“You need to calm down” e o súbito ativismo Swiftie

Caroline de Melo, Emanuel da Silva e Giovanna da Silva


Com músicas joviais que tocam em temas como amor e amizade, Taylor Swift se alçou rapidamente ao nível de uma das maiores cantoras de pop country dos Estados Unidos. Uma carreira que começou quando ela tinha 14 anos e cresceu, passou por mudanças de gênero musical e, ainda assim, manteve uma base de fãs mundial gigantesca. Taylor parecia conquistar o mundo. Mas a maior parte dessa trajetória foi completamente apolítica. Isso porque, até 2019, com aproximadamente 15 anos de carreira, Swift jamais havia expressado quaisquer opiniões políticas publicamente.

O primeiro lampejo de um posicionamento político surgiu no fim de 2018, quando ela endossou a candidatura do democrata Phil Bredesen ao Senado no seu estado natal, o Tennessee. A artista levou ao registro de 240 mil eleitores nos Estados Unidos. Após isso, a cantora publicou, em 1 de junho de 2019, uma carta escrita e marcada com a hashtag #lettertomysenator. Nela, pedia que o senador de seu estado, Lamar Alexander, apoiasse sua petição de apoio ao “Equality Act”, um projeto de lei que visava proibir discriminação com base em identidade de gênero ou orientação sexual. Esse movimento de Swift aconteceu no início do Mês do Orgulho (Pride Month) e instigou seus seguidores nas redes sociais a pedir o mesmo usando a tag.

Todas essas primeiras declarações foram recebidas com surpresa. Afinal, somente aos 29 anos, a cantora expôs para o grande público o que pensava. Mas a manifestação mais explícita de uma bandeira política por parte da cantora veio alguns dias depois quando, em 14 de junho, lançou o segundo single do seu sétimo álbum, Lover, “You Need To Calm Down”. A música chamou atenção imediata por ter sido lançada coincidentemente no mesmo dia do aniversário do então presidente estadunidense Donald Trump. Dirigido por Drew Kirsch e pela própria Swift, que também assinou como produtora executiva ao lado de Todrick Hall, o single alcançou o número dois na Billboard Hot 100, abaixo somente do fenômeno Old Town Road, de Lil Nas X.

Why are you mad When you could be GLAAD? (You could be GLAAD). Sunshine on the street at the parade, but you would rather be in the dark ages. Makin' that sign must've taken all night. You just need to take several seats and then try to restore the peace. And control your urges to scream about all the people you hate. 'Cause shade never made anybody less gay…

[Por que você está bravo quando você poderia estar contente? (Você poderia estar contente). Sol na rua no desfile. Mas você preferiria estar na idade das trevas. Fazendo aquele cartaz que deve ter levado a noite toda. Você só precisa se sentar e tentar recuperar a paz. E controle seus impulsos de gritar sobre as pessoas que você odeia. Porque indiretas nunca fizeram ninguém ser menos gay]

[A cantora faz um trocadilho de GLAAD, organização não-governamental estadunidense que trabalha em como a mídia retrata pessoas LGBT+, com a palavra glad que significa “contente”.]

Com sua batida grudenta, o sucesso do single não foi uma surpresa - mas sua temática, sim. YNTCD foi lançada junto a um videoclipe com todos os tipos de (inesperadas) manifestações. Repleto de participações de artistas LGBTQIA+, cheio de cores e uma letra que fala sobre amor próprio, ódio nas redes sociais, machismo, preconceito, o tratamento das mulheres pela mídia e homofobia, a canção levantou a bandeira de proteção aos direitos da comunidade LGBTQIA+ e reforçou o pedido de apoio ao Equality Act com uma mensagem ao final do clipe.

Dessa forma, a cantora reafirmou e se declarou explicitamente uma aliada, fortalecendo sua ligação com a comunidade e com o ativismo queer. Foi nesse momento que Taylor passou a ser uma das vozes simbólicas dentro do grupo.


A recepção da crítica foi mista: para muitos, não havia nada de inesperado. Para outros, uma tentativa fracassada de encontrar mais suporte na comunidade queer. Swift também foi acusada de queerbaiting, expressão que significa uma tentativa de atrair a comunidade LGBTQIA+ com uma proposta de representatividade falsa, e de pinkwashing – outra maneira de dizer que desconfiavam que o único motivo para usar a causa LGBT é financeiro.

O que realmente marcou essa fase da carreira de Taylor foi o fato de que seu fandom, os Swifties, historicamente formado por pessoas brancas e com muitos integrantes direita, sofreu uma forte mudança. A empresa estadunidense Tick Pick, especializada em ingressos para shows, realizou uma pesquisa com os fãs de vários artistas, incluindo Taylor Swift. Ao final do estudo, que ouviu cerca de mil pessoas, um total de 19,7% dos fãs de Taylor haviam se posicionado contra a união de pessoas do mesmo gênero. A análise também aponta que um dos motivos para tal resultado, mesmo em um público jovem (até cerca de 30 anos) pode estar no country, um gênero que é considerado mais tradicional e o preferido dos eleitores republicanos. Além disso, é também mais popular em partes dos Estados Unidos em que prevalecem as ideologias conservadoras de direita. Dessa forma, o lançamento de YNTCD foi a primeira vez que o fandom defendeu uma causa progressista como essa em nome da cantora.

Segundo Bennet (2012), esses grupos utilizam o alcance instantâneo e potencialmente mundial das redes sociais digitais para fomentar seu engajamento cívico organizado em torno de assuntos relevantes. Van Zoonen (2004) argumenta que o ativismo funciona tão bem no contexto dos fandoms porque fãs têm investimento individual intenso, e costumam participar de discussões e debates em comunidade, propõem e discutem alternativas que poderiam ser implementadas caso eles tivessem o poder. Esses hábitos são essenciais para a democracia política - informação, discussão e ativismo.

Na mesma direção, Almeida (2022, Online) explica que essa forma de ativismo de fãs provém de uma comunidade que possui “grande capacidade de coordenação e organização coletiva, e, quanto mais numerosas, mais visíveis as suas demonstrações de força”. A autora prossegue:

Motivados pelas suas paixões, fandoms conquistam muitas coisas juntas – fazem hashtags chegar aos assuntos mais comentados do Twitter, ajudam seus ídolos a quebrar recordes e também apoiam causas que, a princípio, não teriam relação direta com o objeto midiático adorado. Muitas dessas práticas cotidianas de subculturas de fãs assemelham-se ao exercício da cidadania e da política e, em alguns casos, essa relação torna-se ainda mais explícita (ALMEIDA, 2022, Online).

Segundo uma matéria do site TMZ, o single fez com que as doações à GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) aumentassem bastante logo na madrugada em que a música foi lançada. O apoio à aliança, que defende e monitora a representação LGBTQIA+ na mídia foi manifestado quando a compositora faz um trocadilho onde “glad” (ou contente, em português) vira “GLAAD”. O próprio perfil da organização participou da brincadeira:


Ainda de acordo com o TMZ, à época, GLAAD iniciou uma campanha de arrecadação com o objetivo de arrecadar USD$1.300, em homenagem à cantora – que tem o 13 como número da sorte. Em 2020, a artista foi homenageada pela organização com o Vanguard Award, pelo seu apoio à causa LGBTQIA+.


Em um artigo que explorou a resposta da audiência nas redes sociais, Avdeef (2019) apontou que a resposta dos fãs ao clipe no Twitter utilizando a hashtag #YouNeedToCalmDown foi principalmente de experiências positivas (48%) ou neutras (46%) e apenas 6,4% negativas. Enquanto isso, a petição a respeito do Equality Act conseguiu reunir mais de 800 mil assinaturas.


Em uma entrevista à Revista Vogue (AGUIRRE, 2019), Taylor contou que a origem dessa vontade de se manifestar de forma politizada veio de uma conversa com um amigo, reproduzindo palavras que já corriam pelo fandom. O rapper, ator e coreógrafo Todrick Hall estava com ela num carro quando a questionou sobre o que faria se seu filho fosse gay. Segundo Swift, a pergunta a chocou: “Se ele estava pensando isso, não posso imaginar o que meus fãs na comunidade LGBTQ podem estar pensando. (...) Foi meio devastador perceber que eu não estava sendo clara publicamente sobre isso” (AGUIRRE, 2019).

A disseminação de opiniões ocorre fortemente pelas redes sociais. Nesse caso, começou pelo lançamento no YouTube e se espalhou pelo Twitter e Instagram. Bennet (2012), citando Crawford, explica que a mídia social e móvel instiga a criação de uma conexão íntima. Ela descreve, ainda, como o compartilhamento de ações, hábitos e experiências cotidianas - “'trivialidades' cotidianas" por meio dessas plataformas "forja conexões entre indivíduos fisicamente distantes uns dos outros". (CRAWFORD, 2009, apud BENNET, 2012). Assim, essas redes constroem camaradagem à distância através da prática dinâmica e contínua de divulgar o cotidiano.

A natureza dialógica da comunicação pode criar uma situação em que fãs se sentem tocados pessoalmente, instigando uma resposta poderosa quando chamados para a ação. Dessa forma, Taylor Swift por meio de suas redes e suas produções, quando cita algo, faz com que os fãs, principalmente a sua base, se movam através dos laços de afeto e aproximação para alcançar resultados surpreendentes.

Referências

AGUIRRE, A. Taylor Swift on Sexism, Scrutiny, and Standing Up for Herself. Vogue, Online, 2019. Disponível em: https://www.vogue.com/article/taylor-swift-cover-september-2019. Acesso em: 28 jul. 2022.

ALMEIDA, C. Qual a régua para medir os afetos dos fãs?. Revista Continente, Online, 2022. Disponível em: https://revistacontinente.com.br/edicoes/256/qual-a-regua-para-medir-os-afetos-dos-fasr. Acesso em: 28 jul. 2022.

AVDEEF, M. K. TikTok, Twitter, and Platform-Specific Technocultural Discourse in Response to Taylor Swift’s LGBTQ+ Allyship in ‘You Need to Calm Down’. Contemporary Music Review, v. 40, n.1, p. 78-98, 2021. DOI https://doi.org/10.1080/07494467.2021.1945225

BENNETT, L. Fan Activism for Social Mobilization: A Critical Review of the Literature. Transformative Works and Cultures (TWC) ,v.10, [s.p], 2021. Disponível em: https://journal.transformativeworks.org/index.php/twc/article/view/346/277. Acesso em: 28 jul. 2022.

QUERINO, R. 19% dos fãs da Taylor Swift são contra o casamento homoafetivo, revela pesquisa. Observatório G, Online, 2019. Disponível em: https://observatoriog.bol.uol.com.br/noticias/19-dos-fas-da-taylor-swift-sao-contra-o-casamento-homoafetivo-revela-pesquisa. Acesso em: 28 jul. 2022.

VAN ZOONEN, L. Imagining the Fan Democracy. European Journal of Communication, n 19, p. 39–52. 2004. DOI https://doi.org/10.1177/0267323104040693

YOU Need To Calm Down. Letras, Online, 2019. Disponível em: https://www.letras.mus.br/taylor-swift/you-need-to-calm-down/traducao.html. Acesso em: 28 jul. 2022.

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