A representação LGBT+ na ficção seriada: o marco de Queer as Folk



Em 3 de dezembro de 2000 estreava nos Estados Unidos a emblemática Queer as Folk (2000-2005, Showtime). Baseada na série homônima produzida pelo pelo canal britânico Channel 4 em 1999, a produção revolucionou a televisão estadunidense ao apresentar inovações na forma de representar a comunidade LGBT+. Centrada em um grupo de amigos bastante heterogêneo, o piloto começa com uma importante colocação de Michael Novotny (Hal Sparks): “o que você precisa saber é: é tudo sobre sexo”. De fato, a alternância presente entre a exploração da sexualidade e aspectos psicossociais dos personagens ao longo da trama iniciou um processo de humanização da população LGBT+ na ficção televisa.

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Conforme aponta Fuss (1991), a compreensão do exterior à essas categorias sociais, ou seja, o entendimento quanto a estruturação da heterossexualidade, está ligada à incorporação de uma imagem negativa. Segundo a autora “esse processo de interiorização negativa envolve enxergar a homossexualidade de dentro pra fora, expondo não o homossexual como abjeção interna, mas sim como a abjeção em si; como o contaminado e expurgado que integra o sujeito heterossexual (FUSS, 1991, p.3) [1].

Apresentado de modo desviante ao que circulava no meio televisivo até então, Queer as Folk retrata os personagens como seres sexualmente ativos e multifacetados: suas vidas perpassam a esfera sexual, mas não se restringem a ela. O próprio trailer original de divulgação do seriado determina o tom da narrativa: homossexuais têm relações sexuais; realidades complexas; trabalham; formam famílias e estão inseridos na sociedade com suas particularidades. Nesse sentido, também são incluídas na narrativa questões específicas da população LGBT+. Tais como a aproximação do que é tido como naturalmente feminino e suas consequências; a busca irreal por padrões estéticos e problemáticas relações que se formam centradas nesse aspecto; o modus operandi das instituições e a luta por legitimidade.

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A segmentação e a televisão gay


Conforme discutido por Gross (2001), Becker (2006), Avila-Saavedra (2009) e Goltz (2010) a presença de personagens gays e lésbicas na ficção televisiva estadunidense pode ser percebida desde a década de 1970. No entanto, a amplitude dessa representação foi muito restrita até meados da década de 1990. Cabe ressaltar que a televisão é um serviço diretamente relacionado à estruturação da sociedade na qual está inserida. Raboy (1996, p. 297-70 apud BORGES, 2014, p. 25), indica que a televisão “[...] é o resultado de uma interação complexa de várias atividades desenvolvidas por diversos atores nas esferas social, cultural, política e econômica”.

Neste sentido, vários aspectos colaboraram para que as empresas de mídia começassem a incorporar cada vez mais temáticas relacionadas à população LGBT+ em sua programação de maneira geral como, por exemplo, a ação de movimentos sociais pelos direitos dessas categorias sociais; discussões na sociedade civil sobre sexualidade e identidade de gênero assim como uma mudança nas políticas exploração econômica dos canais (BECKER, 2006).

Notavelmente a competividade entre uma enormidade de canais ofertados nos Estados Unidos tem amplo reflexo sobre a programação. O valor agregado, possível ou atual, advindo dos índices de audiência está amplamente alocado no espaço de decisões das companhias. Em meados da década de 1990, a estrutura da análise desses índices sofreu uma grande mudança. Se antes as métricas consideravam uma audiência homogênea, nesse momento os anunciantes passam a buscar nichos específicos: divididos por raça, gênero, e especialmente faixa etária (primordialmente dos 18 aos 49 anos), muito devido à amplificação dos canais a cabo (BECKER, 2006, p. 80-83).

Conforme aponta Becker (2006, p. 80-87), durante a década de 1970 grande parte dos lares americanos recebiam o sinal de três grandes canais: a NBC, a ABC e a CBS. As Big 3 dominavam o mercado e, por consequência, precisavam de pouco esforço para manter a audiência e os lucros com publicidade. Já no início da década de 1980, o marketing segmentado, baseado em nichos de audiência, crescia exponencialmente como modelo de negócios ditado pelos anunciantes e pelas agências. Desse modo, iniciava-se uma nova Era na televisão estadunidense passando do broadcasting (comunicação de massa) para o narrowcasting (comunicação segmentada). Em meados de 1990, o mundo publicitário já era completamente diferente e continuava a mudar com advento da informática e da possibilidade de gestão personalizada de anúncios.

Durante a década de 1990, canais ainda mais segmentados se uniram a pioneiros da TV a cabo. Para conviver junto à HBO (1972), o Showtime (1976), a CNN (1980) e a MTV (1981) surgiram, por exemplo, a Food Network (1993) e o The Golf Channel (1995). Nesse cenário, Becker (2006, p. 81) argumenta que “na crescente competitividade do narrowcasting em meados de 1990, executivos das companhias incorporaram material sobre gays e lésbicas em seus horários nobres na tentativa de atrair uma faixa de adultos da alta sociedade, com ensino superior e liberalistas sociais” [2].

A evolução da inclusão


No início dos anos 1990, a aceitação de personagens gays ainda era problemática. Durante a década de 1980, a associação da homossexualidade com a epidemia de AIDS e promiscuidade refletia na cautela dos anunciantes quanto às temáticas relacionadas à população LGBT+. De 1989 à 1992, muitos canais sofreram grandes perdas nas receitas com publicidade por inserir arcos narrativos centrados em homossexuais como, por exemplo, o episódio de Quantum Leap (1989-1993, NBC) que abordava um adolescente gay no exército.

Em novembro de 1992, o personagem gay de Melrose Place (1992-1999, FOX), Matt Fielding (Doug Savant) teve um arco dedicado relacionado à um crime de ódio e homofobia no trabalho. O fato de o desenvolvimento da história não ter sofrido boicotes de anunciantes se tornou um marco. No entanto, dentro da mesma produção, um arco que exibiria um beijo gay foi cortado (BECKER, 2006; GROSS, 2001).

Em 1993, a sitcom Roseanne (1988-2018, ABC) apresentava a personagem bissexual Nancy Barllet (Sandra Bernhard) e se tornou uma das líderes de audiência do horário nobre. Nesse seriado, ainda houve a exibição de um beijo lésbico entre a namorada de Nancy, Sharon (Mariel Hemingway) e a personagem título (Roseanne Barr). Entretanto, além da cena ser altamente cuidadosa em retratar o beijo, a sequência da narrativa se concentra no desconforto de Roseanne (GROSS, 2001, p. 90). Gross (2001, p. 89) ressalta que as empresas foram bem-sucedidas em incluir tais personagens em “papéis secundários em que suas sexualidades não era uma questão primária sempre que apareciam” [3]. Entre 1994 e 1995, os personagens gays se tornaram mais comuns na televisão. Diversos seriados como My So-Called Life (1994, ABC), Party of Five (1994-2000, FOX) e Unhappily Ever After (1994-1999, The WB) apresentavam personagens recorrentes assumidamente gays (BECKER, 2006, p. 138-57).

No entanto, foi entre 1995 e 1998 que houve um aumento significativo de personagens gays no horário nobre. No período entre 1994 e 1997, 40% das séries do horário nobre apresentavam temáticas gays. Diversos seriados surgiram no período com personagens presentes desde o piloto como Pursuit of Happiness (1995, NBC)e The Crew (1995-1996, FOX), assim como outros inseriram ou revelaram a sexualidade de personagens já existentes como Live Shot (1995-1996, UPN) e Mad About You (1992-1999, NBC) (BECKER, 2006, p. 158-64).

Conforme destaca Becker (2006, p. 164), os personagens existentes até 1996 eram coadjuvantes com função primordial de servir de apoio para o desenvolvimento dos principais (heterossexuais). O primeiro grande marco a caminho do protagonismo veio com Ellen (1994-1998, ABC). O episódio duplo que encerra a quarta temporada, intitulado The Puppy Episode, foi exibido em 30 de abril de 1997. Nesse episódio, a personagem principal Ellen Morgan (Ellen DeGeneres) se declara gay. Sem precedentes na história da televisão, a própria atriz havia se assumido em entrevista a revista TIME cerca de duas semanas antes. Sucesso de audiência, os índices foram 164% maiores que a média da temporada, sendo assistido por 42 milhões de telespectadores. Porém, na temporada seguinte problemas surgiram a partir de decisões da ABC como, por exemplo, optar por adicionar um aviso parental ao seriado e classificá-lo como apropriado para maiores de 14 anos.




Apesar do fracasso posterior, Ellen abriu caminho para os próximos seriados que viriam a surgir com personagens gays, lésbicas e bissexuais. Will & Grace (1998-atual, NBC) talvez seja o mais emblemático exemplo posterior. A série é centrada no relacionamento entre os amigos Will Truman (Eric McCormack) e Grace Adler (Debra Messing). Além de Will, Jack McFarland (Sean Hayes) também é um personagem gay recorrente. No entanto, críticos a série apontam que a produção “cuidadosamente evitou representações de intimidades físicas entre o mesmo sexo e arcos narrativos abertamente políticos” (BECKER, 2006, p. 172) [4].

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Desde o final dos anos 1990, outros diversos programas surgiram que evoluíram em relação à representação como, por exemplo, Oz (1997–2002, HBO), Six Feet Under (2001–2005, HBO), The L Word (2004–2009, Showtime) apresentando personagens humanizados e sexualmente ativos.

A sexualidade e a representação


Segundo Foucault (1988, p. 119), a sexualidade “é o conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa [...]”. Desse modo, o dispositivo da sexualidade pressupõe o controle, mas pela vigilância e não pela proibição. Nessa hipótese, a própria sexualidade é inerente a este dispositivo de poder: é construída socialmente. Sob essa perspectiva, o autor afirma que

o homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade (FOUCAULT, 1988, p. 42).

Para Fuss (1991), a dialética do interior/exterior (a dicotomia entre a heterossexualidade e a homossexualidade), é, de fato insuficiente para pensar todas as formas de sexualidade e identidade de gênero existentes. No entanto, o modelo ainda se mostra indispensável para pensar e compreender os processos de significação que surgem, e são acionados, pelo modus operandi da sociedade. Desse modo, esse modelo “tem tudo a ver com as estruturas de alienação, cisão e identificação que, juntas, produzem um eu e um outro, um sujeito e um objeto, um inconsciente e um consciente, uma interioridade e uma exterioridade” [5] (FUSS, 1991, p.1-2).

No que se refere mais especificamente à concepção da masculinidade, Fejes (2000, p. 113) aponta que o masculino - assim como o feminino - foram socialmente construídos através do respaldo biológico. Enfaticamente, o autor assinala “Todos os humanos que tem pênis são [tidos como] masculinos. No entanto, existem diferentes tipos de masculinidade variando do conceito hegemônico tradicional do homem como agressivo reprodutor até a estigmatizada masculinidade homossexual” [6].

Desde o advento da simples inclusão de personagens gays e lésbicas na televisão contemporânea, a expressão unicamente quantitativa da ocupação desses espaços se tornou insuficiente. Segundo o relatório da GLAAD (Gay & Lesbian Alliance Against Defamation), na temporada de 2018-2019, 8,8% dos personagens regulares do horário nobre são LGBT+. No entanto, a distribuição desses papéis ainda é desigual: dentre esses, 42% ainda são homens gays. Desse modo, a forma de representação de sujeitos que integram à comunidade LGBT+ é um importante guia neste trabalho. De modo geral, uma análise histórica da linha evolutiva dos personagens nos permite concluir que a castração e a inexistência de ação relacionadas à sexualidade é um ponto recorrente nas narrativas que se propõe a incluir tais categorias sociais. Conforme aponta Avila-Saavedra (2001, p. 8),

imagens homossexuais são apresentadas de um jeito aceitável para audiências heterossexuais ao reforçar valores tradicionais como família, monogamia e estabilidade. A maioria das conotações eróticas da homossexualidade tem sido eliminada. Personagens de homens gays, em particular, somente são bem-vindos nos veículos de massa tanto quanto não infiram nenhum desejo ou prática sexual [7].

É importante ressaltar, também, que devido ao escopo do objeto, ou seja, a diegese do seriado estadunidense Queer as Folk, a centralidade deste estudo se localiza entre expressões da sexualidade baseada em concepções binárias de gênero. Isto é, gays e lésbicas. De fato, não se pretende desconsiderar um recorte importante para qualquer estudo que se debruce sobre a ficção televisiva na atualidade, gênero e raça em intersecção com a sexualidade. Por outro lado, pretende-se analisar o contexto da produção não sendo desconsiderados seu momento histórico e inovações.

Desse modo, o primeiro apontamento pertinente refere-se ao título da produção. Originalmente em inglês, queer significa algo como estranho ou diferente. A partir de um ditado de um dialeto do norte do Reino Unido [8], o título faz um jogo de palavras assumindo o significado moderno de queer: qualquer pessoa não-heterossexual. Em outro âmbito, a palavra assume grande peso político ao se associar a teoria Queer. Conforme aponta Jagose (1996, p. 98), “queer pode ser usado para descrever uma circunscrição aberta cujas características comuns não é a identidade em si, mas um posicionamento antinormativo no que diz respeito à sexualidade”. A autora explica que, nesse sentido, a denominação pode excluir gays e lésbicas que tem recente legitimação de identificação com a comunidade e identidade. Avila-Saavedra (2009, p. 13-12), por exemplo, crítica a normalização do termo no título do programa Queer Eye for The Straight Guy (Bravo, 2003-2007), haja visto que o elenco é composto por homens gays.

O segundo ponto de destaque diz respeito à composição do elenco central: um grupo de quatro homens gays brancos e duas mulheres lésbicas também brancos. Apresentadas as duas principais problemáticas do seriado, tendo ciência do contexto em que se insere, pretende aqui analisar o piloto como definidor da forma de representação da narrativa.

Queer as Folk e a representação homossexual


Queer as Folk é centrada em um grupo de amigos composto por Brian Kinney (Gale Harold); Michael Novotny (Hal Sparks); Emmett Honeycutt (Peter Paige); Ted Schmidt (Scott Lowell); o casal Lindsay Peterson (Thea Gill) e Melanie Marcus (Michelle Clunie); além do ainda adolescente Justin Taylor (Randy Harrison) que passa a integrar as vidas de todos eles. No piloto, Michael é o narrador da história. Ele é retratado como um homem tímido e apaixonado pela cultura nerd. Emmett é descrito como afeminado e corajoso por expressar seu jeito de ser. Já Ted é descrito como alguém com “um coração grande”, mas frustrado por estar fora dos padrões e não ser aceito por isso. Brian é um homem gay que pode ser socialmente lido como hétero, que está dentro dos padrões de beleza e, por isso, é desejado por todos.

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O episódio duplo exibido em 3 de dezembro de 2003, começa na boate Babylon, lugar em que os personagens passam a maior parte das noites. Michael então define o que será central na narrativa: a sexualidade e, portanto, atos sexuais. O relacionamento de Brian e Justin é importante no contexto geral da série e têm início logo no piloto. É com Brian que o garoto de 17 anos perde sua virgindade. Um ponto importante de destaque é justamente como o sexo é retrato nesse seriado. De forma explicita, contrariando o que até então era regra na televisão estadunidense, múltiplos planos se dedicam a explorar os corpos dos personagens. Nas cenas, o plano geral tem a função de dar enfoque aos diálogos e a relação entre os dois personagens. Por outro lado, há também muitos closes e planos detalhes que exploram o ato sexual em si.


Planos abertos e planos fechados em cena de sexo.



Nesse sentido, o seriado engloba na narrativa a vida sexual de seus personagens. Explorar explicitamente as cenas de sexo, dando enfoque em múltiplas partes que envolvem qualquer relação sexual (conversas, expressões corporais, etc.), o modo de representação se altera do paradigma da castração presentes em produções anteriores que já incorporavam em seus mundos ficcionais gays e lésbicas.

No entanto, a narrativa não pretende se limitar a essa parte da vida desse grupo de amigos. Isso fica claro, no primeiro episódio, quando é apresentado ao telespectador o casal Lindsay e Melanie. A cena que mostra as duas é ambientada em um hospital, em que Lindsay segura no colo seu primeiro filho com Melanie que acabara de nascer, Gus. Também é explicado ao público que Brian é o doador que permitiu a gestação e que o desenvolvimento de uma relação entre eles é encorajado por Lindsay. Desse modo, outra realidade é representada ao dar espaço para famílias formadas por relacionamentos homoafetivos.

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Os personagens secundários Emmet e Ted também tem uma função importante na busca pela representatividade na ficção seriada televisiva. Como Emmet é um homem afeminado, ele tende a ser rejeitado por outros homens que buscam expressões de masculinidade próximas ao do que é considerado natural aos homens héteros. Desse modo, desenha-se um arco sobre a problemática relacionada a aproximação do que é tido como feminino. Ted, por outro lado, está localizado nesse âmbito da masculinidade e, assim como Brian, pode ser lido socialmente como um heterossexual. No entanto, é rejeitado por sua aparência, por não ter o corpo e rosto considerados padrões ideais a serem atingidos. Além disso, o personagem não consegue direcionar sua atenção para outras figuras que não as de belos homens com corpos perfeitos. Na segunda parte do piloto, Michael credita essas questões relacionadas a Ted como sendo fruto de uma exposição massiva a imagens de modelos irreais de beleza usando como exemplo a pornografia e a Internet.

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O personagem Justin tem a função de promover identificação com o público mais jovem. Os demais personagens já têm vidas estabelecidas, estão seguros com suas orientações sexuais e cientes das consequências que isso tem de um modo geral. Em contraponto, Justin é um garoto que ainda está no colegial descobrindo como lidar com essas questões. Ao se apaixonar por Brian, o jovem descobre um novo mundo em que se sente mais enquadrado do que na escola em que estuda onde precisa se reprimir e sofre todo tipo de preconceito.

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Um importante destaque do episódio também está ligado a homofobia, mas no âmbito da vida adulta. O carro de Brian é depredado por adolescentes homofóbicos na vizinhança de Michael. Pintado com a palavra faggot, uma ofensa direcionada à orientação sexual dos personagens, Brian ignora o fato e decide não repintar o veículo. Nesse arco narrativo, ele dirige orgulhoso e diz gostar do resultado como uma espécie de afronta à sociedade. Desse modo, há uma ressignificação da palavra de um espaço do ódio para a afirmação de sua existência tal como ela é.

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A relação com a família também é explorada em dois âmbitos diferentes. Justin, no sentido de ainda não ter conversado com seus pais sobre a sexualidade. Entretanto, a mãe de Michel, Debbie Novotny (Sharon Gless), não só o aceita completamente como está envolvida na comunidade LGBT+, trabalhando em uma lanchonete na principal avenida com bares e casas noturnas para esse público tanto como se envolvendo em protestos e questões políticas em favor dos direitos dessas categorias sociais.

Considerações finais


O seriado Queer as Folk inovou na forma de representação de gays e lésbicas ao construir uma narrativa que engloba várias partes da vida de seus personagens. São abordadas na série a complexidade das relações entre os casais, a aproximação do que é tido como feminino, padrões de beleza, a reprodução (ou a rejeição, no caso de Brian) de modos de vida tidos como típicos do mundo heterossexual, assim como os atos sexuais e contato físico entre os personagens. Desse modo, a série se distancia da simplória inclusão de indivíduos LGBT+ no seu escopo para se tornar um verdadeiro espaço de discussão de diversas problemáticas relacionadas a essas categorias sociais.

Segundo o relatório da GLAAD, Where We Are On TV, na última década houve um aumento de 4,9% de personagens LGBT+ na televisão aberta americana. Ainda que com altos e baixos entre os anos, em outros termos isso significa que, percentualmente, o número duplicou de 2010 a 2019. Na televisão a cabo, o número de personagens salto de 35 (em 2010) para 120 (em 2019). No último relatório, alguns destaques são a presença de 26 personagens transexuais e o número de personagens LGTB+ negras e negros superando pela primeira vez o número de brancos. Embora os números demonstrem avanços na discussão, é importante ressalta que a simples inclusão não é suficiente para a construção de um reflexão política e crítica do sistema televisivo. Desse modo, precisamos frequentemente retornar a questão central neste artigo: de modo que modo essa representação vem sendo construída.

Notas


[1] “This process of negative interiorization involves turning homosexuality inside out, exposing not the homosexual's abjected insides but the homosexual as the abject; as the contaminated and expurgated insides of the heterosexual subject”.

[2] “I argue that, in the increasingly competitive era of 1990s narrowcasting, network executives incorporated gay and lesbian material into their prime-time lineups in order to attract an audience of upscale, college-educated and socially liberal adults”.

[3] “secondary roles in which their sexuality was not the primary issue every time they appeared”.

[4] “carefully avoided representing same-sex physical intimacy and overtly political storylines”

[5] “It has everything to do with the structures of alienation, splitting, and identification which together produce a self and an other, a subject and an object, an unconscious and a conscious, an interiority and an exteriority”.

[6] “All humans who have penises are masculine. However there are different types of masculinities, ranging from the hegemonic traditional concepts of man as aggressive breeder to the stigmatized masculinity of homosexuals.”

[7] “Homosexual images are presented in a way acceptable for heterosexual audiences by reinforcing traditional values like family, monogamy and stability. Most of the erotic connotations of homosexuality have been eliminated. Gay male characters in particular are only welcomed in mainstream mass media as long as they do not infer any sexual desires and practices”.

[8] There's nowt so queer as folk.


Referências

AVILA-SAAVEDRA, Guilhermo. Nothing queer about queer television: televised construction of gay masculinities. Media, Culture & Society, v. 31, n. 1, p. 5–21, 2009. Disponível em < https://goo.gl/9ZBhAP >. Acesso em: 22 set. 2018.

BECKER, Ron. Gay TV and Straight America. Rutgers University Press: New Jersey, 2006.

BORGES, Gabriela. Qualidade na TV pública portuguesa. Análise dos programas do canal 2:. 1. ed. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2014.

FEJES, Fred. Making a gay masculinity. Critical Studies in Media Communication, v. 17, n. 1, p. 113-116, 2000. Disponível em <https://goo.gl/62kgUV>. Acesso em: 25 mar. 2019.

FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1988.

FUSS, Diana (org.). Inside/Out: Lesbian Theories, Gay Theories. Routledge: New York, 1991.

GOLTZ, Dustin Bradley. Queer temporalities in gay male representation: Tragedy, Normativity, Futurity. Routledge: New York, 2010.

GROSS, Larry. Up from Invisibility. Lesbians, Gay Men, and the Media in America. Columbia University Press: New York, 2001.

JAGOSE, Annamarie. Queer Theory: An Introduction. New York University Press: New York, 1996.



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