Revivals, reboots e reunions: o resgate de universos ficcionais na TV e no streaming


As emissoras de TV e serviços de streaming têm investido cada vez mais na produção de revivals, incluindo reboots, remakes e reunions de séries de grande sucesso. A HBO Max recentemente divulgou que irá desenvolver uma nova versão de Gossip Girl com estreia para 2021 e a Friends Reunion, um novo formato da famosa sitcom dos anos 90. Também nesta direção, a Amazon Prime adicionou em seu catálogo a Star Trek: Picard, um remake da franquia e a Netflix resgatou a série Fuller House em uma nova roupagem. Além disso, séries clássicas também tiveram seu retorno recentemente, entre elas: Twin Peaks (ABC/ Showtime), The X-Files (Fox), Arrested Development (Fox) e Gilmore Girls (The WB/The CW/Netflix). 

O remake trata-se de uma nova série que aproveita a premissa de uma história que já existe, porém utiliza outros atores e é direcionada a um público diferente da trama original. Como explica Seabra (2016, p. 246) “[...] tudo novo e sem relação direta com a série anterior”. Como, por exemplo, a série Star Trek: Picard que aproveita a premissa das tramas originais de Star Trek, mas apresenta novos personagens e arcos narrativos.

Segundo Seabra (2016), o reboot é definido como um reinicio de uma série a partir de certo ponto do seu desenvolvimento. “[...] seja do mesmo ponto onde ela deixou de existir lá atrás, em uma primeira modalidade, seja então por outro tipo, atualizada e com novos personagens – mas não um completo remake, e sim uma retomada do que vinha (SEABRA, 2015, p. 246-247)” . Um exemplo de reboot é a série The X-Files que após 14 anos do seu término, retornou com uma nova temporada em 2016 no canal Fox. Doctor Who se encaixa no mesmo caso, a trama terminou em 1989 e foi retomada em 2005 pela BBC. Ambas mantiveram a premissa original, porém alterando seus personagens (ou inserindo novos) e arcos narrativos. 

O conceito de reunion é ainda muito difuso para ser definido. Mas, em geral, utiliza-se o termo para classificar séries que buscam reunir o elenco de uma atração original em uma trama específica. No contexto das séries de TV, ela quer dizer algo mais como “reecontro”, ou seja, uma ocasião em que ex-colegas de elenco se veem novamente juntos em um mesmo evento” (SEABRA, 2016, p. 250). 

Ao menor sinal da produção de revivals é possível observar uma legião de fãs ansiosos e ávidos se manifestando nas redes sociais pela volta de suas séries favoritas. Esse sentimento está relacionado, em parte, com a possibilidade de entrar em contato novamente com esse universo narrativo que vive no imaginário do fandom. Como afirma Seabra (2016, p. 249), 

[...] uma vez iniciado e desenvolvido um universo suficientemente interessante, os fãs e mesmo a equipe manterão viva a discussão em torno daquilo de muitas formas inimagináveis. Com isso, sempre há esperança de que aquele universo possa ser revisitado de alguma maneira, ou de que pelo menos não seja esquecido. 

O desejo do púbico muitas vezes leva os canais e os serviços de streaming a apostarem nos revivals como uma possibilidade de ter uma audiência fiel engajada. Segundo Loock (2018, p 3-4), programas derivados de outras histórias dependem da familiaridade do público com o universo ficcional. Nesse sentido, “Eles tendem a cortejar bases de fãs embutidas e geralmente são estruturados em torno de persistentes apegos sentimentais a personagens fictícios e aos "mundos da história" em que habitam” [1] (tradução nossa). 

A série Friends (Warner/1994-2004) foi um grande sucesso tanto no período de exibição original quanto mais recentemente, durante a exibição de reprises pelo canal da Warner e da Netflix. Um dos pontos principais da trama são os seus personagens. Cada um possuía sua própria personalidade, o que de certa forma fazia com que o público se identificasse com eles em algum nível. Fato é que a série possui uma grande legião de fãs ao redor do mundo. 


Mais recentemente, o público ávido do programa teve seus anseios atendidos com o anúncio da Friends Reunion feito pelo HBO Max. Segundo informações até então divulgadas, a reunion será um encontro dos atores da série em uma produção não-roteirizada na qual eles irão revisitar o universo ficcional, mas sem representar os personagens originais. Porém, parte do fandom questionou a produção da reunion, alegando que a produção não teria sentido para o legado da série. Apesar da polêmica, muitos fãs estão aguardando ansiosamente para ver como será a dinâmica do novo programa.

Outro caso de retomada do universo ficcional de séries de sucesso é o filme El Camino produzido e exibido pela Netflix. A produção trata-se de uma conclusão do arco narrativo do personagem Jesse Pinkman (Aaron Paul), um dos protagonistas de Breaking Bad (AMC/2008-2013). O filme é ambientado no mesmo universo da série e leva em consideração todos os acontecimentos das temporadas do programa. O lançamento reacendeu a memória dos fãs da série e despertou a curiosidade de quem ainda não conhecia Breaking Bad


Para os fãs de Star Trek, a CBS All Access produziu e distribui a série Star Trek: Discovery (2017-2019). A produção se passa 10 anos antes dos eventos originais da franquia na TV. A produção retoma o universo, mantendo elementos essenciais de Star Trek como a exploração de novos planetas, a diversidade de espécies, a dinâmica dentro de uma nave espacial, bem como a presença da Frota Estrelar, Federação e do princípio da Primeira Diretiva. Porém, em Star Trek: Discovery os personagens são diferentes, assim como os arcos narrativos que envolvem questões totalmente novas no universo da franquia.


Esse movimento de resgate das séries de sucesso tem a ver com o desejo de retomar as audiências engajadas. Isso porque atualmente existe uma grande quantidade de tramas originais sendo lançadas, fazendo com que o público se torne cada vez mais fragmentado e não se engaje verdadeiramente nas produções. 

Em entrevista para Television Critics Association de 2015, o chefe executivo da FX Networks, John Landgraf afirmou que estamos vivendo o que ele denomina de “peak TV”. O termo refere-se ao grande volume de séries originais sendo lançadas gerando um sentimento de sobrecarga no público. Um exemplo é a Netflix que multiplicou em seis vezes as suas produções originais entre 2011 e 2015. John Landgraf enfatizou que a abundância de séries novas pode dificultar que o público identifique o que é ou não de qualidade. Em meio a tantos lançamentos, os revivals também representam uma forma de atrair a atenção do público fragmentado. Como aponta Seabra (2016, p. 248), “Enquanto um programa inédito é só mais um, o spin-off, remake, reboot ou afim desperta reconhecimento em fãs de outrora e outros que já pelo menos ouviram falar do conceito preexistente”. 

O autor também afirma que “A onda atual é claramente observável, mas não há como dizer ainda o que ela representa, além de uma tentativa de explorar o bom momento da era de ouro também como sucessos de outrora. Pode ter impacto muito restrito ou ser um novo filão ou até mesmo o começo de uma derrocada dos bons anos da TV” (SEABRA, 2016, p. 249). Em outras palavras, o fenômeno dos revivals são uma tendência tanto nos streamings quanto em canais a cabo. Apesar de dividir opiniões do público em geral, o fato é que cada vez mais têm se apostado neste tipo de produção para alcançar um nicho de fãs engajados. Ainda é incerto dizer o que de fato os revivals representam, se é uma falta de séries originais de qualidade ou uma estratégia para garantir o engajamento do público.

Notas

[1] They tend to court built-in fan bases and are usually structured around persistent sentimental attachments to fictional characters and the “storyworlds” they inhabit.

Referências

LOOCK, K. American TV Series Revivals: Introduction. Television & New Media, v. 1. n..4 2018, p. 299-309. Acesso em: <https://bit.ly/30sXjgO>. Acesso em: 5 ago. 2020.

SEABRA, R. Renascença: A série de TV no século XXI. Autêntica Editora, 2016.


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