TaeKook vs JiKook: conflitos por shipping no fandom de K-pop ARMY

Gabriela Maranhão Cavalcanti Sobral


O K-pop é um fenômeno cultural que vem ganhando o mundo e conquistando fãs de diversas origens socioculturais. Como o próprio nome já evidencia, o “K” vem de Korea (Coreia, na língua inglesa), e o “pop” se refere ao gênero musical que se popularizou no ocidente. O surgimento do pop coreano é datado dos anos 1990, quando o grupo Seo Taiji and Boys chocou a Coreia do Sul ao lançar a música “Nan Arayo (I Know)”, em um programa de talentos no país em 1992. O grupo apresentava um estilo de música e dança nunca antes visto no país: fortemente influenciados pela cultura ocidental. Eles traziam o hip hop e danças urbanas como diferenciais e tocavam em temas relevantes para a juventude do país, como o conflito entre gerações e os valores conservadores da sociedade sul-coreana. O grupo atingiu grande sucesso comercial, levando as empresas perceberam uma oportunidade de criar uma cena cultural que pudesse ser facilmente produzida e exportada para os países asiáticos – e posteriormente para o resto do mundo. Dessa forma, começou a surgir o K-pop que nós conhecemos hoje, e os desdobramentos a partir do grupo que aqui será analisada, o BTS.

O fandom é um conceito que é fortemente presente no mundo do K-pop. Diminutivo da expressão em inglês fan kingdom, que significa “reino dos fãs”, um fandom é um grupo de pessoas que gostam muito de uma mesma coisa, como um seriado de televisão, um música, artista, filme, livro, etc. Nas redes sociais digitais, essas comunidades se formam e se retroalimentam em tempo quase real, construindo uma memória em comum para além dos limites físicos do espaço geográfico (LÉVY, 1999, p. 49). Ainda sobre essas comunidades, o famoso pesquisador de meios de comunicação Henry Jenkins, enfatizou que

Comunidades online de fãs podem ser uma das melhor-realizadas versões da cosmopédia de Levy, grupos expansíveis e auto-organizados focados na produção, debate e circulação coletiva de significados, interpretações, e fantasias em resposta a vários artefatos da cultura popular contemporânea. (JENKINS, 2006, [s.p])

Essa constatação de Jenkins (2006) sobre o debate e circulação coletiva de interpretações e fantasias é facilmente perceptível nos shipps, que são, na sua maioria, torcidas por casais românticos que podem ou não estar juntos. No caso de shipps de celebridades e pessoas reais, o fandom busca evidências em seus comportamentos para argumentar a teoria de que o casal existe ou que, pelo menos, eles combinam muito.

O boygroup de K-pop BTS, que surgiu em 2013, tem sete membros: Kim Namjoon (RM), Kim Seokjin (Jin), Min Yoongi (Suga), Jung Hoseok (J-hope), Park Jimin (Jimin), Kim Taehyung (V) e Jeon Jungkook (Jungkook). Todos eles aparentam ser muitos próximos e o contato físico é algo muito frequente, principalmente entre os membros mais novos, Jimin, Taehyung e Jungkook. Diante disso, uma boa parte dos Armys, o nome do fandom de BTS, está dividida entre dois shipps antagônicos: TaeKook (Taehyung + Jungkook) e JiKook (Jimin + Jungkook). As rivalidades entre os dois shipps são facilmente observadas em diversas redes sociais. Porém, diante da produção massiva de vídeos que compilam momentos dos integrantes dos shipps diante das câmeras, consideramos pertinente avaliar as discussões em comentários de vídeos do YouTube.

Em um vídeo intitulado “TaeKook VS JiKook, Which Ship Is Real?” do canal Najila Borahaeist, dedicado exclusivamente a vídeos do primeiro shipp, é possível observar que a maioria dos comentários são amigáveis. Entretanto, um diálogo específico exemplifica bem um tipo de discussão que vemos com frequência.


Nessa discussão, é possível observar um clássico conflito iniciado por um fã que afirma que Taekook transmite verdade, enquanto que Jikook é fan service - algo feito pelos artistas para chamar atenção ou agradar os fãs. Tal constatação não agrada outro fã, e um diálogo passivo-agressivo é liderado pelo primeiro usuário. Esse comportamento é mencionado por Borges e Viana (2020), em sua análise sobre práticas tóxicas praticadas pelos fãs. Citando Gray (2019), Borges e Viana (2020, [s.p]) afirmam que, "embora a produtividade dos fãs esteja, com maior frequência, associada a prazeres como a admiração, gozo ou conexão com um objeto midiático, pode também ser oriunda da frustração e do antagonismo incitados por esses objetos". Resumindo: da mesma forma que o fã que gosta do objeto midiático e encontra prazer em exaltar esse produto, ele também pode encontrar entusiasmo em discordar de fãs, artistas, produtores e/ou outros objetos midiáticos sob a justificativa de ”admiração” por um objeto em específico.

Ainda sobre o ódio entre fãs, Borges e Viana afirmam que:

A incapacidade de alguns fãs em lidar com opiniões divergentes, notadamente, aqueles com discursos antagonistas ao filme (“haters e extremistas”), é apontada como o principal motivo do bate-boca agressivo e ofensivo entre facções de fãs, radicalizando a polarização do fandom, e é considerada comportamento antiético uma vez que iria de encontro aos princípios do “debate justo” e pacífico que caracterizaria, para muitos, a comunidade de fãs da saga (BORGES; VIANA; 2020, [s.p]).


A segunda análise foi a partir da caixa de comentários do vídeo “Qual o namorado do Jungkook? Jikook vs Vkook + sorteio BTS”, do canal brasileiro “Pedrugo”. Dessa vez, a proporção das brigas foi maior e mais longa.


Com 283 respostas ao comentário original, a briga entre vários personagens envolvidos conteve diversos argumentos com momentos publicados entre os participantes dos shipps, a partir de evidências materiais já publicados pelos membros da banda.

Já “Jikook é real? análise não verbal do BTS | não minta pra mim”, do youtuber e especialista em linguagem corporal Ricardo Ventura, que analisa o shipp “JiKook”, foi o último vídeo analisado. Desta vez, é possível observar que além da disputa inevitável entre fãs, a maioria dos comentários se referem especificamente a necessidade de respeito entre todos os shipps.


Por fim, levando em conta toda a bibliografia apresentada neste ensaio sobre o estudo de fãs, em conjunto com os materiais analisados através do YouTube, é possível concluir que as comunidades de fãs são uma via de mão dupla: eles possuem a capacidade de se organizar positivamente em prol de um objetivo geral, mas também conseguem protagonizar conflitos e interações antagônicas.

Referências

BORGES, M; VIANA, P. Toxicidade nas Práticas de Fãs na Repercussão do filme Star Wars: Os Últimos Jedi. Geminis, v. 11, n. 3, p. 127-145, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3pbEEBO. Acesso em: 11 ago. 2022.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: editora 34, 1999.

JENKINS, H. Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture. Nova York: New York University Press, 2006.

REZENDE, N. NICOLAU, M. Fã e Fandom: estudo de caso sobre as estratégias mercadológicas da série Game of Thrones. In: 8º Simpósio Nacional da ABCiber, 8., 2014, São Paulo. Anais... São Paulo: ESPM-SP, 2014, p. 1 –14. Disponível em: <https://bit.ly/3pbmErc>. Acesso em: 11 ago. 2022.

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