Don’t Forget Your Hashtag: A música como ação transmídia em Euphoria

A trilha sonora é utilizada no meio audiovisual para o fortalecimento da narrativa. No clássico do cinema Tubarão (1975), uma orquestra profunda e crescente marca o suspense e a tensão do filme com o objetivo de trazer o terror para o telespectador, que assiste e interage com o produto por meio da sensibilização que tal música pode provocar. Há também exemplos que a música é a parte principal da narrativa, e ela conduz toda a produção dos episódios, como no caso de Glee (2009-2015, Fox). Nesse contexto, a trilha sonora compõe ou alimenta um segundo objeto ou ambiente artístico, com intuito de sublinhar, fortalecer ou afirmar sensações humanas. (MARCONDES, 2018, Online) 

Partindo do princípio que a música é utilizada no meio audiovisual com certos objetivos, iremos analisar como a série Euphoria (2019- atual), exibida pelo canal pago estadunidense HBO, aproveitou esse recurso para expandir seu universo através de ações transmídias criadas em parceria com o cantor e produtor Labrinth. Porém antes, iremos fazer um breve apanhado sobre o conceito de transmídia. 


Como define Jenkins (2009), a transmídia abrange a criação de um “universo” para um produto/ideia, se expandindo por múltiplas plataformas, sendo que em cada plataforma esse produto será diferente, completando um ao outro e criando assim esse “universo”. 

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo. A redundância acaba com o interesse do fã e provoca o fracasso da franquia (JENKINS, 2009, p 141 - 142) 

Jenkins pontua ainda como as ações transmídia vem se tornando cada vez mais uma colaboração produtiva entre as mídias, e traça um paralelo entre como a indústria vem adotando um modelo cooperativo de criação com artistas que possuem uma visão diferente e que possam contribuir para a criação de uma nova ideia partindo do mesmo produto. 

Seguindo então para o nosso objeto, analisaremos como a série da HBO, Euphoria, adotou um plano de ação transmídia em que utilizou da trilha sonora como chamariz para um público que não necessariamente tenha assistido a trama. Porém, a partir desse universo compreenda e possa se interessar para a nave mãe e assim se tornar um telespectador do programa. 

Em entrevista para o site Papelpop, o cantor e produtor Labrinth conta como foi o seu processo de criação para a trilha sonora original da série, dizendo que ele havia enviado cerca de 20 faixas para os produtores, e somente três foram aceitas. Após ouvi-las encaixadas em Euphoria, Labrinth compreendeu a ideia geral da obra e começou a produzir todo um universo com suas músicas, que representaria cada personagem em momentos diferentes. 

Os títulos das músicas seguem uma narrativa, que se unidos acabam formando uma breve história. Começamos por “New Girl”, que basicamente conta a história de uma nova garota que chega na cidade, a garota na série é representada por Jules (Hunter Schafer) e é tocada na trama no momento em que Rue (Zendaya) vê Jules pela primeira vez. A partir disso podemos observar como o álbum criado por Labrinth trouxe Euphoria para uma outra plataforma, completando e ampliando a nave mãe. 



Ainda na trilha sonora, temos faixas como “Nate Growing Up”, que representa o segundo episódio da série, “Shy Guy”, que faz um paralelo entre a relação que Nate e Jules estavam construindo, “Following Tyler”, referente a perseguição de Nate atrás de Tyler, “Kat’s Denial” sobre a negação de Kat com relação ao vídeo íntimo vazado, “Maddy Story”, que como o próprio nome diz, conta a história de Maddy com relação ao momento que ela estava passando na trama, “McKay & Cassie” contando a história conturbada desse casal, dentre várias outras que marcam momentos que ocorreram durante a temporada.


Isso tudo tem um propósito: Expandir o universo de Euphoria para outras plataformas, a fim de criar novas interpretações e atrair ainda mais pessoas para o produto principal. A ação transmídia realizada na trama dá mais acesso ao universo ficcional, já que em tempos de streaming, em que a música é um dos principais meios de se alcançar alguma relevância. Porém, o álbum lançado por Labrinth não foi a única ação transmídia de Euphoria. O projeto visualizer lançado pela HBO em seu canal do YouTube, com as principais faixas da trilha sonora da série criada por Labrinth. Os vídeos contêm recortes estáticos dos episódios, e cada um representaria um episódio, entretanto temos um detalhe muito interessante, nenhum vídeo contém o título da música. Esse detalhe foi forte o suficiente para deixar o público curioso e ansioso para um futuro lançamento que era tão aguardado. Nas redes sociais os fãs começaram a criar teorias e inventar nomes para as músicas, o que demonstra a força dessa ação e como ela engajou e trouxe novas pessoas para o universo da série. Basta uma olhada rápida na sessão de comentários dos vídeos que você verá o público pedindo o nome da música ou então dizendo que conheceu a trama através da recomendação de tal trilha. 


Por fim temos o grande ponto alto da trilha sonora composta por Labrinth, que é a música “All For Us”. Curiosamente a canção não foi inserida no álbum lançado posteriormente pelo cantor, mas isso se deve a ação ocorrida dentro da série, em que ele, juntamente com Zendaya, desenvolveram uma nova versão da canção, que já estava previamente pronta antes do final da trana, e através disso criaram um clipe que foi exibido no último episódio como ponte para o final da temporada. Logo em seguida o clipe foi lançado no canal oficial da HBO e passou a ser vendido como o primeiro single oficial da série. A música é facilmente identificável por qualquer um que se compadeça daquela narrativa apresentada na letra, mas rapidamente traçamos um paralelo com quem nos apresenta a música, que é a protagonista Rue. No trecho “Mamma making ends meet (making ends meet) working like a slave (Mississippi, aye-aye) daddy ain't at home, no (Father, Father) better be a man (Michael Corleone, ay)” a representação se dá por Rue abraçando sua mãe, que a ignora, e seu pai, que está morto, mas que é o único a interagir com sua filha. 


De acordo com Jenkins (2009, p. 59) “[...] cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia”. A afirmação do autor traduz muito bem a eficácia da ação que Euphoria promoveu através de sua trilha sonora marcante e muito bem planejada. 

A convergência entre as mídias e a expansão do universo ficcional por meio das estratégias e ações transmídia podem ir muito além do que imaginamos, e Euphoria nos entrega um trabalho onde podemos desfrutar de várias dimensões, deixando nossos olhos e ouvidos contentes e apaixonados com aquilo que vemos e ouvimos. 

Referências 

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2 ed. São Paulo: Aleph, 2009. 428 pp. 

MARCONDES, João. O que é trilha sonora? Souzalima, Online, 2018. Disponível em <http://bit.ly/2Pza8Bn> Acesso em 01 nov 2019.


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