Memes na TV? Isso a Globo não mostra!



Era domingo, dia 20 de janeiro de 2019. Tudo ocorria dentro da normalidade. O Fantástico (1973-presente, Rede Globo) terminava mais uma de suas edições, quando, de repente, chuviscos tomam conta da imagem e “tira do ar” a maior emissora do país. A partir daí, é mostrado um computador sendo invadido e na tela surge uma frase muito comum quando se quer criticar possíveis omissões feitas pela emissora: “Isso a Globo não mostra”.

Seguindo a linha dos recentes projetos do núcleo de humor da emissora (Tá no Ar: a TV na TV (2014-2019, Rede Globo), Zorra (2015-presente, Rede Globo), Choque de Cultura na Globo (2018-presente, Rede Globo), supervisionados por Marcius Melhem e Daniela Ocampo, o Isso a Globo não mostra (2019-presente, Rede Globo) apresentou-se como um Video Show (1983-2019, Rede Globo) às avessas. Tratou de utilizar-se do vasto acervo do canal, porém com o intuito de rir de si mesma, valendo-se de altas doses de ironia e deboche. Chamou atenção também a crítica política com o uso imagens do jornalismo da emissora,mistura essa que já havia sido, de certo modo, testada no especial A gente riu assim (2018, Rede Globo), apresentado por Dani Calabresa e Marcelo Adnet no final do ano passado. O quadro trouxe a linguagem e o humor comuns na internet para o horário mais nobre da televisão.

Quem se surpreendeu com a intervenção no Fantástico só obteve resposta do que era aquilo no dia seguinte, quando entrevistas feitas com Melhem foram publicadas pelos principais veículos de comunicação do país. Na conversa com o jornal O Globo, por exemplo, o humorista afirmou que o formato teria apenas mais três edições,o que se provou o contrário, já que devido ao sucesso de seus esquetes nas redes sociais, apresentou mais que o dobro das edições previstas e ganhou até mesmo chamadas especiais durante a programação da emissora.

Grande parte dos comentários estão relacionados aos memes criados pela equipe de redatores e que surtiram o efeito desejado entre os usuários da internet. O termo meme, cunhado por Dawkins (2001), designa ideias que podem ser perpetuadas por meio do compartilhamento entre pessoas. Nesse contexto, traça-se um paralelo entre a evolução cultural e o evolucionismo de Darwin, em que “[...] o meme é o ‘gene’ da cultura, que se perpetua através de seus replicadores, as pessoas” (RECUERO, 2007, p. 23). Já Blackmore (2000) argumenta que “[...] os memes não são somente ideias, mas comportamentos que se replicam socialmente [...]” e que necessitam de uma mídia para serem propagados (TOTH; MENDES, 2016, p. 214). Entretanto, pesquisadores como Davison (2012), Knobel e Lankshear (2007) estabeleceram o meme como um gênero midiático novo, deixando de ser reproduzido por uma mídia para tornar-se propriamente mídia (TOTH; MENDES, 2016).

Um dos memes mais famosos de Isso a Globo não mostra é, sem sombras de dúvidas, o dos “três reais”. Na cena do programa É de casa (2015 – presente, Rede Globo), a artesã Raquel Amaral ensina a confeccionar uma carteira utilizando como base uma caixa de leite. A apresentadora Ana Furtado questiona o preço de custo do produto, recebe como resposta o valor de três reais e fica surpresa com o preço, repetindo-o. A artesã responde novamente e segue sua produção. No quadro do Fantástico, exibido em 27 de janeiro de 2019, o humor está na repetição. O diálogo é reproduzido por mais de meio minuto, com Furtado e a artesã dizendo“três reais” por diversas vezes. O público tomou gosto da reedição e tratou de metamorfosear o meme, criando versões dubladas em outras línguas. Até mesmo uma nota de três reais com o rosto da artesã fora criado. O programa mimetizado acabou embarcando na popularidade do quadro, promovendo o reencontro entre Ana e Raquel, que assistiram e comentaram os memes compartilhados na rede. A equipe do quadro do Fantástico também aproveitou a presença da artesã nos Estúdios Globo para gravar um “top de três reais” para a próxima edição. Dessa forma, a emissora usufrui da popularidade da atração para promover-se e gerar uma retroalimentação de seu conteúdo.
 

O programa também faz uso de assuntos que já estão em voga nas redes sociais para fazer graça. É o caso do “surubão de Noronha”, suposta festa erótica envolvendo atores globais no arquipélago pernambucano, que foi divulgada por um perfil anônimo no Instagram. No quadro exibido em 3 de março de 2019, o caso foi citado por duas vezes: a primeira trouxe uma reedição de reportagem feita pelo repórter Francisco José em Fernando de Noronha. Em uma passagem, o jornalista mostra uma pedra e explica onde fica localizada a praia de Cacimba do Padre; ele diz: “Fernando de Noronha. Ali, antes do morro dos Dois Irmãos, fica Cacimba do Padre, que é paraíso dos su…”. Nesse momento, a fala de José é cortada e substituída por um bip de censura, dando a impressão que ele referia-se ao caso divulgado nas redes sociais. Adiante, no final do quadro, em paródia da música “Globeleza” - tema das transmissões carnavalescas da emissora - o caso é novamente citado em trecho que diz: “Tem ator e atriz (ator e atriz). / Lá em Noronha com certeza. / Pois hoje é Carnaval”.


Com Isso a Globo não mostra, a Rede Globo passa a utilizar uma linguagem proveniente da internet para fazer humor na TV aberta, rindo de si mesma e, desse modo, “institucionalizando” o meme e deixando transparecer o desejo de atualizar-se e recuperar o público que, cada vez mais, migra para o ambiente virtual. Além disso, o ato de ressignificar seus conteúdos utilizando esse tipo de linguagem contribui para a divulgação efetiva de seus programas nas redes sociais.

Referências:

BLACKMORE, S. The powe rof memes. In: Scientific American, v. 283, n. 4, 2000. Disponível em: <https://goo.gl/3jNNXy>. Acesso em: 18 mar. 2019.

DAVISON, P. The language of internet memes. In: MANDIBERG, M. (org.). The social media reader. Nova Iorque: NYU Press, 2012.

DAWKINS, R. O Gene Egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001.

KNOBEL, M.; LANKSHEAR, C. New literacies: everydaypracticesand social learning. Nova Iorque: Open University Press, 2011.

RECUERO, R. Memes em weblogs: proposta de uma taxonomia. In: Revista Famecos, v. 14, n. 32, p. 23-31, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/PU6zrL>. Acesso em: 18 mar. 2019.

TOTH, J.; MENDES, V. Monitorando memes em mídias sociais. In: SILVA, T.; STABILE, M. (Orgs.). Monitoramento e pesquisa em mídias sociais: metodologias, aplicações e inovações. São Paulo: Uva Limão, 2016, p. 211-234.

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