A tridimensionalidade dos personagens em Westworld


Westworld (HBO, 2017-presente) tem como um de seus principais fios condutores as diversas linhas cronológicas, os enigmas e as teorias presentes em seu universo ficcional. Dividida entre anfitriões (robôs) e humanos (visitantes), sua primeira temporada apresentou o universo do parque, explorando três temporalidades e o plot principal consistiu em achar o Labirinto. Já a segunda temporada, alguns anfitriões criaram a própria consciência e buscaram sair de Westworld. Agora, no terceiro ano da série, temos Dolores (Evan Rachel Wood) colocando em prática seu plano de destruir os humanos no mundo real, em âmbito totalmente controlado pela tecnologia do Rehoboam

De acordo com Esquenazi (2011), as séries podem ser classificadas em imóveis e em evolutivas. As séries evolutivas passam por evoluções ao longo da narrativa, tanto em sua estrutura quanto em relação aos personagens que a compõe, diferente das séries imóveis, que propõem uma estrutura narrativa fixa e personagens constantes em suas personalidades (ESQUENAZI, 2011). Segundo o autor, essa evolução da trama e dos personagens é favorecido pelo formato serial, pois este permite a construção da narrativa ao longo do tempo e, portanto, oferece diversas possibilidades de desenvolvimento. 

O tempo passa e os telespectadores envelhecem. Por que não fazer evoluírem ao mesmo tempo as personagens ficcionais das séries? O gênero serial e a multiplicação dos episódios de uma mesma ficção oferecem, nesta matéria, novas potencialidades para toda a escrita ficcional. Torna-se possível renovar ou reformar personagens ano após ano, mostrar as transformações de uma família ou percorrer o passado e o futuro numa ordem sempre a definir (ESQUENAZI, 2011, p.104). 

Portanto, em uma série evolutiva os personagens acompanham o desenvolvimento da trama e mudam sua personalidade como um reflexo dos acontecimentos ou por mudanças de ideais e valores pré-estabelecidos. Um exemplo é o que acontece na série Breaking Bad (AMC, 2008-2013), na primeira temporada o protagonista Walter White (Bryan Cranston) é um professor de química frustrado que descobre um câncer nos pulmões. Desde então decide fabricar drogas para deixar uma reserva financeira para sua família e pagar seu tratamento de saúde. Porém, ao longo da série, conforme seu negócio evolui e seu lucro aumenta, o personagem se mostra cada vez mais ambicioso e egoísta. Suas atitudes chegam ao ponto de colocar sua família em risco, que em um primeiro momento era sua prioridade. É possível identificar que a personalidade de Walter White não é um elemento fixo na narrativa, seu comportamento é imprevisível fazendo com que o público não tenha certeza sobre como ele irá reagir à certas situações. Isso também acontece com a estrutura da narrativa, que sofre modificações ao longo dos episódios. Por essas características Breaking Bad também é considerada uma série evolutiva. 

Em Westworld, essas mudanças dos personagens acontecem de forma mais complexa. O contexto do universo narrativo considera os robôs, chamados de anfitriões, e os humanos que visitam o parque. Os anfitriões possuem suas personalidades pré-determinadas pelos humanos que controlam o parque de acordo com os papéis que representam em Westworld. Já a maioria dos personagens humanos assumem uma persona quando estão no parque, por vezes mais violenta, diferente da sua personalidade na vida real. Além disso, alguns deles são representados em diversos momentos da vida, na juventude até a velhice com as mudanças que a idade proporciona. 

Na primeira e segunda temporada de Westworld, a anfitriã Dolores apresenta duas personas: a filha do fazendeiro inocente e a persona do Whyatt, uma personalidade agressiva que a faz liderar ataques dentro do parque. Ao longo dos episódios, Dolores desenvolve sua própria consciência e passa a agir de forma autônoma, assumindo sua própria personalidade. 

Dolores na primeira temporada 

Dolores como Whyatt na segunda temporada 

Dolores então evolui sua consciência e cria estratégias para dominar o mundo dos humanos e perpetuar sua espécie, como podemos ver na terceira temporada. Neste contexto, a personagem cria três cópias de sua consciência e as coloca em corpos de outros anfitriões que, em alguns casos, se passam por humanos que já morreram. Assim, só nesta temporada, temos três versões da mesma personagem, sendo que cada uma possui seu propósito e desempenham papeis diferentes no grande plano da Dolores original. 

Dolores na terceira temporada de Westworld 



As outras cópias de Dolores (Musashi, Charlote Hale e Martin Conells) 

O personagem William (Jimmi Simpson/Ed Harris) também passa pelo mesmo processo de desenvolvimento de sua personalidade. Em sua primeira visita ao parque, William (Ed Harris) era contra as práticas violentas com os anfitriões e tentava impedir o comportamento agressivo de seu irmão Logan no ambiente. Nesta mesma visita, William se apaixona por Dolores e por um ato violento de Logan ela acaba fugindo e desaparece. Na tentativa de reencontra-la, William desbrava o parque e descobre prazer na violência contra os anfitriões. A agressividade de William é intensificada quando encontra Dolores e descobre que sua memória foi apagada e ela não se lembra do romance que viveram no passado. A partir de então, William assume de fato sua persona violenta no parque, o Homem de Preto. Paralelo as suas visitas ao parque, na vida real William era ativista e filantropo, o completo oposto de sua personalidade em Westworld

William em suas primeiras visitas ao parque 

William como Homem de preto 

A medida em que mudam suas personalidades, esses personagens demostram que acompanham as evoluções da trama. No caso de Dolores, a sua evolução é no sentido literal, pois é uma anfitriã que criou a própria consciência e agora tem um objetivo maior no mundo dos humanos. Já William, agora tem sua vida em decadência, assombrado pelos atos que cometeu quando ainda frequentava o parque, incluindo o assassinato da própria filha. Além disso, o personagem que antes detinha o controle de todos a sua volta, agora é controlado e usado como parte do plano de Dolores. 

William na terceira temporada de Westworld 

Vale a pena destacar que a mutação desses personagens pode ser notada através de elementos imagéticos, como a caracterização, a postura corporal e expressões faciais, o que auxilia na compreensão do público sobre a evolução dos personagens. 

Os personagens se tornam mais complexos conforme a trama ganha novas camadas interpretativas. Neste contexto o público tem um papel importante, pois essa evolução da narrativa depende diretamente da sua compreensão do universo apresentado. Apesar de estar em sincronia com o desenvolvimento dos arcos e plots, todo este processo não é didático. Isto é, a compreensão se dá através de referências de cenas anteriores (muitas vezes exibidas há anos atrás), do contexto em que os personagens estão inseridos e da composição imagética. Portanto, esse desenvolvimento tanto da trama quanto dos personagens é construído com o público, que precisa preencher as lacunas para compreender a atração em sua totalidade. Dessa forma, a taxonomia proposta por Esquenazi (2011) ressalta a popularização de séries televisivas com universos ficcionais cada vez mais densos e mutáveis e que necessitam do olhar crítico e atento do público. 

Referências 

ESQUENAZI, J.P. As séries televisivas. Lisboa: Edições Texto e Grafia, 2011.


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