O que torna um álbum conceitual? Seja bem-vindo a Chromatica

Você achou mesmo que Lady Gaga ia deixar o “conceito” para trás, né?! Em seu mais recente álbum de estúdio, o Chromatica, Lady Gaga reuniu elementos que quase todo fã de música pop gosta, mas antes disso muita coisa aconteceu. Em 2009, iniciando a carreira com o aclamado The Fame, Lady Gaga cantava basicamente sobre ser famosa e tudo que isso envolvia. Em seguida, ela lança The Fame Monster, para muitos uma continuação do The Fame, porém neste álbum ela reflete sobre o lado ruim da fama. Já em Born This Way, cantora discute sobre liberdade de expressão e sobre ser quem você é, usando elementos do pop, mas também experimentando mais da música eletrônica e do rock. 

Após estes três lançamentos, a artista se viu extremamente pressionada em seu próximo lançamento musical, o incompreendido, para muitos fãs, ARTPOP. Com elementos eletrônicos e muita experimentação sonora, Gaga uniu elementos da cultura pop com sua música, o que para muitos foi “conceitual” demais para a época. 


Abalada emocionalmente com as críticas recebidas, ela se une a lenda do jazz, Tony Benett, para lançar Cheek to Cheek, um álbum inteiramente jazz, diferente de tudo que ela já havia feito. Os fãs esperavam por um disco pop, mas receberam o oposto. Com este lançamento, ela se consolidou como uma artista versátil, por conta dos lançamentos em diversos gêneros musicais. Mas não parou por aí, em outubro de 2016 chegava nas prateleiras seu quinto álbum de estúdio, o Joanne. Descrito por Gaga como um dos seus discos mais pessoais, Joanne foi inspirado em sua falecida tia da cantora. Este, apresenta diversos elementos da música country e, apesar de ter uma sonoridade também pop, ainda não era 100% o que os fãs queriam. Afinal, eles queriam a “Gaga do início da carreira” de volta. 

Dois anos depois, Gaga, que sempre se interessou por atuação, participou de American Horror Story (2015-2016, FX), e protagonizou ao lado de Bradley Cooper, A Star Is Born (2018), refilmagem do filme do homônimo lançado em 1957, que também teve outra versão em 1976 , um drama musical que conta a história de Ally (Gaga) e Jack (Bradley). O longa trouxe a artista de volta para aos holofotes e a lugares que ela jamais pensou atingir. Critics Choice Award como melhor atriz, Prêmio BAFTA de Cinema pela trilha sonora, MTV Movie & TV Award por melhor performance em um filme, também nomeada ao Oscar de melhor atriz e levou a estatueta com a música Shallow, estes foram alguns feitos da artista durante divulgação de A Star Is Born


Muitas cantoras pop quando têm um boom na indústria com algum lançamento, ficam fadadas a sempre permanecerem naquele estilo em seus próximos lançamentos, Madonna e Katy Perry são alguns exemplos de artistas que, por mais que sejam extremamente relevantes na indústria, ainda se encontram tendo que se reafirmar em alguns quesitos. 

Este breve resumo faz a gente chegar a Chromatica, o mais recente lançamento de Lady Gaga. Mas antes disso precisamos entender uma coisa: afinal o que é esse “conceito” que os fãs de música pop tanto falam na internet? Será que tem uma resposta concreta? Vamos ver!

Como surgiu o termo “música conceitual”

As canções pop são conhecidas por seus refrões grudentos e letras otimistas ou sentimentais sobre alguma superação, festas, diversão com amigos, etc. Neste sentido, as músicas pop mais alegres e dançantes são denominadas pelos fãs, principalmente do Twitter, como “farofa”. 

Segundo Shuker (1999, p. 17) os álbuns conceituais “são unificados por um tema que pode ser instrumental, compositivo, narrativo ou lírico” e que compõem uma homogeneidade narrativa, ou seja, caminha de forma oposta a maioria dos álbuns, que apresentam músicas desconexas entre si. Então, podemos dizer que os álbuns conceituais carregam em si elementos que transbordam o limite da música, pois constroem narrativas lineares, como os capítulos de um livro que, ao se conectarem, formam toda a obra.

Você acha que o termo “álbum conceitual” surgiu com o lançamento de sua diva pop, né?! Pois, você está enganado! Na década de 60, o rock começou a usar estes elementos para se aproximar ao “status de arte” (SHUKKER, 1999, p. 17), levando em consideração que o estilo já era conhecido por tratar de assuntos que são considerados tabu (vide a expressão “sexo, drogas e rock n’ roll”) e por ser um gênero anti-mercado (STIMELING, 2009 apud WALTENBERD, 2013). Esta questão pode nos ajudar a entender o fato de os fãs de música pop considerarem determinados discos como “conceituais”, porque eles trilham caminhos opostos ao que entendemos como música pop. Em paralelo, o rock é considerado progressista, autoritário, sério, agressivo (características geralmente atribuídas aos homens) e ocupa um lugar hegemônico na Cultura Pop, enquanto o pop é fadado aos artistas “vendidos”, melodioso, sonhador (características geralmente dadas a mulheres), sem criatividade e com influência mercadológica (SOARES, 2015).

Aqui percebemos que a problemática vai muito além do que imaginamos, reflete os ideais da sociedade que vivemos, que prega valores machistas e misóginos, objetificando mulheres (cantoras pop neste caso) e contribuindo para o ideal estereotipado de colocar mulheres em posições inferiores aos homens.

Assim, podemos dizer que um álbum conceitual não é um gênero ou sub-gênero dentro do pop, ele é um formato, pois sua construção reflete estratégias de agregação de valor e de legitimação cultural (WALTENBERG, 2013). Mas Chromatica é um álbum conceitual? Para muitos fãs e alguns críticos, sim.


No dia 29 de maio de 2020, Lady Gaga lançou seu sexto álbum de estúdio, Chromatica. O disco, que tinha previsão inicial de chegar às prateleiras em março, acabou sendo adiado por causa do coronavírus, pois a cantora não conseguiria seguir a estratégia de divulgação que ela e sua equipe haviam traçado. Porém, em meio a vazamentos, acabaram optando por lançar o álbum antes que o mesmo vazasse por completo. Com dois singles lançados antes do álbum, Stupid Love e Rain On Me, com participação de Ariana Grande, Gaga trouxe uma face diferente do que ela já havia feito em seus trabalhos anteriores.


Em entrevista ao Pitchfork, Gaga diz que: “Eu moro em Chromatica, é onde eu moro. Eu entrei no meu quadro. Encontrei a Terra, eu a deletei. A Terra foi cancelada. Eu moro em Chromatica”. Ela ainda explica que a capa temporária lançada em suas redes sociais possui “uma onda senoidal, que é o símbolo matemático do som. E, para mim, o som é o que me curou no meu período de vida, e me curou novamente fazendo esse disco, e é realmente isso que Chromatica tem tudo a ver”. Continuando, ela confirma como surgiu o conceito do planeta Chromatica.

“BloodPop trouxe isso à tona, e conversamos sobre como Chromatica era essencialmente independente quando você o olha pela primeira vez, parece ser sobre cores e todas as cores diferentes, e também a música é feita em uma escala cromática, entende? Então, são todas as cores, todos os sons, você sabe, então nós estamos falando sobre inclusão e vida e também muito do que vemos ao nosso redor e o que estamos experimentando é matemática, que é muito parecida com música, e som também é matemática. Então conversamos sobre isso, e eu meio que voltei e disse: 'Ok, bem, sim, é inclusividade, mas é realmente uma maneira de pensar', sabe, não é apenas 'Oh, Chromatica, nós estamos sendo inclusivos com todas as cores, todas as pessoas' e quando digo: 'todas as cores, todas as pessoas', quero dizer muito mais do que poderíamos imaginar".

Além disto, Chromatica é dividido em tribos, são elas: 💖 Kindness Punks, 💙 Freedom Fighters, 🖤 Junkyard Scavengers, ❤️ Government Officials, 💚 Eco Warriors e os 💛 Cyber Kids, especula-se que existem outras, mas nada foi confirmado até o momento. 

Após quase 6 anos sem lançar nenhum disco inteiramente pop dançante, o que fez ela ser reconhecida, em Chromatica ela retorna para às pistas de dança (this is my dancefloor i fought for/esta é minha pista de dança, eu lutei por ela – trecho da faixa Free Woman). Com um time de produtores diverso, Lady Gaga trouxe elementos do house music, eurodance e da própria música pop dos anos 90. 

Dividido em três atos, como as peças de teatro e, além da parceria com Ariana Grande em Rain On Me, Gaga está atenta aos novos nomes da música e trouxe o fenômeno do k-pop BLACKPINK para a faixa Sour Candy, além de convidar Elton John para dividir os vocais na música Sine From Above. Com este time, podemos notar que ela e sua equipe estão ligados nas novidades do mercado fonográfico ao convidar estes artistas para participarem de seu disco. Ariana Grande atualmente é uma das cantoras mais consagradas da música pop estadunidense e dialoga com o que está acontecendo no momento no “mundo pop”, BLACKPINK é um girl-group que sempre quebram recordes ao lançarem novas músicas, além da indústria de k-pop estar se mostrando cada vez mais forte e influente no mercado, e Elton John, o cantor e amigo pessoal de Gaga, que está no mercado há décadas e é um dos nomes mais renomados do meio. 

Portanto, conclui-se que em Chromatica, Lady Gaga e sua equipe trouxeram o que os fãs pediram, música pop e, é claro, conceito. Apesar de dialogar em alguns sentidos com seus primeiros lançamentos, aqui, Gaga compartilha letras que abordam tristeza e depressão com batidas e elementos usados em músicas ditas alegres, além de trazer a temática por trás do nome do disco.

Chromatica, apesar de se aproximar da estética e sonoridade pop, é considerado pelos fãs e pela crítica como um álbum conceitual, seja pelas músicas ou pela capa/elementos pensados para criação do universo. O pensamento de classificar apenas álbuns que se afastam da estética pop como conceituais, revela um entendimento problemático em relação a cultura de massa e contribui para a afirmação de que a música pop é inferior aos outros gêneros.


Referências

SHUKER, Roy. Vocabulário de música pop. São Paulo: Hedra, 1999.

WALTENBERG, Lucas. Perspectivas para pensar o álbum conceitual no cenário musical contemporâneo. In: VI CONGRESSO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, 6, 2013. Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: UERJ, 2013.

SOARES, Thiago. Percursos para estudos sobre música pop. In: PEREIRA DE SÁ, Simone; CARREIRO, Rodrigo; FERRARAZ, Rogerio (org). Cultura Pop. Salvador/Brasília: EDUFBA/Compós, 2015.


0 Comentários