O fenômeno RuPaul

O reality show começou a se popularizar nos Estados Unidos na década de 1940, com o programa An American Family (1948), que mostrava o dia a dia de uma família que acabara de se deparar com um divórcio. Décadas mais tarde, o formato ganhou mais novas possibilidades com o ecossistema de conectividade. Conforme pontua Fechine (2009) a cultura da convergência não tornou os programas mais dinâmicos e interativos, mas alterou a relação do público com estes conteúdos. Durante a exibição das atrações os telespectadores geram buzz nas redes sociais, as postagens no Twitter, Facebook e Instagram repercutem e ressignificam os episódios.

Dessa forma, mesmo que os percursos do programa sejam “comandados” por diretores e editores, a narrativa em si se constrói também de acordo com a atuação e a interação do público, seja atreves de votações, discussões em fóruns, propagação de conteúdos, etc.


O crescente interesse do público nos realities shows contribuiu para a segmentação do formato. Programas voltados para a culinária (Batalha dos Confeiteiros), ao empreendedorismo (O Aprendiz), a vida de socialites (Mulheres Ricas), entre outros. Atualmente em sua décima temporada, o reality show RuPaul’s Drag Race é um fenômeno! A atração, exibida nos Estados Unidos pelo canal VH1, mobiliza fãs no mundo inteiro e se tornou uma das franquias mais lucrativas da TV.

Ru Paul’s Drag Race

RuPaul in e out of drag

Ru Paul’s Drag Race estreou nos Estados Unidos em 2009. O programa é uma competição de dragqueens, o longo dos episódios os participantes disputam a coroa de American’s Next Drag Superstar (próxima estrela drag americana, no português). Mas para isso elas devem ter carisma, singularidade, coragem e talento. RuPaul’s Drag Race foi exibida inicialmente pelo canal pago Logo TV e logo na sua primeira temporada foi o programa mais assistido da emissora. Em sua nona temporada, o canal VH1 começou a exibir o reality.

Já no Brasil a atração foi ao ar inicialmente pela VH1 e posteriormente pelo Multishow, da Globosat. Atualmente, duas temporadas (oitava e nona) de RuPaul’s Drag Race estão no catálogo da Netflix. Porém, muitos fãs ainda assistem o reality de forma ilegal, através do Torrent e de plataformas de streaming. A popularização de RuPaul no país, influenciou a criação de programas no mesmo segmento. Como, por exemplo, Glitter, uma versão nordestina do reality, Academia das Drags, desenvolvido para o YouTube e apresentado pela lendária Silvetty Montilla; Drag-se; entre outros.

Algumas das vencedoras de RuPaul’s Drag Race

RuPaul’s Drag Race é apresentado e idealizado pelo norte-americano RuPaul Andre Charles, que teve seu boom como drag na década de 1980. RuPaul foi um dos pioneiros no cenário LGBT a começar a conquistar espaço na mídia e nos veículos de comunicação como drag Queen (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2016). Além de apresentador, RuPaul atua como cantor, diretor, ator, publicitário e também é militante das causas LGBT, em alguns momentos, usa do programa para tratar de assuntos mais sérios do cenário LGBT.

O programa é repleto de referências usadas nos anos 80 nas Balls, que eram onde os jovens gays se encontravam para competições sadias de Vogue (não, não foi a Madonna que inventou o Vogue!) (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2016). Nas balls (bailes) as pessoas da comunidade LGBT se reuniam para dançar, participar de concursos de beleza, desfiles de moda, entre outros.


Para entender um pouco melhor sobre as balls e toda sua cultura, vale a pena assistir ao documentário Paris is Burning (corre que tem na Netflix!) que ilustra todo esse universo dos anos 80. Inclusive, RuPaul, que viveu a época retratada no documentário,usa no reality várias referências e bordões de Paris is Burning.

Neste ano a atração contou com duas temporadas. A All Stars 3, que dá uma espécie de segunda chance a queens que já passaram pelo programa e obtiveram êxito em suas carreiras ao saírem do reality. E uma décima edição, que foi uma temporada com uma série de queens que são “filhas” de ex participantes do programa. O’hara, Mateo, Michaels, são sobrenomes conhecidos pelo fandom que retornam nessa temporada com força total.

O modocomo os fãs de Drag Race repercutem e ressignificam o reality show, chama a atenção para o engajamento e identificação dos telespectadores. Em geral, a produção e a distribuição de conteúdo do fandom é feita por meio de comunidades em redes sociais, em fóruns de sites e eventos sobre o tema, que facilitam para o surgimento e expansão de mais produções deste nicho.

O Império de RuPaul


DragRace, além de apresentar uma série de drags para os telespectadores e premiar a melhor entre elas, também esclarece questões importantes ao público. O programa trata de assuntos relacionados à aceitação, homofobia, relação família x orientação sexual das queens e diversos assuntos delicados que a comunidade LGBT. Nesse contexto, a atração humaniza a figura da dragqueen, que muitas vezes é estereotipada pela mídia.

O sucesso do reality propiciou o desenvolvimento de outros programas e eventos relacionados ao universo de RuPaul. Como, por exemplo, a RuPaul’s DragRace: Werq The World, uma turnê das queens ao redor do mundo, a Drag Con, que é uma espécie de Comic Con das drags, com stands e todo o universo de Drag Race. A franquia também abrange parcerias com revistas renomadas e empresas de maquiagem. 


O reality idealizado por RuPaul ajudou a trazer à tona muitas drags, que começaram a publicar suas performances online, conseguir contratos para se apresentarem em boates LGBT. É inegável que RuPaul’s Drag Race mudou a cultura drag. Quebrando estereótipos e mostrando que as queens também são pessoas vulneráveis, indo além dos clichês que são mostrados pela mídia. O programa abriu várias oportunidades para as pessoas da comunidade no Brasil e no mundo.

Referências:

FECHINE, Yvana. A programação da TV no cenário de digitalização dos meios: configurações que emergem dos reality shows. In: FREIRE FILHO, João (Org.). A TV em Transição: tendências de programação no Brasil e no mundo. Porto Alegre: Sulina, 2009. p. 139-170.

OLIVEIRA, Cristiano; ARAÚJO, Leonardo. Reconfigurações do consumo televisivo no reality show Ru Paul’s Drag Race. Culturas Midiáticas, v.9, n.2, p.177-188, 2016. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/cm/article/view/32039/16578>. Acesso: 3 ago. 2018.


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