Novos formatos e linguagens na ampliação do universo de Good Omens


O ambiente da convergência alterou os modos de produção e distribuição das práticas da cultura de fãs. Como afirmam Jamison (2017) e Jenkins (2012), os fãs sempre estiveram na vanguarda na utilização das redes sociais e desenvolvimento de novos formatos midiáticos. Desta forma, o que observamos, é que fenômenos que antes circulavam apenas em nichos hoje são propagados em diferentes para públicos e em plataformas.

O perfil Literarion é responsável por mais de 113 trabalhos de podfics, na qual 13 são estruturados em oneshot . Os conteúdos são disponibilizados no site AO3 e também podem ser acessados pela página do Literarion no Twitter e no Tumblr. A partir da adoção do Anchor os episódios são distribuídos para outras plataformas como, por exemplo, Spotify, Apple Podcasts, Overcast e Google Podcasts.

As podfics se concentram, de modo geral, em gravações de fanfics do livro de Neil Gailman e Terry Pratchett e da série original homônima da Amazon Prime, Good Omens (2019). A trama é protagonizada pelo anjo Aziraphale (Sheen) e pelo demônio Crowley (Tennant), que acostumados com a vida na Terra procuram impedir a vinda do anticristo e com ele a batalha final entre o Céu e o Inferno.


Na entrevista abaixo, procuramos refletir sobre os processos críticos e criativos que envolvem o Literarion.

Quando uma história é adaptada é áudio, quais são as principais preocupações nas estruturas narrativas?

Não tenho certeza no que você quer dizer com “recursos narrativos”. Não há necessariamente muitas “adaptações” por si. Muitos podfic’ers vão apenas pegar uma história como é e simplesmente lê-la em voz alta. Existem produções mais elaboradas, com vozes diferentes para cada personagem ou até mesmo interpretados por pessoas diferentes, adições de efeitos sonoros e/ou músicas – mas basicamente, se trata apenas da leitura de uma história.

No processo de gravação, existe uma elaboração e adaptação da estrutura do texto, com scripts e indicações de sons, ou fazem seus trabalhos no material bruto através da leitura interpretativa?

Como afirmei acima, algumas pessoas fazem [elaborações e adaptações no texto], outras, não. E tendo a criar scripts codificados (em cores ou formatação) quando trabalho em histórias longas, na qual personagens entram e saem a todo momento na história. Isso torna mais fácil para mim lê-los com a mesma voz. Scripts codificados são necessários quando se grava histórias com outras pessoas, então todo mundo saberá o que precisam ler. Alguns podfic’ers farão algumas adaptações dos trabalhos, especialmente quando a história inclui troca de mensagens ou cartas entre personagens, para tornar mais fácil de entender no formato de áudio. Efeitos sonoros são usados ocasionalmente, mas não como uma regra geral, enquanto músicas de introdução ou encerramento


Apesar do nome, que se aproxima do podcast, como você percebe a diferença entre os formatos? E em relação ao audiobook?

Um podcast é muito mais informativo, acontecem em episódios que, de alguma forma, aborda uma mesma temática. Já uma podfic é uma produção fechada: começa com o início de uma história (ou série de histórias) e termina com o final dela. Nesse sentido, as podfics são muito mais próximas de um audiobook do que de um podcast; embora provavelmente com uma qualidade menos profissional.

A grande diferença para um audiobook é a distribuição e monetização. Podfics estão em uma zona legal ainda mais “cinza” [em questão de direitos autorais e de produção] do que a própria fanfic: como um trabalho que se deriva de um outro trabalho de fã, a monetização de um podfic deveria lidar tanto com os direitos do autor da fanfic quanto com do autor ou produtor do material original do qual a fanfic se derivou. Mesmo fanfics mal podem ser monetizadas, as podfics podem ainda menos.

De fato, muitas fanfics são distribuídas como podcasts e nas mesmas plataformas (como Anchor, Google/Apple Podcasts, etc.) e também compartilham plataformas de serviço de distribuição de músicas como Spotify, SoundClound e outros do tipo. No entanto, muitos podfic’ers simplesmente fazem upload de seus trabalhos no Google Drive ou outras plataformas similares e permite que o público o acesse ou faça download dos arquivos.

Existe uma preocupação na escolha do formato em áudio visando a acessibilidade?

Podfic como um formato certamente é feita com a acessibilidade em mente. Conheço vários autores que gravam suas próprias histórias com a finalidade de torna-la acessíveis para um público maior. Seja atendendo às pessoas com deficiências ou pessoas que não podem ler em determinados momentos e a podfic surge como uma opção viável (enquanto dirigem ou trabalham, por exemplo).

Existe algum tipo de curadoria? O que você considera ao gravar uma fanfic? Por exemplo, se é baseado em um gosto pessoal ou pela demanda dos fãs; se é relacionado no que você acha pertinente de ressignificar dentro do entendimento do cânone; se há uma perspectiva de qual fanfic funcionaria no formato, etc.

Na verdade, não. Eu gravo o que eu gosto e meu público é meu público porque compartilhamos o mesmo gosto.

Eu seleciono histórias baseadas em duas qualidades: se funcionam bem no formato de áudio e se são capazes de emocionar o público. Histórias que funcionam bem em áudio são aquelas que possuem diálogo como base (ou até mesmo monólogos) ou que são particularmente relevantes de ouvir. Por exemplo, eu gravei uma série na qual os próprios personagens gravavam audiobooks. Já histórias que despertam emoções são, no meu caso, aquelas que me fazem rir, ou chorar, ou simplesmente ficam em minha cabeça – histórias que eu não consigo superar ou esquecer. Se não for concedida em geral, sempre pedirei a permissão ao autor [para gravar suas histórias em podfics].

Referências

JAMISON, A. Fic – Por que a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.

JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012. Disponível em: < https://bit.ly/2I9TWnn>. Acesso em: 16 jul. 2021.


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