Após uma edição trágica em 2019, o público estava desesperançoso para a 20ª edição do Big Brother Brasil. No entanto, foi surpreendido com um dos maiores sucessos do reality. Enquanto a audiência no ano passado foi a pior da década e uma das piores da história, o BBB20 teve sua média em 3º lugar dos últimos 10 anos, ficando atrás apenas das edições de 2018 e 2012. Dados apresentados pelo Kantar IBOPE Media e pelas emissoras mostram que essa edição já começou com uma alta audiência: 24,9, apenas 0,1 a menos que a final do BBB19. Na primeira segunda-feira do BBB20, a audiência já ultrapassou quase todos os episódios transmitidos da 19º edição, perdendo apenas para o mais sucedido, quando o programa obteve 28 pontos ao transmitir detalhes da expulsão da participante Hariany do programa e a eliminação de Carol Peixinho.
Devido aos (grandes) problemas da edição de 2019, muitos chegaram a acreditar que esse ano teríamos a última edição do programa. Porém, unindo a preocupação da equipe do BBB e a criação de uma edição comemorativa, um programa com muitos diferenciais foi construído. A primeira novidade é de que teriam famosos na casa, a notícia gerou instantaneamente uma grande movimentação nas redes sociais antes mesmo do programa começar. Muitos desagradaram, outros gostaram e várias especulações começaram a surgir a respeito de quem seriam essas pessoas. Esse novo modelo faz parte dos motivos do sucesso dessa edição, mas ele não é o único, ao longo do texto falaremos sobre outros fatores que ajudaram na construção histórica do BBB20.
O formato reality show
A característica essencial de um reality show é ser baseado na vida real, com pessoas reais e não personagens fictícios criados em um roteiro. E ele inova por transitar entre os gêneros, sendo um pouco dramaturgia, um pouco documentário e um pouco jogo. Entretanto, apesar de ser um formato contemporâneo, o conceito é antigo. Em 1920 Sergei Eisenstein já havia pensado no que o autor denomina como “Casa de Vidro”. No entanto, o reality não era viável, pois não existia na época as tecnologias necessárias para esse tipo de produção. Tecnologia, essa, que é uma das principais razões para o sucesso dos realities atualmente. Sem a cultura digital e os avanços tecnológicos que possuímos atualmente, a ideia de gravar alguém por 24 horas, em cada passo e fala, armazenar e editar todos esses arquivos, jamais seria possível.
Além disso, uma das características mais importantes desse formato é a interação com o público, também propiciada pelas novas tecnologias e as formas de se relacionar no ambiente de convergência. Nas primeiras edições do BBB, o site e o telefone eram aliados da atração , o público utilizava-os para votar em quem deveria ser eliminado e acompanhava notícias da casa. Por isso, o reality show, entre os gêneros, é provavelmente o mais digital e essencialmente multiplataforma, já que a internet participa fortemente da sua construção (CANNITO, 2010). Logo no início, haviam conteúdos para celulares que faziam com que o público tivesse um acesso “extra” e novas funções, como o Big Chat que permitia a interação entre fãs do programa e o Big News, em que o usuário recebia notícias sobre o programa.
Atualmente o universo do programa é gigantesco, indo além dos 30 minutos de edição exibido na Globo. O BBB conta com o pay per view disponível na TV paga e no Globoplay, com os programas que os participantes vão após a eliminação (Encontro com Fátima, Mais Você e etc) e aqueles que possuem o BBB como temática exclusiva (Rede BBB e A Eliminação, ambos do Multishow) e os perfis das redes sociais (Twitter, Facebook e etc) da Globo que dedicam grande parte do seu conteúdo ao programa e até mesmo os perfis dos participantes.
Quanto a interação do público, ela é cada vez maior, presente não só nas votações Reduzir 24 horas em um programa de aproximadamente 30 minutos requer que escolhas sobre o que irá aparecer sejam feitas e, apesar do público ter a oportunidade de assistir todas essas 24 horas sem cortes. Essas escolhas na maioria das vezes são feitas baseadas na forma que o público vem comentando e interagindo a respeito do programa, memes usados pelos fãs nas redes sociais são mostrados na atração, aqueles personagens que geram um grande engajamento são privilegiados na edição e outras ações que apesar de grande parte das vezes ser feita de forma discreta, interferem diretamente no jogo.
O modelo BBB
Existem vários tipos de realities, os de sobrevivências, como No Limite (o primeiro reality brasileiro, transmitido pela Globo em 2000), os de paquera (De Férias com o Ex, The Bachelor e etc), os de emprego (O Aprendiz), mas o Big Brother entre todos eles é o que obteve mais sucesso. O reality consiste em reunir um grupo de pessoas confinados em uma casa durante 3 meses, sem contato com o mundo exterior e seu objetivo é se manter na casa, para isso deve conquistar o público. Existem também provas e dinâmicas, que intensificam a ideia do reality ser também um jogo e trazem benefícios e/ou prejuízos aos brothers (como são chamados os participantes).
A ideia do programa surgiu em 1999, pelo executivo holandês John de Mol. O nome foi baseado no livro 1984 de George Orwell, no reality o “Big Brother” é o apresentador (muitas vezes também considera-se o diretor do programa), por ser o único do mundo externo que se faz contato com os participantes e por ser muitas vezes o “guia” do jogo. Mas por que esse modelo faz tanto sucesso? Segundo Cannito (2010, p. 267) a temática é um dos grandes motivos
O público assiste ao Big Brother com a fidelidade com que assiste a uma novela. Afinal, o programa tem uma dramaturgia que aborda fartamente os dois principais temas de qualquer telenovela: o amor e a ascensão econômica e social. O amor é um dos grandes temas do programa, e o modo como o “personagem” se comporta em seus relacionamentos é um dos fatores que o público leva em conta na hora de escolher quem vai vencer. A ascensão econômico-social é outro tema fundamental. Primeiro pelo próprio prêmio em dinheiro, mas também porque o programa é praticamente um casting – ou uma seleção de empregos – de candidatos a “celebridade”. Quem sobrevive a esse teste de exibição pública está em condições de ser uma celebridade.
Motivos para adorar o BBB não faltam, muitos consideram até um tipo de voyeurismo o fato é que o programa conquistou marcos importantes e se consolidou como um dos realities de maiores sucessos. A edição de 2020, principalmente, foi um grande marco para a década e a história do Big Brother Brasil e os motivos abrangem desde a boa escolha do elenco até o atual momento que estamos vivendo.
É fácil apontar um dos principais motivos do BBB20 ter sido um sucesso: o elenco. Para um reality show essa é uma das partes mais importantes e mais difíceis, escolher participantes que sejam bons jogadores e que atuem ativamente e, além disso, funcione bem no conjunto escolhido. Em 2019, o elenco foi fraco, a passividade deles fez com que o jogo estivesse em uma situação de “mesmice” durante todo o programa e nem as dinâmicas e os conselhos dados pelo apresentador Tiago Leifert fizeram com que isso mudasse. Mas esse ano foi diferente, participantes com personalidades fortes e vontade de jogar. Garra, competitividade e autenticidade não faltaram nos 20 escolhidos para participar da edição.
Quando anunciado que teriam pessoas famosas dentro da casa, o medo era de que fossem participantes passivos, que fugiram de conflitos para não sujarem suas imagens. Mas não foi nada disso que aconteceu, já na primeira festa houve “treta de influencers”, e os convidados mostraram que também estavam ali para jogar e se jogar.
Além disso, com as pessoas em casa devido a quarentena, o BBB se tornou uma grande fonte de entretenimento, o próprio apresentador, Tiago Leifert, falava sobre isso. Muitas pessoas aproveitavam as festas do reality para curtirem em casa, torciam nas provas como torciam numa Copa do Mundo e tinham mais tempo livre para votar nos paredões, assistir o pay per view e comentar nas redes sociais. Com isso, o engajamento aumentou substancialmente, inclusive aconteceu o maior paredão da história do reality: Manu Gavassi, Felipe Prior e Mari Gonzalez totalizaram 1.532.944.377 votos, batendo recorde mundial e entrando para o Guinness Book.
O programa precisou fazer diversas adaptações para continuar durante a pandemia, avisaram para os brothers sobre a situação, intensificaram as regras de higiene e transformaram os shows das festas em lives feitas por vários artistas. O que foi um grande sucesso e contou até mesmo com um show virtual de Dua Lipa. A edição foi marcada pelo público famoso que conquistou. A atriz Bruna Marquezine e sua imensa torcida pela melhor amiga Manu Gavassi, jogadores de futebol famosos com campanhas pelos jogadores Felipe Prior e Babu Santana, Preta Gil se tornando assessora da campeã Thelma Assis. As celebridades torceram, sofreram e comemoraram, expressando suas opiniões, declarando torcidas, comentando o programa e mostrando o poder e o alcance que essa edição obteve.
Alcance este que esteve presente principalmente no Twitter, haviam pessoas que acompanhavam o reality unicamente pela rede social, através das notícias por lá compartilhadas, os vídeos e os memes. O programa esteve nos assuntos mais comentados durante praticamente toda sua exibição. Lá as torcidas se organizavam para defender seus favoritos, fazer mutirões de votos nos paredões, interagir com os administradores dos perfis dos participantes e comentar sobre o reality. A emissora também utilizou muito o Twitter para a divulgação do programa, que foi muito comentado em todas as principais contas (Rede Globo, Globoplay, G1, GShow) além do perfil oficial do BBB.
Cada uma dessas contas produzia um tipo de conteúdo, o G1 tratando de notícias mais sérias, o GShow focando nos acontecimentos dos eliminados do lado de fora da casa, o Globoplay fazendo diversas relações entre as seu conteúdo no streaming e o reality, mas ambos passavam uma ideia de afeto com os participantes, humanizando as contas e criando uma relação com os brothers. Isso aconteceu também durante todo o programa, o apresentador Tiago Leifert demonstrava frequentemente esse carinho e até mesmo se emocionou na final do programa após o anúncio da vencedora.
Todo o programa, principalmente a edição, se inspirou muito na repercussão gerada pelas redes sociais. Memes que víamos no Twitter eram frequentemente utilizados pelo comediante Rafael Portugal na terça-feira e músicas usadas em vídeos famosos no TikTok eram trilha sonora de vários VTs. Mas desde o início a edição possuía esse conceito baseado nas redes sociais. Uma das novidades da 20ª edição foi que os participantes poderiam usar um celular para produzirem “stories”, na edição do programa havia o “Feed BBB” que apresentava a trajetória dos emparedados em uma estética similar à do Instagram.
As redes sociais serviram também como um “point” de discussões sobre as pautas sociais apresentadas no programa e sua repercussão. Debates sobre racismo, feminismo e homofobia foram protagonistas em toda a edição, seja pelas próprias discussões propostas pelos brothers dentro da casa ou pela própria visão do público sobre as situações que ocorriam no programa. Foi uma oportunidade de colocar em pauta temas de extrema importância, além disso, alguns participantes após sua saída, ao ver que haviam tido comportamentos preconceituosos, mostraram sua preocupação com a desconstrução, fazendo com que todo o debate proposto pelo público fosse valorizado.
Além dessas pautas, os brothers foram protagonistas de diversas polêmicas, o que também contribuiu para o aumento da audiência. Desde a primeira edição o público se diverte com as “tretas” entre os participantes e no BBB20 isso não faltou, de tretas leves como as discussões entre Mari e Manu até a imensa treta do feijão, o “fogo no parquinho” que havia sido apagado na edição anterior, reacendeu esse ano.
Sim, a edição foi histórica. Existe até mesmo um recorde mundial para comprovar. Os porquês são vários, mas entre eles estão 3 que foram essenciais para o sucesso da edição: o elenco, as redes sociais e o momento em que vivemos que faz com que entretenimento seja uma das coisas mais necessárias no dia a dia. Com novas variáveis fica a dúvida se a edição de 2021 irá repetir o sucesso e a aclamação ou se não será capaz de suprir as expectativas geradas pela 20ª edição.
Referências
CANNITO, N. A televisão na era digital. Interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus Editorial, 2010.
CARTA CAPITAL. BBB fenômeno de audiência e a ilusão do abalo estrutural do racismo. Carta Capital, 2020, Online. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/bbb-fenomeno-de-audiencia-e-ilusao-do-abalo-estrutural-do-racismo/. Acesso em: 10 mai. 2020.
EXAME. BBB20 bate recorde de audiência e Globo pode superar perda de novela. Exame, 2020, Online. Disponível em: https://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/bbb20-bate-recorde-de-audiencia-e-globo-pode-superar-perda-de-novela/. Acesso em: 10 mai. 2020.
F5 FOLHA UOL. BBB 20: final de reality tem a maior audiência desde edição de 2010, Folha de São Paulo, 2020, Online. Disponível em: https://f5.folha.uol.com.br/televisao/bbb20/2020/04/bbb-20-final-de-reality-tem-a-maior-audiencia-desde-dicao-de-2010.shtml. Acesso em: 10 mai. 2020.
KANTAR IBOPE MEDIA. Audiência de TV SP. Kantar, 2020, Online. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/conteudo/dados-rankings/audiencia-de-tv-sp/. Acesso em: 10 mai. 2020.
KANTARI IBOPE MEDIA. Os Eventos da TV que mais agitaram sua timeline em 2019. Kantar, 2019, Online. Disponível em: https://www.kantaribopemedia.com/os-eventos-da-tv-que-mais-agitaram-sua-timeline-em-2019/. Acesso em: 10 mai. 2020.
O TEMPO. 'BBB 20': veja as razões que fazem a atual temporada do reality ser histórica. Disponível em: https://www.otempo.com.br/diversao/bbb-20-veja-as-razoes-que-fazem-a-atual-temporada-do-reality-ser-historica-1.2326705. Acesso em: 10 mai. 2020.
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ROCHA, Débora Cristine. Reality TV e Reality Show: ficção e realidade na televisão. Compós, Brasília, v. 12, n. 3, p. 6-10, set./2009.
VIANA, Silvia. Rituais de Sofrimento. São Paulo: Boitempo, 2013.
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