Taylor Swift x Kanye West: A narrativa transmidiática por trás da rivalidade

Na cultura da convergência a construção de narrativas atinge e explora diferentes níveis. Nesse sentido, a mídia e os artistas experimentam novas maneiras de cruzar informações, trabalhar a hipertextualidade e expor narrativas em múltiplas plataformas. Todo esse processo pode ser observado na cultura pop como, por exemplo, nas composições e lançamentos da artista norte americana Taylor Swift que referenciam sua rivalidade com o cantor Kanye West e a retratação da mídia sobre o caso - mesmo que o faça sem consentimento dos conceitos aqui utilizados. 

Neste texto, iremos refletir sobre como essa rivalidade se tornou uma narrativa construída de forma intertextual e transmidiática. Para isso serão analisadas as músicas Innocent, Look what you made me do e This is why we can’t have nice things, de Taylor Swift, considerando os acontecimentos em que foram inspiradas, a importância da intertextualidade e os conceitos de transmídia (JENKINS, 2009) e competência enciclopédica (ANTUNES, 2007). 

Conteúdos que contam histórias em múltiplos meios a partir de elemento não-lineares e interativos são transmidiáticos (JENKINS, 2009). Esses produtos podem ser encontrados nas indústrias do cinema, da televisão e da música. Por isso, é importante saber que a relação dos dois artistas foi retratada e narrada por diversos meios e linguagens, principalmente, por músicas, notícias, videoclipes ficcionais e comentários em redes sociais. E, também, como as músicas e videoclipes se relacionam diretamente com acontecimentos e declarações públicas, é preciso entender melhor o conceito de transmídia discutido por Jenkins (2009, p. 138).

Uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões. Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não seja necessário ver o filme para gostar do game, e vice-versa. Cada produto determinado é um ponto de acesso à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo. 

Também é importante salientar a participação e o uso da competência enciclopédica daqueles que buscam entender a narrativa, como considera Antunes (2007, p. 33). 

Ou, nas palavras de Rabenhorst, podemos dizer que a competência enciclopédica abrange o “registro de funcionamento de uma língua em toda a sua complexidade, contemplando regras de significação e instruções pragmaticamente orientadas” (2002, p. 8). Considero também que a competência enciclopédica abrange um conjunto de competências – competência gramatical, sociolinguística, discursiva e textual – além do conhecimento prévio do leitoracerca do mundo que o cerca. 

Portanto, na narrativa que se deu no caso da rivalidade de West e Swift, também é necessário citar o quão importante é o conhecimento prévio do público e como ele desenvolve uma “maior competência” ao consumir mais de um conteúdo e de mais de uma plataforma. 

O VMA 2009 e o primeiro capítulo 


Em setembro de 2009, a cantora de country Taylor Swift foi convidada ao palco de uma das maiores premiações de música norte americana, o MTV Video Music Awards (MTV, 1986-atualmente), para receber o prêmio de Melhor Videoclipe Feminino conquistado com o single You belong with me. No entanto, a noite foi marcada por uma interrupção em seu discurso de agradecimento. Enquanto a cantora se pronunciava, o rapper Kanye West subiu ao palco e retirou o microfone da mão da jovem de 19 anos para dizer que outra pessoa merecia o prêmio em seu lugar. Estou muito feliz por você, mas Beyoncé tinha um dos melhores vídeos de todos os tempos”, disse o astro sob vaias. Era o primeiro prêmio do VMAs da carreira de Swift, que ficou visivelmente constrangida e sem reação em cima do palco. Na transmissão televisiva, é possível ver como Beyoncè também ficou sem reação e como os artistas e fãs apoiaram Taylor, se levantando e aplaudindo a cantora após a saída de Kanye. 

Não obstante, um pouco depois do incidente, Kanye publicou uma nota pedindo desculpas em seu blog - que não está mais disponível na web. A situação entre os dois ficou em aberto, até a cantora se apresentar na mesma premiação no ano seguinte. 

No VMAs 2010, ela resolve lançar a música “Innocent” em uma performance ao vivo. Mas, antes de Swift começar a se apresentar de fato, um vídeo é exibido fazendo uma retrospectiva do que aconteceu na edição passada em relação ao episódio, colocando Kanye como um grande vilão. Innocent é uma música pop suave, que constrói um discurso com base na visão de Taylor sobre o incidente ocorrido. Na composição autoral, ela diz que o rapper perdeu os limites, mas que ainda acredita que ele pode se tornar uma pessoa boa - ela acredita em sua “inocência”. Porém, Kanye viu isso como um ato mal intencionado de Taylor e declarou, em uma entrevista, que ela estava tentando ganhar fama com isso. 

No primeiro refrão de Innocent, ouvimos a letra: “It's alright, just wait and see / Your string of lights is still bright to me / Oh, who you are is not where you've been / You're still an innocent” (“Está tudo bem, só espere e veja / Seus fios de luz ainda brilham para mim / Quem você é não é onde você já esteve / Você continua um inocente”), que pode ser entendida como uma mensagem positiva e inspiradora para Kanye, dizendo que o que ele fez não define quem ele é. No segundo refrão, Taylor acrescenta a frase “32, and still growing up now”, (“32 anos e ainda continua crescendo”), referindo-se a idade de Kanye e dizendo que ele ainda pode amadurecer e aprender com os erros. 

De acordo com a revista People de Portugal, a letra da música foi uma"bofetada de luva branca" em Kanye West. Três anos se passaram e, em 2013, quando o rapper se tornou pai pela primeira vez, ele deu uma longa entrevista para o jornal New York Times, em que retirou completamente seu pedido de desculpas a Taylor. Consideraremos o VMA 2009, o lançamento de Innocent e a entrevista de Kanye como elementos chave para o primeiro capítulo de toda a história que ainda estava por vir. 

O segundo capítulo (2015 e o lançamento de Famous) 


Em 2015, novamente no Video Music Awards, os dois foram motivos de mais notícias. Taylor foi convidada a entregar o Michael Jackson Video Vanguard para Kanye. Ainda nesse ano, Taylor postou uma foto em seu Instagram mostrando e dizendo que recebeu flores de West. “Awn, Kanye me mandou as flores mais legais!!”, dizia a legenda. Diversos comentários nas redes sociais celebraram o acontecimento. No entanto, em 2016, o rapper lançou a música Famous. Mais um ponto de virada. Considerada misógina e sexista, a letra da canção diz “Eu sinto que eu e Taylor ainda temos que fazer sexo / Por quê? Eu fiz essa vad** famosa” (tradução para os versos em inglês: I feel like me and Taylor might still have sex / Why? I madethat b**** famous”). Em seu Twitter, ele se defendeu dos ataques que recebeu, dizendo que Taylor aprovou a música e achou a letra engraçada, mas a cantora negou. Um pouco depois, Kim Kardashian, esposa de West, postou vídeos que mostravam a voz Taylor em uma chamada com Kanye, aparentemente concordando com os versos. Ela havia dito que não sabia e não concordava com a letra misógina de Famous, mas com os vídeos postados por Kim, sua palavra estava contradita. Taylor publicou uma nota, mas ainda assim não foi convincente para grande parte do público e até mesmo para alguns de seus fãs. Logo, a esposa de Kanye publicou emojis de serpente em seu Twitter, chamando a cantora de “cobra”. Swift recebeu muitos comentários com o mesmo emoji em todas as suas fotos, sendo chamada de hipócrita e mentirosa por milhares de interagentes. 



(Capturas de telas das redes sociais) 

O encerramento: Reputation e This is why we can’t have nice things 

Devido aos acontecimentos do ano de 2016, a reputação de Taylor foi desestabilizada. Antes considerada a queridinha da américa, “american sweetheart” (ANTOSA; BEE, 2018) pelos mais diversos jornais e críticos, agora a cantora estava sendo vista como uma aproveitadora. 

Taylor apagou todas as fotos de suas redes sociais e, aos poucos, anunciou o lançamento de seu primeiro single do álbum Reputation, a música Look what you made me do. A estética trabalhada no álbum foi mais sombria do que qualquer trabalho da cantora feito até então. Os símbolos de cobras e serpentes foram os principais dessa “nova era”, presentes nos clipes e nas apresentações da turnê. E em meio a tanto simbolismo, o lançamento da música, eseu videoclipe, foi justamente durante o VMAs de 2017. Em Look what you made me do, Taylor fala sobre “a morte da antiga Taylor”, crucificada pela mídia e pelos interagentes, após ter, supostamente, mentido. “Eu não gosto de seus joguinhos [...] Nem do papel de trouxa que você me fez fazer. Eu não gosto de você.”, diz o primeiro verso da música, sendo provavelmente direcionado a Kanye, Kim e à imprensa. 

Ainda sobre esse primeiro single, no final do videoclipe, Taylor representa ela mesma em diversos momentos em que foi motivo de notícias e boatos, incluindo o episódio de 2009 em que recebeu seu primeiro prêmio do VMAs.

(Captura de tela do youtube) 

Alguns meses depois, com o lançamento do álbum completo, uma nova música para Kanye se tornou pública, This is Why We Can’t Have Nice Things. A canção resume a relação dos dois desde 2015 sob a visão de Taylor. Ela não cita nomes, mas na canção, a própria cantora reproduz os fatos em uma forma narrativa de sucessão de acontecimentos. 

No primeiro verso, a composição relembra como foi o ano que a cantora e o rapper fizeram as pazes oficialmente, 2015. “E não havia regras quando você aparecia aqui [...] Me senti como Gatsby naquele ano inteiro.”. Até que surge um ponto de virada, referenciando o lançamento de Famous. “Então porque você teve que estragar tudo? / Estou balançando minha cabeça, estou trancando os portões”. No refrão da música, Taylor repete que é por isto que eles não podem ter “boas relações”; porque Kanye sempre estraga tudo. “É por isso que não podemos ter coisas boas, que-rido / Porque você as quebra, eu tenho que jogá-las fora.”. Após o refrão,ela faz uso de uma metáfora para criticar o ato do rapper de ter lançado uma música que a ofende; “Foi tão bom ter sua amizade de novo / Eu estava te dando uma segunda chance / Mas então você me apunhalou pelas costas enquanto apertava minha mão”. Depois, ainda, ela diz sobre como Kanye e sua esposa a enganaram pelo celular, divulgaram a gravação de sua ligação e porque ela “cortou” a amizade entre os dois; “E aí está o problema, amigos não tentam te enganar / Não te ligam e brincam com a sua cabeça / E então dei uma machadada em uma cerca remendada” 

Já na parte mais contrastante da música, Taylor declara um brinde a todas as diversas pessoas que estavam do lado dela no momento em que teve sua reputação manchada; “Um brinde aos meus amigos de verdade / Eles não ligam para o que ele disse, ela disse / E outro para o meu amor / Ele não leu sobre as coisas que estão me chamando / E outro para minha mamãe / Que teve que escutar todo esse drama”. E por último, ela declara o brinde ao rapper. Pedindo perdão. No entanto, o verso acaba com uma risada e uma reviravolta por meio da ironia; “E outro pra você / Porque perdoar é um bom ato / Hahaha, eu nem consigo ficar séria enquanto digo isso”. 

O papel do público e compreendendo a narrativa por completo 

É importante salientar que tanto a intertextualidade presente em Innocent, quanto a fala final do videoclipe de Look what you made me do, a citação presente em Famous, a letra de This is why we can’t have nice things e as postagens feitas nas redes sociais, fazem necessário que o público possua repertório suficiente do caso para poder entender a narrativa como um todo. Isto é, que ele tenha competência enciclopédica. Para isso, é importante para ele que consuma conteúdos das mais diversas mídias. Se falássemos de um padrão ideal de consumo para compreender toda a trama presente da fase inicial até a fase final, esse ideal seria, cronologicamente: ter assistido ao VMA de 2009 na TV, ter lido o texto de desculpas de Kanye em seu blog, assistir a estreia de Innocent no VMAs de 2010, acompanhar o desenrolar nas redes sociais (principalmente no Twitter) e as declarações feitas na mídia, ter assistido a entrega do prêmio Michael Jackson Video Vanguard, ouvido a música Famous, sua repercussão, a contradição de Taylor entre sua declaração e o áudio vazado, e, por fim, desfrutar do álbum Reputation e, mais precisamente, da canção This is why we can’t have nice things, compreendendo o quê e o por quê de cada acontecimento. Além disso, cabe ao público julgar e analisar criticamente as informações e os pontos de vistas expostos, uma vez que existem opiniões muito divergentes sobre qual dos dois estariam certos ou errados em determinados momentos, e isso depende quase que completamente do repertório de cada indivíduo, apesar da presença de tendenciosidades. 

É notório como há muitos elementos e informações por trás de cada conteúdo divulgado sobre a relação “Taylor Swift x Kanye West”. Sejam esses conteúdos: músicas, notícias, videoclipes, comentários ou postagens em redes sociais, eles se complementam e/ou exigem um conhecimento prévio por parte do público, exigindo da competência enciclopédica e exercitando-a. 

A narrativa transmídia se deu por conta das mais diversas plataformas que foram necessárias para se contar essa história. No caso, as músicas, se consumidas separadamente podem não fazer sentido. Mas se consumidas em conjunto com os jornais e as postagens nas redes sociais, a intertextualidade com os acontecimentos ficam totalmente evidentes. 

Referências 

BEZERRA, B.. COVALESKI, R. Pós-modernidade, entretenimento e consumo midiático: a narrativa intertextual Badblood. RuMoRes, v. 10, n. 19, p. 190-208, 2016. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/109269>. Acesso em: 14 set. 2019. 

ANTUNES, M. A. O respeito pelo original - Uma análise da autotradução a partir do caso de João Ubaldo Ribeiro. Tese de doutorado. Programa de Pós graduação da PUC-Rio, 2007. Disponível em: < https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSeq=9825@1>. Acesso em: 14 set. 2019. 

BEE, J; ANTOSA, H. A reputação de Taylor: uma análise sobre a construção da identidade da cantora Taylor Swift. Anais...XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul Joinville: Intercom, 2018. Disponível em: < http://portalintercom.org.br/anais/sul2018/resumos/R60-1421-1.pdf>. Acesso em: 14 set. 2019. 

JENKINS, H. Cultura da Convergencia. São Paulo: Aleph, 2009


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