The Umbrella Academy: Um olhar sobre a família Hargreeves

The Umbrella Academy chegou ao catálogo da Netflix em fevereiro deste ano com a proposta de “brincar” com o gênero de herói na plataforma de streaming. A série é inspirada na HQ homônima criada por Gerard Way (ex vocalista do My Chemical Romance) e ilustrada pelo brasileiro Gabriel Bá. A historia tem início após um evento estranho no na qual 83 crianças nascem de mulheres que não apresentavam nenhum sintoma de gravidez. Logo em seguida ao evento, um excêntrico bilionário chamado Reginald Hargreeves adota 7 destas 83 crianças e as treina para se tornarem super-heróis, formando assim a Umbrella Academy. A trama foi um sucesso na plataforma de acordo com Parrot Analytics, que constatou que a série foi uma das mais vistas nos EUA, dentro do streaming. 

As séries televisivas estadunidenses entre as décadas de 1960 a 1980 tinham como padrão tramas com os personagens simpáticos, bonitos e heróicos. Segundo Mittel (2015a apud CASTELLANO; MEIMARIDIS, 2018, p. 2) era desejável que os personagens das séries fossem “[...] pessoas que você convidaria para a sua casa toda a semana” como, por exemplo, o Capitão Kirk e os integrantes da Enterprise em Star Trek (NBC, 1966-1969). Só que a partir da década de 1980 essas narrativas ficaram desgastadas e previsíveis gerando um desinteresse do público em tais produções. 

Na década de 1990 com a popularização da televisão a cabo e a percepção de que o público gostava de narrativas com personagens que fugissem do maniqueísmo de heróis versus vilões, o canal HBO começou a investir em tramas com personagens antipáticos, com algum dilema moral tais como os protagonistas de Oz (HBO, 1997-2003) e The Sopranos (HBO,1999-2007). The Umbrella Academy segue esse padrão para desenvolver sua narrativa, pois seus “super-heróis” possuem defeitos e passam por dilemas que os tornam atraentes, despertando assim a atenção dos telespectadores 


A trama começa após a notícia de que Reginald Hargreeves (Coelm Feore) morreu misteriosamente e os filhos agora adultos se reencontram para descobrir a causa da morte e enfrentar um perigo iminente para a sociedade, o apocalipse. O desenrolar da história gira em torno dos seis filhos - Luther, Diego, Klaus, Number Five, Allison e Vanya - que são adultos disfuncionais e com muitos problemas pessoais e psicológicos por conta da sua péssima infância, baseada no árduo treinamento e tornarem super-heróis. 

O número um ou Luther Hargreeves (Tom Hopper), tinha tudo para ser o típico estereótipo de personagem com áurea de super-man (JOST, 2012 apud MEIMARIDIS; URBANO, 2018, p.322). Porém, é inseguro, sem confiança em si próprio e nos seus irmãos, além de ser facilmente manipulado principalmente pelo pai para o qual ele sempre quis se provar digno de ser o líder da Umbrella Academy. Sendo assim o extremo oposto do que o termo proposto por Jost (2018) sugere, isto é, brincando dentro do universo com essa áurea típica que líderes de equipes de super-heróis têm. 

Diego Hargreeves (David Castañeda) ou número dois, à primeira vista, é apenas um típico bad-boy esquentado que acha que tudo se resolve com violência e com seus poderes. Ele a princípio parece não se importar com os irmãos e a morte do pai, que nunca tratou nenhum deles com algum carinho, mas ao decorrer da trama vemos que o personagem sempre teve dificuldades de demonstrar a suas emoções por querer se mostrar forte diante dos demais. 

Klaus (Robert Sheehan) é em um primeiro momento o alivio cômico com seu jeito despreocupado e seus problemas com drogas. Mas quando compreendemos seus poderes e seus problemas de infância (que foram explorados no episódio 4 - Sentado na Lua), ele se torna um personagem complexo. O dom de Klaus serve para que o irmão que está morto apareça como uma amizade e um ponto de controle para Klaus usar seus poderes com sabedoria, além de ser uma ponte entre o irmão morto e os outros seis vivos. O arco do personagem também envolve uma viagem no tempo para a guerra do Vietnã, na qual ele conhece um interesse amoroso, que morre no meio da guerra e mesmo com seus poderes ele não consegue contatar o que seria o amor de sua vida. 

O número cinco (AidanGallagher) é uma sátira em relação aos irmãos, pois é o mais inteligente e maduro dos irmãos e tem apenas 13 anos, ou melhor, está preso em um corpo de 13 anos, já que sua habilidade é saltar no tempo e em um dos seus saltos ele acabou ficando preso no futuro apocalíptico e cresceu nesta temporalidade tentando voltar para casa. Por ser o único que compreende a situação e os inimigos que enfrentam, o personagem é o mais apto a ser o líder, o que faz a sátira ser mais evidente do mais “jovem” dos irmãos ser o mais maduro. 

O pai, Reginald Hargreeves (CoelmFeore), em toda série, parece ser um personagem raso, ou seja, um estereótipo de um pai frio e abusivo.Porém, no decorrer da narrativa se compreende o porquê de suas atitudes para com os filhos, e principalmente com Vanya (Ellen Page). 

Allison (Emmy Raver-Lampman) e Vanya (Ellen Page) são personagens denominadas de “mulheres difíceis” (CASTELLANO, 2018), por serem uma variação feminina do termo do livro Difficult Man de Brett Martin (2013). Em outras palavras, elas saem dos estereótipos de serem as mulheres do lar e que vivem a partir de conquistar seus pares românticos ou serem escadas para as personagens principais homens, ou seja, as anti-heroínas das séries contemporâneas são tão complexas quanto os seus respectivos do sexo oposto. Allison possui o poder de manipular as pessoas pela sua voz e assim recebeu o nome heróico de Rumor, e ela é uma personagem narcisista por conta de sempre conseguir o que quer. Entretanto isso lhe trouxe consequências como, por exemplo, perder a guarda da filha por usar os poderes na criança e, consequentemente destruir seu casamento. 

Vanya (Ellen Page) já encontra outros problemas por ser em um primeiro momento a única da família sem poderes.Ela era excluída e deixada de lado.Então, foi viver sua vida longe dos irmãos. Sua relação com o pai sempre foi conturbada, porque o pai nunca a deixou participar dos treinamentos dos irmãos e sempre evidenciando que a personagem não tinha poderes. Os irmãos, como nunca tiveram tanto contado com ela, acabavam a excluindo de tudo, até a vida adulta. 

Essa relação entre a família e Vanya (mostrado no episódio O dia que não aconteceu) é o estopim para o apocalipse que os heróis querem tanto evitar, pois a personagem tem poderes que sempre foram reprimidos e no momento em que foram descobertos por ela, que não conseguia controlá-los, acabaram sendo usados para o mal, tornando-a vilã da trama. 


The Umbrella Academy é uma serie que explora as emoções destrutivas de seus personagens ambíguos, alguns até antipáticos e cheios de defeitos, para criar uma atmosfera que permite ao telespectador se identificar de algum modo com eles. 

Seus personagens cheios de camadas conseguem dividir opiniões sobre cada um dos membros da família Hargreeves e assim elevar a trama para algo além de um drama de heróis de dez episódios. Com discussões sobre o que é família, paternidade abusiva e suas consequências na vida adulta das pessoas, traumas de infância, The Umbrella Academy se torna uma série complexa que mexe com subgênero no âmbito da ficção seriada. 


Referências: 

CASTELLANO, Mayka; MEIMARIDIS, Melina. “Mulheres Difíceis”: A anti-heroína na ficção seriada televisiva americana. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p.1-23, jan./abr. 2018. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/27007/16243. Acesso em: 3 jun. 2019. 

MARTIN, Brett. Homens Difíceis – Os Bastidores do processo criativo de Breaking Bad, Família Soprano, MadMen e outras séries revolucionárias. São Paulo: Aleph, 2014. 

MEIMARIDIS, Melina, URBANO, Krystal Cortez Luz. A jornada do antí-heroi: uma análise da complexidade narrativa em breakingbad. Revista Fronteiras, v.20, n.3, p.321-333, set./dez. 2018. Disponível em: http://revistas.unisinos.br/index.php/fronteiras/article/viewFile/fem.2018.203.05/60746663. Acesso em: 3 jun. 2019. 

The Umbrella Academy: Série é o maior sucesso de audiência em streaming da atualidade, Observatorio do cinema, Online, 2019. Disponível em:https://observatoriodocinema.bol.uol.com.br/series-e-tv/2019/02/the-umbrella-academy-serie-e-o-maior-sucesso-de-audiencia-em-streaming-da-atualidade. Acesso: 13 mai. 2019.

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