Thank U, Next: o marketing por trás de recordes

Lançado em novembro de 2018 o single Thank U, Next, da cantora estadunidense Ariana Grande, se tornou o mais novo fenômeno da indústria musical. O clipe bateu os recordes de mais assistido em 24 horas e maior número de visualizações simultâneas (829 mil pessoas assistindo ao mesmo tempo), e ainda alcançou 100 milhões de visualizações no YouTube com pouco mais de três dias de lançamento. 



Assim como a maioria das obras audiovisuais contemporâneas, o clipe da música é recheado de referências e intertextualidades. “Thank U, Next” resgata quatro filmes populares dos anos 2000. Os filmes são: Meninas Malvadas (Mean Girls, 2004), As Apimentadas (Bring It On, 2000), Legalmente Loira (Legally Blonde, 2001) e De Repente 30 (13 Going on 30, 2004). Apesar destes elementos não interferirem necessariamente no entendimento da narrativa, eles foram extremamente importantes para que a obra se propagasse tanto nas redes sociais quanto nos noticiários. O clipe inteiro é feito com reconstruções de cenas que são até hoje memoradas através de memes, GIFs e citações. Uma obra minuciosamente trabalhada com inúmeras camadas interpretativas, fotograficamente bela e certamente inteligente. 



Na contemporaneidade a mídia vive da propagação mais do que da distribuição tradicional, mainstream. Como pontuam Jenkins, Green e Ford (2014): se algo não se propaga, está morto. O sucesso por trás de Thank U, Next se deve não somente à música ter um ótimo gancho no refrão (capaz de grudar na cabeça de qualquer um), mas também devido a participação do público, a expectativa gerada e a afetividade criada. Neste contexto, para entender melhor esse fenômeno é importante, antes de tudo, compreender o ambiente no qual ele foi concebido — era da cultura e das mídias digitais em que surgem conceitos importantes, como o de economia afetiva e de cultura participativa. Neste ambiente midiático a hierarquia de fluxo de conteúdo é horizontal e não vertical, ou seja, os conteúdos são produzidos e distribuídos tanto pelo produtor tradicional quanto pelo consumidor. Além disso, esse consumidor se tornou mais ativo e faz muito mais do que compartilhar conteúdos prontos. Ressaltando a importância de haver espaço para a participação e a expressão do público consumidor, nota-se que, em grande parte, é ele quem faz um conteúdo midiático circular, propagar e obter maior alcance. Justamente por esses motivos que a obra aqui analisada se faz pertinente. As estratégias de marketing, os modos de participação propostos e a afetividade criada pela produção de Thank U, Next são, incrivelmente, uma nítida exemplificação prática dos conceitos de Jenkins (2008) e Jenkins et al. (2014). 

A participação do público como construção do fenômeno 

A música e seu videoclipe, ambas produzidas pela Universal Republic Records, uma produtora californiana de grande porte, certamente passaram pelas mãos de profissionais de marketing que, mesmo tentando prever os textos, memes e outros possíveis conteúdos e interações que a comunidade poderia expressar, não conseguiram imaginar o poder o seu propagação. Tudo em torno do hit foi pensado para ser grande, para fazer sucesso, justamente para “hitar”. Mas o quanto isso iria dar certo? Ninguém conseguiria dizer com exatidão! O fato é: deu certo. Essa produção, esse compartilhamento e essa interação possível por meio dos consumidores é o que Jenkins et al. (2014) conceituam como cultura participativa. Como pontuam os autores, 

O público não é mais visto como simplesmente um grupo de consumidores de mensagens pré-construídas, mas como pessoas que estão moldando, compartilhando, reconfigurando e remixando conteúdos de mídia de maneiras que não poderiam ter sido imaginadas antes. (JENKINS et al, 2014, p. 20) 

Trazendo as discussões de Jenkins et al (2013) para o videoclipe de Ariana Grande, nota-se que as mensagens passadas por meio dele precisam de um complemento para serem entendidas como um todo. Isto é, a bagagem cultural de cada um que está assistindo é levada em conta e influencia na experiência. Cabe ao público completar a mensagem por meio de seus conhecimentos prévios ou de informações disponíveis na internet e em comunidades online. Em um “cenário ideal” da cultura participativa, as pessoas que já assistiram todos os filmes referenciados supostamente entendem o conceito da obra e chegam ao ápice da experiência, compartilhando o conteúdo e produzindo outros a partir dele. Enquanto isso, os que não perceberam todas as referências, buscariam ativamente conteúdos complementares e discussões participativas. Atualmente, existem fóruns e sites de discussões sobre diversos conteúdos de mídias. Um exemplo bastante comum é o das enciclopédias livres (wiki), em que as pessoas podem ir atrás de novas informações e compartilhar as já adquiridas, construindo conteúdo em cima de conteúdo. 

A cultura participativa também pode ser notada não somente nas referências presentes no videoclipe, mas também no modo em que as ações de divulgação do clipe e do álbum homônimo da cantora funcionaram. No Brasil, a Universal Music impulsionou duas “campanhas”. Na primeira, através de um hotsite, o público era capaz de enviar mensagens de texto com trechos das músicas do álbum “Thank U, Next” para seus ex-namorados ou crushes, tudo através de poucos cliques. Ao dar a oportunidade do consumidor de produzir conteúdo, indo ir além da barreira produtor-consumidor, a gravadora explora novos campos de participação. Enquanto na segunda campanha, uma escultura de areia foi construída e exibida na Praia de Copacabana. A intenção era fazer com que a escultura gerasse conteúdo nas redes sociais por meio da hashtag #thankunextBR e se promovesse com a participação dos interagentes. As pessoas podiam tirar fotos ao lado da escultura e postar em suas redes sociais, contribuindo, mesmo que indiretamente, para a propagação. 

A afetividade construída por meio das estratégias de marketing 

O conceito de Economia Afetiva é definido por Jenkins (2014, p. 97) como “[...] uma nova configuração da teoria de marketing [...] que procura entender os fundamentos emocionais da tomada de decisão do consumidor como uma força motriz por trás das decisões de audiência e de compra”. Ou seja, recorrer aos filmes antigos, que já possuem um nome consolidado e que são até mesmo considerados clássicos dos anos 2000, foi também, recorrer ao sentimento de nostalgia, saudade e identificação do público. 

Assim que a música foi lançada, em 3 de novembro de 2018 (quase um mês antes do videoclipe oficial), os fãs criaram teorias sobre o videoclipe com base em pistas deixadas pela produtora. A capa do single foi construída com uma tipografia parecida a de um livro que aparece no longa Meninas Malvadas. E adivinhe só? Nas redes sociais os fãs já começaram a especular e compartilhar suas impressões. Além disso, diversas pistas foram postadas no Instagram da cantora, periodicamente ela revelava quais filmes estariam presentes no clipe e os atores que estariam participando. Isso ajudou a gerar expectativa, além da nostalgia nas pessoas que assistiram um ou mais filmes dentre os divulgados. Também é importante lembrar que essas pistas não servem somente para gerar expectativa em cima do público, mas como uma forma de medir a recepção e a interação do mesmo. 

Essa geração de expectativa é uma característica fundamental em tempos de um marketing afetivo. Prometer aos fãs desses filmes de comédia que eles serão ressignificados é incentivar a propagação da música e do clipe de Ariana Grande para além do seu nicho padrão. Nesse caso, essa intertextualidade leva Thank U, Next aos fãs da cantora, aos fãs desses filmes de comédia e aos fãs de cultura pop no geral. De fato, é um estímulo a mais que leva o público a se sentir atraído pelo conteúdo, assim como na análise do reality show American Idol (2002-atual, ABC), em que Jenkins (2014) utiliza como base para seu texto sobre economia afetiva. 

American Idol
American Idol oferece uma fantasia de poder – aos “Estados Unidos” cabe “decidir” sobre o próximo ídolo. Essa promessa de participação ajuda a construir os investimentos dos fãs, mas também pode levar a equívocos e decepções, quando os espectadores sentem que seus votos não foram levados em conta. (JENKINS, 2014, p. 99) 

Em relação a American Idol, essa fantasia de poder criar uma relação afetiva com público, a empresa produtora do conteúdo diz, de forma indireta, se importar com o voto de cada pessoa e com a opinião de cada um. Eles reforçam que é “você quem decide o próximo ídolo da américa”. E de fato, é uma responsabilidade enorme que demonstra um grande ato de confiabilidade, o que também pode gerar sentimentos de decepção, como Jenkins (2014) relata. 


No clipe da artista, há uma série de relações que nos remetem a essas novas configurações comunicacionais. Tanto a escolha de ressignificar filmes clássicos e a geração de expectativas sobre o clipe, quanto os conteúdos produzidos a partir dele, levaram (e ainda levam) o mais recente trabalho de Ariana a se propagar na internet. E é isso que se deve ter em mente ao considerarmos os fenômenos que a música e o clipe se tornaram e os recordes que alcançaram. Também é importante salientar o quão impactante são as estratégias de marketing que levam a construção de afetividade com o público, e o quão necessário é a presença de possibilidades de participação. Na contemporaneidade, o engajamento perpassa por questões afetivas e de participativas. Desta forma, um público afetivamente comprometido tende a participar mais, e um público mais participativo tende a sentir maior afetividade pelo que está participando. 


Referências 

JENKINS, H. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008. 

JENKINS, H. et al. Cultura da Conexão - Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.



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