uma forma que a imaginação cívica pode assumir, onde as pessoas exploraram a infraestrutura estabelecida pelo fandom para organizarem a ação coletiva. […] O fandom é apenas um tipo de cultura participativa através da qual as pessoas podem adquirir capacidades para trabalhar em favor da mudança social”.

Após um começo trágico, os Swifties se sentiram vulneráveis, abandonados e usados por um sistema que se preocupa apenas com o lucro, percebendo que nada ia mudar nos cinco shows que ainda estavam por vir, pois não havia nenhum anúncio de mudança por parte da organização. Acerca dos ocorridos, o fandom, principalmente a partir do perfil Update Swift Brasil, do qual um dos autores deste texto faz parte, decidiu mobilizar campanhas que envolveram doações de garrafas de água, sorvetes, pizza e até mesmo ingressos para aqueles que não haviam conseguido adquirir previamente.


Ação de distribuição de água gratuita feita pela conta brasileira de fãs
da cantora Taylor Swift em parceria com a Minalba 
Fonte: Reprodução/X


Ação de distribuição de pizza gratuita feita pela conta brasileira de fãs 
da cantora Taylor Swift em parceria com a Domino’s 
Fonte: Reprodução/X

Visando mudar a forma em que apresentações internacionais são feitas em nosso país, os fãs iniciaram um abaixo-assinado para a efetivação de uma lei que leva o nome de Ana Benevides e que exige a disponibilização de água gratuita em eventos. O documento contou com mais de 355 mil assinaturas.
Abaixo-assinado feito por fãs a favor da distribuição de água gratuita em eventos 
Fonte: Reprodução/Change

O principal ponto do ativismo de fãs durante a The Eras Tour foi a influência direta nas decisões dos artistas e dos grandes monopólios que os acompanham em eventos seguintes. Poucas horas antes do último show de Taylor Swift no Rio de Janeiro, os administradores do perfil Update Swift Brasil foram surpreendidos pelo contato da equipe de Taylor Swift, reconhecendo e parabenizando por todos os feitos, além de convidar a equipe para todos os próximos shows.

A lei Ana Benevides foi aprovada e já no mês seguinte houve situações de distribuição gratuita de água em transportes públicos e também em eventos de grandes proporções, como o Primavera Sound. Parte do público atribuiu a conquista aos esforços do Update Swift Brasil.



Internautas agradecem conta brasileira de fãs da Taylor Swift por seu ativismo
 em prol da distribuição gratuita de água  
Fonte: Reprodução/X

Dessa forma, a voz coletiva e organizada dos fãs pode moldar a narrativa de uma obra, modificar enredos e até mesmo alterar desfechos. Este envolvimento ativo coloca os fãs no centro do processo criativo, transformando a relação tradicional entre criador e consumidor em uma colaboração dinâmica.

O surgimento de movimentos de ativismo de fãs como os citados tem o poder de construir comunidades sólidas e engajadas. Ao compartilhar uma paixão comum, os fãs se conectam, formam laços e contribuem para a criação de espaços online e offline que servem como refúgio, celebração e ajuda. Essas comunidades não apenas fortalecem os laços entre os membros, mas também fortificam a base de apoio para as obras e criadores que idolatram.

Contudo, é crucial abordar o ativismo de fãs com um olhar crítico, reconhecendo que, embora possa trazer benefícios substanciais, também pode apresentar desafios. A pressão excessiva dos fãs sobre os seus ídolos pode levar a decisões precipitadas e muitas vezes errôneas. O equilíbrio delicado entre atender às expectativas dos fãs e manter a integridade criativa pode se tornar um desafio significativo para os ídolos, resultando em concessões que nem sempre refletem a visão original do artista.

A cobrança do tribunal da internet e o ódio massivo que Taylor Swift sofreu ao não prestar uma homenagem para Ana Benevides são exemplos de como a intensidade de um ativismo que pode transbordar em comportamentos negativos, como assédio online, brigas entre fãs e ameaças de um fandom para outro, conhecidas pelo termo "fanwar". Esses comportamentos prejudiciais podem obscurecer as intenções positivas do ativismo e gerar consequências negativas tanto para os fãs quanto para os seus ídolos, que podem ser indevidamente interpretados por internautas que distorcem uma certa narrativa.

Assim, os benefícios do ativismo de fãs são multifacetados, indo desde o aumento da visibilidade até a construção de comunidades fervorosas. No entanto, torna-se inolvidável abordar esse fenômeno com sensibilidade, promovendo a participação positiva enquanto reconhece e aborda os desafios potenciais. Ao fazê-lo, podemos criar um ambiente onde a paixão dos fãs e a criatividade dos artistas coexistam harmoniosamente, contribuindo para uma cultura mais rica e diversificada.


Referências

ANDRADE, J. Taylor Swift: Fãs doam dinheiro para ajudar família de Ana Clara Benevides, jovem morta em show. Revista Quem. 2023. Disponível em: <https://bit.ly/4aaD488>. Acesso em: 05 mar. 2024.

BENNETT, L. Fan Activism for Social Mobilization: A Critical Review of the Literature. Transformative Works and Cultures (TWC) ,v.10, [s.p], 2021. Disponível em: <https://bit.ly/3yhzCLK>. Acesso em: 05 mar. 2024..

BROUGH, M.; SHRESTOVA, S. Fandom meets activism: Rethinking civic and political participation. Transformative Works and Cultures, v. 10, [S.p], 2012. Disponível em: <https://bit.ly/4dwI3TO>. Acesso em: 05 mar. 2024.

JENKINS, H. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

MIHAILIDIS, P. Media literacy and the emerging citizen: Youth, engagement and participation in digital culture. Londres: Peter Lang. 2014.

MIRANDA, I. Billy Joel compara a fama de Taylor Swift à Beatlemania. Rolling Stone Brasil. 2023. Disponível em : <https://bit.ly/3JP5WZd>.Acesso em: 05 mar. 2024.

MISS Americana. Direção de Lana Wilson. Produção: Morgan Neville Caitrin Rogers Christine O'Malley. Estados Unidos: Netflix, 2020. Documentário.

MONTEIRO, C. Fãs, só que ao contrário: um estudo sobre a relação entre fãs e anti fãs a partir do fandom da banda Restart. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação). UNISINOS, São Leopoldo, 2013.

TOLEDO, M. AGUIAR, V. Mais de 1.000 desmaios foram registrados no 1º show de Taylor Swift no RJ, dizem bombeiros. CNN Brasil, 2023. Disponível em: <https://bit.ly/3JXtH0V>. Acesso em: 10 mar. 2024.








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