Novos rumos da imagem na indústria musical: Melanie Martinez e os álbuns visuais



“Uma imagem vale mais do que mil palavras”, esse ditado nunca fez tanto sentido quanto na contemporaneidade. No mercado fonográfico a associação de representações visuais com os produtos da indústria musical revolucionou o modo de se vender música. A imagem, hoje, está necessariamente presente nas capas de discos e nos videoclipes e se tornou um fator essencial para vender e distribuir obras musicais. No entanto, muito além disso, a imagem agora também é pensada de forma experimental graças às possibilidades que o ambiente de convergência possibilita. Cada vez mais, artistas e produtores desse segmento estão explorando novos caminhos. A artista Melanie Martinez é um exemplo de como essa experimentação conceitual pode ser usada para contar histórias e transmitir mensagens.

Um breve aparato histórico da imagem na indústria fonográfica

Se pararmos para pensar é recente o início da associação de conteúdos visuais aos produtos do mercado fonográfico. E apesar de hoje ser comum vermos discos com capa e contra-capa, videoclipes de músicas e outros estilos de representações visuais, nem sempre isso foi assim. Foi apenas em 1939 que as primeiras capas de disco foram produzidas. Elas eram feitas em papel-cartão e contavam apenas com o nome do artista e o título da obra, ou seja, sem ilustrações e fotografias, o que não é nada muito atrativo para o público contemporâneo. Como pontua Carvalho (2016, p. 81). 

No que diz respeito às relações entre Música e Imagem, temos em 1939, um marco na Indústria Fonográfica que merece destaque: o surgimento das primeiras capas de disco. Inicialmente, as capas eram feitas com papel-cartão mostrando somente o nome do artista e o título do disco. Nessa mesma época, um diretor de arte da gravadora estadunidense Columbia Records, chamado Alex Steinweiss teve a ideia de acrescentar cores, formas, desenhos às capas de discos a fim de chamar a atenção dos consumidores. 

Existem diversos elementos visuais utilizados em capas que são lembrados até hoje e que marcaram gerações. A capa do disco The Wall do Pink Floyd, é um ótimo exemplo desse uso e do sucesso que essa associação pode trazer.



Imagem da capa do álbum The Wall / Pixação baseada na capa do disco

Por outro lado, também podemos ver como a ausência de uma capa pode afetar o número de vendas de um disco, principalmente em mídia física. Há 7 anos, o rapper estadunidense Kanye West lançou seu sexto disco de estúdio, Yeezus, sem nenhuma identidade visual. Literalmente. Os CD’s vinham dentro de capas de acrílico transparentes sem nenhuma figura ou fotografia. Comparado com outros discos do mesmo artista, a venda deste foi bastante prejudicada, tendo uma queda de 80% em vendas de mídia física na segunda semana após o lançamento, de acordo com jornal The Guardian.


Foto do disco “Yeezus” em sua embalagem isenta de imagens

Nesse sentido, as capas de álbum podem ser consideradas uma forma primordial de como a imagem pode contribuir para os álbuns e canções, principalmente mostrando sua capacidade como estratégias de marketing - atraindo público e alavancando vendas. 

Um pouco depois, graças ao surgimento e a popularização da televisão no século XX, diversos gêneros audiovisuais foram sendo criados e somente na década de 1970 foram inventados os primeiros videoclipes - produtos audiovisuais que ilustram canções. Apesar de existirem algumas discussões quanto ao início desse gênero, de acordo com a revista britânica New Musical Express (NME) o marco inicial da história do videoclipe foi o produto audiovisual feito para a canção Bohemian Rhapsody da banda inglesa Queen. Um marco que viria a revolucionar a indústria fonográfica. Principalmente devido ao canal estadunidense MTV, o videoclipe pôde se estabelecer como um gênero audiovisual importante para a indústria musical. Com uma estética pós-moderna que geralmente quebrava a “quarta-parede” [1] criada pela ficção, os vídeos promocionais, como eram chamados na época, proporcionaram uma enorme amplitude imagética à música.

É importante ressaltar que os videoclipes foram pensados para determinado tipo de música em que os números de venda eram o fator mais importante, a “música popular massiva”. Por isso, inicialmente, a MTV direcionava sua programação ao público ouvinte do pop e do rock, com canções de estrutura regular. Desde então, para esse tipo de canções a experiência visual se tornou algo inerente, o público também consome música pelos olhos agora. Como pontua Goodwin (1993, p. 33) “A performance na música pop é, mais do que nunca, uma experiência visual”. 

Não obstante, fugindo dos padrões criados pela indústria da música massiva, cada vez mais artistas e produtores foram experimentando novas linguagens em seus videoclipes. O gênero foi se tornando mais complexo. Antes, o que era basicamente artistas cantando em frente a uma câmera, se tornou uma forma de se contar histórias e transmitir sentimentos e mensagens. E essas experimentações se amplificaram principalmente com o surgimento e a difusão da internet, um meio que tornou mais acessível a veiculação e divulgação desses vídeos. 

Desde sua origem na década de 1970, o videoclipe tem sido definido como um gênero eminentemente televisivo, que encontrou nos canais musicais, como a MTV, o seu principal veículo. Recentemente, porém, essa situação começou a modificar-se. Principalmente a partir do advento do Youtube, a internet tem se transformado em veículo fundamental para a divulgação dos videoclipes (HOLZBACH; NERCOLINI, 2009, p.1)

Atualmente, a imagem é, não só um meio para amplificar a venda das músicas populares massivas, mas um modo de transcender as experiências até então possíveis. Principalmente para artistas independentes e “conceituais”. Deste modo, a imagem na indústria da música está cada vez mais imbricada e leva a cada vez mais novas experimentações.

A importância da representação visual no trabalho de Melanie Martinez

Melanie Martinez é uma cantora, compositora e atriz estadunidense que utiliza a imagem de forma muito experimental em todos os âmbitos de seu trabalho. A artista adota um conceito infantil e conta por meio de suas músicas e vídeos a história de uma personagem, a Cry Baby. Um modo metafórico de retratar temas adultos como problemas familiares, consumo de drogas e seus posicionamentos políticos. Observando o modo como seu trabalho é feito e divulgado, percebe-se que ponto-chave para esse conceito ter dado certo é a utilização dos elementos visuais. Eles estão presentes desde o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, o Cry Baby (2014).

No entanto, é válido ressaltar que Melanie não foi a primeira a dar ênfase na representação visual em seu trabalho na indústria musical. Artistas como Marilyn Manson, na década de 1990 e Lady Gaga, nos anos 2000, por exemplo, já adotavam experimentações visuais para transmitirem as mensagens que queriam com suas músicas. No caso de Marilyn Manson, sua identidade visual (por meio de seus videoclipes, shows e maquiagens), como ele mesmo diz em suas entrevistas, possuía a intenção de “chocar a sociedade”, uma afirmação totalmente plausível se pararmos para analisar suas composições polêmicas que muitas vezes dividiram opiniões da mídia e público.

A começar pela capa de seu primeiro álbum, é possível perceber que Melanie Martinez tem uma intenção maior do que atrair um público, ela quer tornar a sua narrativa visual mais completa e enriquecida de detalhes. Como ela mesma performa a existência da personagem Cry Baby, na capa do disco homônimo, é possível ver a artista representando a garota chorando sobre uma vizinhança. E assim como na parte frontal, na contracapa o público também é apresentado a esse universo infantil por meio de referências de outros álbuns e elementos infantis. Tudo isso acaba se complementando, ao mesmo tempo que se opõe, ao conteúdo presente nas músicas.

 


Capa e contracapa do disco Cry Baby

A narrativa construída pelas músicas de maneira linear (da primeira faixa à última) também foi representada por meio de videoclipes veiculados nas plataformas digitais. Nos vídeos, Melanie nos apresenta o universo Cry Baby de uma forma expandida onde podemos visualizar a história do modo em que foi pensada pela artista e não só pela imaginação que as músicas podem trazer ao público. Foram anos de trabalho e divulgação para, no fim, Melanie conseguir viabilizar videoclipes para todas as músicas de seu álbum, tornando-se assim seu primeiro álbum visual.


O álbum visual K-12 e suas diferenças

Vale lembrar que apesar de Cry Baby apresentar uma enorme originalidade em sua construção visual, o conceito “álbum visual” é experimentado paralelamente ao surgimento dos videoclipes. Com os lançamentos de grandes sucessos de álbuns visuais como o Hard Day’s Night dos Beatles (1964) e o Moonwalker do cantor Michael Jackson (1988), muitas discussões aconteceram para se definir o que seria, de fato, um álbum visual, visto que cada lançamento possuía suas individualidades. Hoje em dia, algumas colocações já se estabeleceram para que esses produtos possam ser considerados visuais.

Para que uma coletânea receba o título de álbum visual, é preciso levar em conta algumas regras. A primeira é que pelo menos 80% das faixas musicais devam ter um complemento visual. A outra é que as músicas devem ser reproduzidas na íntegra, sem versão de rádio ou editada de qualquer outra forma.A terceira norma é que esse conteúdo visual seja comercializado à parte, como no caso do filme The Wall, de Pink Floyd. (REVISTA EXAME, 2017, Online)

Em 2019, quatro anos depois do lançamento de Cry Baby, Melanie retorna para a mídia com sua sequência visual, o álbum K-12. No entanto há uma diferença em como sua representação visual acontece em relação ao Cry Baby. Ao invés de vários videoclipes, Melanie lançou, desta vez, um filme musical escrito e dirigido por ela mesma. 

O que chama atenção sobre a obra mais recente, é que a artista nos lembra e reafirma o quanto os meios e gêneros audiovisuais hoje estão imbricados. Isso se deve aos fatos de que seu modo de distribuição foge do comum e de que um conteúdo pode ser consumido sem sequer mencionar a existência de outro. Inicialmente o filme foi lançado no Youtube, e continua disponível na plataforma de forma pública e gratuita, no entanto, a produção optou por exibir o filme em cinemas ao redor do mundo - e algumas exibições ocorreram inclusive no Brasil. É interessante ver como se deu a reaproximação do mercado musical com o mercado cinematográfico, ainda mais quando se trata de um filme musical, que é um gênero que não possui mais tanto investimento e que é considerado ultrapassado por diversos profissionais da área. O trabalho visual mais recente, antes do lançamento do K-12, e que contou com um grande impacto, foi o álbum Lemonade da cantora estadunidense Beyoncé, que no entanto foi veiculado na televisão como já se é de costume dos videoclipes desde os primórdios da MTV.



Com uma produção de maior orçamento, uma maior liberdade criativa e maior apoio de sua gravadora K-12 está em um nível de produção não visto antes na era Cry Baby, ao menos quando se trata do visual. Aparentemente, a indústria está finalmente percebendo que existem obras músicas que não só podem usufruir de elementos visuais como necessitam deles. Quando tratamos de Melanie Martinez, fica difícil separar as suas funções de cantora e compositora das outras áreas de criação em que atua (atriz, diretora, roteirista, etc). Nos resta esperar o que ainda iremos vivenciar nesta era em que experimentações como essa estão se tornando mais possíveis e interessantes. 

Notas

[1] A quarta parede é uma parede imaginária situada entre o público e a arte, através do qual os espectadores assistem passivamente à ação do mundo encenado. Normalmente, em uma ficção, os atores não olham diretamente para a câmera/espectadores.

Referências

CARVALHO, F. Ver Para Ouvir: Imagens na promoção de músicas. 2016, 109f. Trabalho de Conclusão de Curso Comunicação Social, Jornalismo - Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2016. Disponível em: <https://bit.ly/2YhfG7j>. Acesso em: 19 jun. 2020. 

NERCOLINI, M; HOLZBACH, A.Videoclipe em tempos de reconfigurações. Famecos, v.16, n.39, p.50-56, 2009. Disponível em: <https://bit.ly/2YeWxD2>. Acesso: 19 jun. 2020. 

GOODWIN, A. Dancing in the distraction factory: music television and popular music.

Mineápolis: University of Minnesota, 1992.


0 Comentários