Qual a chance de você conhecer alguém que faz aniversário no mesmo dia que o seu? Provavelmente você conhece algum caso de pessoas nessa situação, mas esse fato em comum não determina que elas terão uma forte ligação. Já em This Is Us (2016 - atual, NBC) isso estabelece as relações e constrói o principal arco narrativo da série, a família, desde o primeiro episódio. O drama familiar aborda questões do cotidiano, como ansiedade e autoestima, com bastante sensibilidade, mas sem perder o alívio cômico.
Para quem ainda não assistiu a trama é melhor se preparar para se emocionar a cada episódio, mas quem já assistiu vai concordar comigo que é impossível isso não acontecer! Exibida originalmente pela NBC, no Brasil a transmissão ocorre através do canal Fox Premium e pelo serviço de streaming Amazon Prime Video. A premiada série possui quatro temporadas e para a felicidade dos fãs a produção está confirmada até a sexta temporada.
A história se baseia em três irmãos que nasceram em Pittsburgh, na Pensilvânia, nos Estados Unidos, no mesmo dia em que seu pai Jack Pearson, mas em circunstâncias diferentes. Rebecca Pearson deu à luz aos gêmeos Kate e Kevin no mesmo hospital em que Randall foi adotado por Jack e Rebecca. O enredo se desenvolve em torno do núcleo da família Pearson e utiliza o tempo como um recurso a seu favor. Diferente de uma narrativa linear, a história se alterna entre 1980 até os dias atuais, mostrando o passado dos pais, a infância dos irmãos e como tudo reflete nas suas ações acerca dos problemas que surgem ao longo da série.
Personagens tridimensionais: caracterização e personalidade
This Is Us pode ser descrita como uma crônica por representar acontecimentos do cotidiano dos personagens que também estão presentes em nossas vidas como, por exemplo, diálogos com os pais, realizações pessoais, perda de parentes, insegurança e estresse no trabalho, o que gera uma identificação maior com os personagens e desperta o interesse do público.
Esse estilo ficcional tem ganhado cada vez mais espaço na televisão estadunidense. A figura do herói que provoca nos telespectadores o que Bergson (1932) caracteriza como um apelo, por exemplo, foi o foco de produções por várias décadas, Inclusive a própria NBC transmitiu nos anos 50 o famoso programa policial Dragnet (1967-1970, NBC), em que a narrativa era totalmente centrada no herói (o policial) que ajudava a população e garantia o controle da cidade. No entanto, a partir de 1980 esse modelo começou a perder destaque já que logo em seguida ocorreu o boom de narrativas de anti-heróis e, atualmente, os enredos com personagens tridimensionais despertam mais a curiosidade do público.
Os personagens de This Is Us não são construídos para serem vistos como heróis que conseguem solucionar todos os problemas da sua vida e ajudar todos em sua volta, pelo contrário esse ideal de perfeição é quebrado no momento em que as suas fragilidades são expostas, seus sonhos nem sempre se realizam e a série utiliza desse fato para transmitir alguma lição sobre lidar com as adversidades. É isso que faz dos Pearsons protagonistas tridimensionais, eles reagem aos acontecimentos da trama, fazem escolhas e nem todas são boas. Com o desenrolar da história acompanhamos diferentes etapas de suas vidas, assim percebemos a evolução de cada um. Essas transformações também são visíveis na caracterização dos personagens e em suas expressões faciais, além, claro, das dimensões psicológicas que nos mostram suas qualidades e seus defeitos reforçando a identificação do público com o verossimilhança da série.
A construção dos personagens em This Is Us e a aproximação do público
O universo ficcional de This Is Us nos mostra essa quebra do ideal de perfeição através de debates sobre valores morais, idealização do corpo e identificação representativa.
“A identificação com um personagem não explica nada. É o universo ficcional que é a fonte dessa ligação” (ESQUENAZI, 2010, p.152).
A história de Randall é uma das emblemáticas nas temporadas iniciais. Interpretado por Sterling K. Brown, Randall é visto inicialmente como um empresário bem-sucedido, com uma família estruturada, e, de forma geral, a trama enfatiza a sua exagerada preocupação com tudo e todos. A série aborda as questões de um jovem negro a procura por identificação representativa e cultural. Ele foi adotado ainda bebê e a narrativa aprofunda sua vontade de conhecer seu pai biológico e saber mais sobre suas origens. Em um determinado momento ele enfrenta uma crise no casamento, conflitos com seu irmão Kevin, além de suas crises de ansiedades proporcionarem um debate sobre esse transtorno.
Chrissy Metz interpreta a única filha de Jack e Rebecca, Kate é uma pessoa doce e sensível, desde pequena ela possui uma forte ligação com a música, a trilha sonora que ajuda a construir a identidade da personagem é composta por várias cantoras inspiradoras dos anos 90, como Alanis Morissette. Entretanto, a problemática do “corpo ideal” imposta pela sociedade interfere diretamente na autoestima de Kate devido a inseguranças com o seu peso. Esse fato a impediu por muito tempo de persistir na carreira de cantora e afetou suas relações amorosas. Kate era muito apegada a Jack, por isso lidar com a morte do pai foi extremamente complicado para ela, que se sentiu culpada e não conseguia falar sobre o assunto, mas no desenrolar da série Kate descobre a sua força e supera seus traumas.
No início da série Kevin é visto como um famoso ator de Los Angeles que busca uma relação amorosa estável igual a de seus pais. A ideia de vida perfeita de Kevin foi desmanchada logo nos primeiros episódios quando ele pratica algumas atitudes irresponsáveis, lida com frustrações na carreira e os traumas que guardava em relação a morte de seu pai.
Além disso, o personagem interpretado por Justin Hartley mostra ao longo da série diversas vezes suas inseguranças, dúvidas existenciais e também enfrenta o alcoolismo, assim como seu pai. Durante as temporadas notamos seu desenvolvimento, o gêmeo começou a assumir as consequências dos seus atos, mudando a forma como ele lida com os irmãos e a mãe, se preocupando mais com todos a sua volta.
Além do “big three” como os irmãos são chamados na trama, outros dois personagens de destaque são os pais Jack e Rebecca. O casal apaixonado enfrentou alguns obstáculos para ficar juntos e outros no decorrer do casamento. No papel de pais ambos são comprometidos, cuidadosos e tentam educar os filhos da melhor maneira, mas passam por diversas dúvidas e dificuldades, assim como na vida real. Rebecca (Mandy Moore) abdicou da carreira para cuidar dos filhos e sofreu com a morte do marido, ela teve que se reerguer para cuidar dos filhos adolescentes. Já Jack (Milo Ventimiglia) lidou com diversos traumas em relação ao seu pai na sua infância e a época em que serviu na guerra do Vietnã.
A série cativa o público a partir de um roteiro estruturado, que possui o objetivo de tirar o foco sobre o que vai acontecer na trama para dar ênfase em como os fatos vão acontecer. This Is Us permite o aprofundamento dos personagens, se desdobrando não em exaltar suas qualidades e criar uma situação ilusória, mas sim equilibrando seus pontos fortes e suas fraquezas. É essencial para uma série que seu público se identifique com a narrativa e isso é o que This Is Us nos proporciona.
Referências
ESQUENAZI, J.P. As séries televisivas. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2011.
JOST, F. Do Que As Séries Americanas São Sintoma?. Porto Alegre: Editora Sulina, 2012.
MEIMARIDIS, M; URBANO, K. C. L. A Jornada do anti-herói: uma análise da complexidade narrativa em Breaking Bad. Fronteiras, v.20, n.3, p. 321-333, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2XMq0nQ>. Acesso em: 8 jun. 2020.
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