The Get Down: A ficcionalização da cultura Hip Hop


           
The Get Down nos leva a 1977, bairro Bronx em Nova Iorque, quando a cidade passava por momentos de crise, com altas taxas de criminalidade, desemprego e uso de drogas. Esse plano de fundo é palco para Ezekiel (Justice Smith) transpor seus sentimentos e inquietações para a música e a poesia, contextualizado em um momento que surgia um novo movimento musical no Bronx. A história, então, se envolve ao redor das vidas dos moradores do Bronx e de sua relação com arte, música, dança e graffiti. 

A série, dirigida por Baz Luhrmann (O Grande Gatsby, 2013) em parceria com a Netflix, foi uma das maiores produções do serviço de streaming. Cada episódio custou 7,5 milhões de dólares à empresa, porém apesar do investi vento não teve uma audiência que correspondesse a esse custo. De acordo com o site SymphonyAM The Get Down foi vista por 3,2 milhões de espectadores em seu primeiro mês, enquanto Orange is the new black e Stranger things, foram vistas por 15 milhões e 13 milhões, respectivamente. 

A ficcionalização dos elementos do hip hop 

O Hip Hop se baseia em quatro pilares: DJ, Graffiti, break e o MC (mestre de cerimônia). Todos esses elementos são independentes uns dos outros, mas todos se estabelecem na mesma cultura e estão envolvidos com similaridades. 

Originado no sul do Bronx em meados dos anos 70, o hip hop veio a ser um dos maiores movimentos culturais e sociais no mundo, trazendo diferentes elementos urbanos que serviam como a voz daqueles que não tinham voz, seja pela arte nos estabelecimentos, nas rodas de dança, nos scratches para formar batidas ou pela própria fala, este último utilizando o ritmo e a poesia para soltar rimas que retratavam praticamente tudo, desde o dia a dia em uma região repleta de adversidade e até frases que serviam como aliados as batidas e os loops infinitos realizados pelos DJs nas festas. (Arkade Séries, Henrique Gonçalves) 

Dessa forma, The Get Down inclui todos esses elementos, afinal eles surgiram no contexto em que se retrata na série. Porém, o interessante e relevante para a construção do universo ficcional da trama é a forma como este elemento se materializam nos personagens e cenários. 

Dizzee (Jaden Smith), mais conhecido nas ruas por Rumi 411, representa o grafite. Para representar com veracidade a função social da arte do graffiti das ruas, os produtores contaram com a consultoria de Crash and Daze, como citado anteriormente. Assim, o arco narrativo do personagem gira em torno deste pilar. Personagem secundário, junto com os outros dois amigos de Ezekiel, possui relações com o Rap, mas seu arco narrativo principal envolve se tornar um grande grafiteiro, e as consequências e desafios que isso envolve. 

Shaolin Fantastic (Shameik Moore) é um grafiteiro renomado na área e grande inspiração para Dizzee, mas seu arco narrativo em The Get Down envolve equilibrar a vida de traficante de cocaína e sua evolução na arte do DJing. Seu mentor Grandmaster Flash (Mamoudou Athie) na série demonstra a técnica do giz de cera que reinventou a habilidade do scratch, ao conseguir manter a música do disco em um loop infinito - importante figura do cenário do Hip Hop, é retratado na série Hip Hop Evolution através de uma linguagem documental e histórica e como foi essa inovação da técnica de dJing. Essa jornada de Shaolin, junto com Grandmaster Flash representa o arco narrativa em torno da arte do dj na série. 

Boo-boo (Tremaine Brown Jr.) representa o breakdance. Na trama, busca se encaixar junto com seus amigos - citados acima - é quando, então, descobre sua habilidade para a dança e o agito no palco, logo, com maestria canta e dança break nos palcos. Ezekiel, representa o Rap, com sua poesia forte, vindo de uma vivência dura, criado pela tia após a morte trágica dos pais, se envolve na escrita e transpõe todos os seus sentimentos para o papel. Ele fala das dificuldades da sua vida, do seu sentimento com os pais e também do seu amor por Mylene (Herizen Guardiola). Junto com seus amigos, Boo boo, Shaolin, Dizzee e Ra-ra formam o que irá unir todos esses elementos do Hip Hop, em seu grupo de rap The Get Down Brothers


De acordo com Jonhson (2012), as séries contemporâneas são caracterizadas pela multiplicidade narrativa. Com pontua o autor, 

A multiplicidade de linhas é a característica estrutural mais apreciada da moderna dramaturgia televisiva, e certamente merece parte da glória que tem recebido. Quando assistimos TV, identificamos de forma intuitiva, como medida da complexidade de determinado programa, a quantidade de linhas narrativas por episódio. E todas as evidências sugerem que esse padrão vem ascendendo continuamente nas duas últimas décadas (JOHNSON, 2012. p. 33) 

Dessa forma, The Get Down. propõe uma teia narrativa baseada nos quatro pilares do Hip Hop, mas mais que isso, envolve problemas da vida cotidiana de Ezekiel, sua conquista e aproximação que Mylene, a batalha de Mylene para conquistar sua almejada carreira musical, a vivência de Ezekiel e de seus amigos na periferia de Nova Iorque, as tentativas de reestruturar decaído sul do Bronx, constantes inquietações dos personagens e todo o universo que existe dentro da periferia onde se passa a trama. 

Percebe-se, então, a relevância do detalhamento de uma série, ou seja, a composição imagética para sua compreensão. Os produtos audiovisuais que são produzidos atualmente, demandam mais do espectador, demandam mais de sua bagagem e repertório cultural, seja para entender piadas, até para se nortear na história e no universo ficcional. Trata-se de potências e possibilidades, potencialidade interpretativa e possibilidades de linguagens, o universo da série se expande para outros ramos que fogem do tratado ali, abrangendo filmes, roupas, comidas e livros. 

Dessa forma, a complexidade narrativa, está mais que presente nas séries atuais, o público demanda por ela, afinal, um produto audiovisual é comunicação, é linguagem, e é mensagem. E para entender essa complexidade, que é transmitida a nós, espectadores, e para o máximo desfruto desse produto audiovisual, a percepção, interpretação, compreensão dela é essencial. 

REFERÊNCIAS 

JOHNSON, Steven. Tudo que é ruim é bom para você: como os games e a TV nos tornam mais inteligentes. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. 


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