A quebra de estereótipos em Mozart in the Jungle

Produzida em 2014 pelo serviço de conteúdo on demand estadunidense Amazon Prime Video, a série Mozart in the Jungle é inspirada no livro Mozart in the Junge: Sexo, Drogas e Música Clássica de Blair Tindall. A trama, criada por Roman Coppola (filho de Francis Ford Coppola), Jason Schwartzman e Alex Timbers, conta a história da oboísta Hailey Rutlege (Lola Kirke). A personagem tem o sonho de tocar na orquestra sinfônica de Nova York, que agora começa a ser regida pelo maestro, nada convencional, Rodrigo de Souza (Gael Garcia Bernal). Com o novo maestro Hailey (Lola Kirke) ganha a oportunidade de finalmente integrar a orquestra, mas não da maneira que ela imaginava. A série ganhou dois Globos de Ouro, incluindo a de melhor série de comédia, e é uns dos highlines da plataforma on demand da Amazon.


Conforme pontuado por Martin (2014) e Jost (2018) desde o início dos anos 2000 com a estréia das séries The Sopranos, (HBO, 1999-2007), Mad Men (AMC, 2007–2015), Breaking Bad (AMC, 2008-2013), House, M.D. (Fox, 2004-2012) e Dexter (Showtime, 2006-2013) os anti heróis têm ganhado espaço nas narrativas ficcionais seriadas estadunidenses. Segundo Jost (2018), de modo geral, esse tipo de personagem, apesar de serem norteados por comportamentos complexos, geram empatia nos telespectadores. Isto é, eles tiram a aura de “superman” que os protagonistas tradicionais de séries costumam ter. Essa “licença poética ao erro” contribui não só com a densidade das histórias, que podem explorar arcos narrativos mais amplos, mas também humaniza dos personagens.

Esses aspectos mundanos dos personagens contemporâneos podem ser observados em Mozart in the Jungle. A série tem como um de seus pilares narrativos a humanidade dos personagens, suas manias e imperfeições. É a partir desses recursos que os roteiristas exploram a comédia e, consequentemente, desmitificam o glamour da música clássica.


Essa questão fica ainda mais nítida se refletirmos, mesmo que de maneira breve, sobre os personagens que integram o universo ficcional de Mozart in the Jungle. Nos primeiros episódios esse aspecto fica claro quando a própria protagonista Hailey (Lola Kirke) apresenta imperfeições na única coisa que ela sabe fazer (que é toca oboé). Esse ponto é enfatizado logo no terceiro episódio (Sinfonia silenciosa) pelo Maestro Rodrigo (Gael Garcia Bernal). O personagem fala que ela não toca bem, mas toca com o sangue, querendo dizer que ela não é a melhor, porém se esforça para ser. Ao invés de insistir na imagem perfeita e sem erros, Hailey (Lola Kirke) completa dizendo que por treinar Oboé 7 horas por dia nos sete dias na semana acabou perdendo momentos importantes da sua vida. Como, por exemplo, aprender a andar de bicicleta quando criança.

O constante contraponto entre a vida pessoal e os sacrifícios da profissão não se restringe ao arco narrativo explorado em Mozart in the Jungle. Segundo Barbeitas (2017), o artista acaba abrindo mão de uma educação convencional para focar na sua vocação artística. Mas e se toda a dedicação for em vão? Esse ponto é discutido em Mozart in the Jungle através de Hailey (Lola Kirke), que enfrenta problemas financeiros em decorrência de suas constantes tentativas de entrar na orquestra como oboísta. Porém, ao acompanhar os bastidores da orquestra do Maestro Rodrigo (Gael Garcia Bernal) a personagem vê que as dificuldades (financeiras, emocionais e físicas) atingem todos os músicos.


Esse tema é explorado por vários personagens como, por exemplo, Cynthia Taylor (Saffron Burrows) uma violoncelista que desenvolveu um problema nos punhos e se vê em um dilema de fazer uma cirurgia e que pode encerra a sua carreira ou continuar tocando e comprometer sua saúde.

Além do núcleo dos músicos, temos o da administração. Os plots, em sua grande maioria são centrados, na personagem Gloria Windsor (Bernadette Peters) que lida com o sindicato dos músicos e as doações que a elite da cidade faz para a orquestra. Entretanto, muitas vezes a personagem tem que se humilhar para fazer o melhor para a Orquestra.

O maestro Rodrigo (Gael Garcia Bernal) talvez seja o maior exemplo (e ironia) de como Mozart in the Jungle que a imagem de intocável dos protagonistas. Inicialmente o personagem é mostrado como um gênio, maestro desde os 12 anos e compondo as maiores orquestra do mundo. Totalmente outsider, Rodrigo (Gael Garcia Bernal) não é um maestro convencional. Porém, ao longo da série essa imagem plástica é desconstruída. O público vai conhecendo detalhes sobre o passado do personagem, mostrando que no fundo o grande maestro Rodrigo de Souza (Gael Garcia Bernal) não é perfeito, mas egocêntrico e mesmo dizendo o oposto adora a fama.

Dessa forma, Mozart in the jungle usa das imperfeições e defeitos dos seus personagens e a música clássica para fazer comédia, mostrando a dificuldades e o sacrifício presentes na vida de um artista. Essa constante quebra de estereótipos reforça a identificação dos telespectadores e, principalmente, torna a trama ainda mais interessante.


Referências:
BARBEITAS, Flávio. Ainda restará essa “flor"? Representações contrastantes da música em duas obras literárias. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v.27, n.2, p. 127-139. Disponível em: < https://bit.ly/2AIBOO9>. Acesso em: 5 ago. 2018.

JOST, François. François Jost: entre a intimidade e a maldade (comunicação, personagens e séries de televisão na atualidade) - Entrevista de Maria Cristina Palma Mungioli. Comunicação & Educação, v. 23, n.1, p.139-147, 2018. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/145518>. Acesso em: 5 ago. 2018.

MARTIN, Brett. Homens Difíceis – Os Bastidores do processo criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e outras séries revolucionárias. São Paulo: Aleph, 2014.

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