RuPaul’s Drag Race e o reforço da homonormatividade no meio LGBT+

SE VOCÊ AINDA NÃO ASSISTIU A SEASON FINALE DA ÚLTIMA TEMPORADA DE RUPAUL’S DRAG RACE, VÁ ASSISTIR E DEPOIS VOLTE (é para voltar mesmo) PARA LER O TEXTO. OKUUURRR?! 


No último dia 30 de maio, RuPaul’s Drag Race (Netflix, 2009 – atual) chegava ao fim de sua décima primeira temporada. O reality, apresentado por RuPaul Charles, busca a American’s Next Drag Superstar (próxima grande estrela drag americana, no português). Com 15 participantes, esta temporada contou com grande diversidade de queens. Uma drag muçulmana (Mercedes Iman Diamond), outra coreana (Soju) e uma vietnamita (Plastique Tiara), ou seja, queens de diversos lugares do mundo. 

Além disto, foi a temporada em que quase todas as participantes eram filhas (na cultura drag é comum uma queen amadrinhar outra) de outras drags que já participaram do programa em outras temporadas. Kahanna Montrese é filha de Coco Montrese, Honey Davenport, A’keria C. Davenport e Ra’Jah O’Hara são todas da House of Davenport (casa de Sahara Davenport (RIP), Kennedy Davenport e Monét X Change), Plastique Tiara é filha da lendária Alyssa Edwards, Scarlet Envy é filha de Pearl (Do I have somenthing on my face?) e Vanessa Vanjie Mateo, participante que retornou da décima temporada para esta, é filha de Alexis Mateo (Bamm!). 

Participantes da 11ª temporada de RuPaul’s Drag Race 

Diversidade? 

O programa, que já coroou mais de dez queens, é conhecido por sua pouca variedade no Hall Of Fame, a maioria das vencedoras é branca, além de magras. Na décima temporada, foi visível o aumento de queens negras no cast, porém, somente duas big girls (gordas). RuPaul argumenta que Drag é sobre não levar a vida tão a sério (RUPAUL, 2010), as queens devem promover o amor e se aceitar como são (If u can’t love youself, how in the hell you’re gonna love somebody else?) Entretanto, não é a mensagem que o programa passa sempre. 

Para Edgar (2011) o reality repreende as queens por parecem masculinas, contribuindo para uma visão limitada do que é ser drag, pois as críticas estão sempre voltadas para que as queens se pareçam mais femininas e menos andrógenas. É notável que as participantes que não seguem estas “regras” e possuem um visual fora dos padrões são as primeiras a serem eliminadas no programa. Entretanto, apesar de levar debates a respeito de aceitação e gênero para o público, a atração acaba promovendo apenas questões que reforçam causas homonormativas, justamente por serem mais aceitas no mainstream. Desta forma, contribuindo para uma cultura homossexual baseada em culturas heteronormativas dominantes, “[...] enquanto se compromete com a possibilidade de um eleitorado gay desmobilizado e uma cultura gay privatizada e despolitizada ancorada na domesticidade e consumo”. (DUGGAN, 2002, p. 179 apud LEMASTER, 2015, p. 184). Lucrando com causas políticas homonormativas e reforçando as questões de gêneros impostas pela sociedade heteronormativa (MORRISON, 2014). 

Por mais que o reality tenha contado com figuras icônicas (Mystique, Stacy Layne Matthews, Delta Work, Latrice Royale, Eureka O’Hara, entre outras) que não se encaixam nos padrões já citados, em onze temporadas regulares e quatro All Stars, o programa conta apenas com cinco vencedoras negras (Bebe Zahara Bennet, Tyra Sanchez, Bob The Drag Queen, Monét X Change e Yvie Oddly), uma asiática (Raja), todas as outras nove são brancas, e nenhuma das quinze são gordas. 

Condragulations Yvie 

Entrada de Yvie Oddly 

Yvie Oddly, veio desde o início do programa discursando sobre como era fora do padrão e, inclusive em um episódio relatou para as queens sofrer da síndrome de Ehlers Danlos, podendo perder parte de sua mobilidade a qualquer momento de sua vida, porém, nunca usou disto para se vitimizar. A participante apresentou looks totalmente fora do padrão das demais queens do programa e, quando cobrada pelos jurados por ser mais fashion na passarela, ela conseguiu entregar looks sem perder sua essência. Além de trazer elementos autênticos e originais para a competição, muitas pessoas se identificaram com ela devido seu discurso de ter sempre sido apontada como “a estranha” em toda sua vida, de sempre receber olhares estranhos das pessoas, o que, infelizmente, é comum na comunidade LGBT+. 

Yvie venceu apenas um desafio no reality, que foi um de atuação, porém, se manteve no auge em quase todos os demais testes do programa. A única vez em que precisou dublar no programa, foi contra a amiga, que curiosamente foi a queen com quem dublou contra para garantir a coroa, Brook Lynn Hytes. Este lipsync, já considerado lendário, elas dublaram Sorry Not Sorry, de Demi Lovato. Neste momento, Yvie apresentou toda sua flexibilidade e movimentos diferentes, fazendo com que fosse considerada, junto de Brook, uma lipsync assassin por RuPaul, e as duas permaneceram no programa. 


É notável que o programa está aos poucos mudando, esta última temporada apresentou queens com características físicas e de personalidades diferentes Entretanto, ainda existe um longo caminho de desconstrução de estereótipos a ser feito, visto que o reality tem grande audiência e influência no meio LGBT+. Desta forma, observa-se que Yvie Oddly subverteu tudo o que era usual no programa, trazendo elementos estéticos fora do padrão, e mesmo assim sendo aceita e notada por todos, fazendo com que ela levasse a coroa para casa. Com toda sua “estranheza”, Yvie entra no seleto Hall of Fame de RuPaul’s Drag Race, trazendo mais diversidade para este espaço e dando voz a outras pessoas que se sentem como ela. 


Referências

CASTELLANO, M; MACHADO, H. “Please, come to Brazil!”: as práticas dos fãs brasileiros do reality show RuPaul’s Drag Race”. Rumores, , v. 11, n. 21, INSERIR PÁGINAS ,2017. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/116147/130192>. Acesso em: 16 jun. 2019. 

EDGAR, E. “Xtravaganza!”: drag representation and articulation in “’RuPaul’s Drag Race”. Studies in Popular Culture, New Yourk, v. 34, n. 1, p. 133-146, 2011. 

LEMASTER, B. Discontents of being and becoming fabulous on RuPaul’s Drag U: queer criticismo in neoliberal times. Women’s Studies in Communication, Indianapolis, v. 38, n. 2, p. 167-186, 2015. 

MORRISON, J. Draguating to normal. In: DAEMS, J. The makeup of Rupaul’s Drag Race: essas on the queen of reality shows. Jefferson: McFarland, 2014, p. 124-148. 

RUPAUL, C. Workin’it: RuPaul’s guide to life, liberty, and the pursuit of style. New York: Harper Collins, 2010. 

MARINHO, G. Yvie Oddly, estranha e poderosa. Draglicious, Online, 2019. Disponível em: <https://draglicious.com.br/2019/05/29/s11-yvie-oddly-estranha-e-poderosa/>. Acesso em: 16 jun. 2019. 

FRANK, G. Yvie Oddly prova não existirem padrões para definir o que é ser drag queen. Universa, Online, 2019. Disponível em: <https://universa.uol.com.br/noticias/redacao/2019/05/31/yvie-oddly-prova-nao-existirem-padroes-para-definir-o-que-e-ser-drag-queen.htm>. Acesso em: 16 jun. 2019. 

FANDOM. RuPaul’s Drag Race Wiki. Disponível em: <https://rupaulsdragrace.fandom.com/wiki/RuPaul%27s_Drag_Race_Wiki>. Acesso em: 16 jun. 2019.


0 Comentários