‘Chaves’ do engajamento: a influência dos fãs na exibição Chespirito no Multishow


Desde 1971 no México (e 1984 no Brasil) ele alegra gerações e forma novas legiões de fãs. A comédia de Chespirito, como era chamado Roberto Gómez Bolaños, foi difundida em todo mundo com os personagens icônicos Chaves (Chavo del Ocho) e Chapolin Colorado (Chapulín Colorado).

Os episódios protagonizados pelo órfão Chaves (Roberto Bolaños) retratavam a vida dos vizinhos na vila do Senhor Barriga (Edgar Vivar), já a trama centrada no Chapolin (Roberto Bolaños) mostrava as aventuras de um herói atrapalhado que é convocado em situações adversas, aleatórias e até distópicas.

Os dois programas são spin-offs da atração Los supergenios de la mesa cuadrada, exibido pela Televisión Independiente de México (TIM) entre 1968 e 1970, liderado por Chespirito. Nessa época, Chaves e Chapolin eram esquetes de poucos minutos apresentadas pelo programa, porém a repercussão fez com que a TIM decidisse realizar programas exclusivos dos dois personagens.

CH no Brasil



No Brasil, as séries desembarcaram em 1984 pela TV Studios (TVS), atual Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), cinco anos após o fim das gravações e onze anos após a TIM se fundir com o grupo Telessistema Mexicano e se converter no Grupo Televisa, um dos maiores distribuidores de telenovelas do mundo. Segundo o site do SBT, Chaves e Chapolin chegaram como “extras” no pacote de telenovelas adquirido por Silvio Santos.

A emissora havia desenvolvido ainda em sua gênese, nos anos 70, um sistema de dublagem com videoteipe, diferente do aplicado na época ainda utilizando celuloide (ou películas). Por isso, contratava cooperativas de dublagem para fazer a dublagem de suas telenovelas, desenhos e seriados usando, além de sua tecnologia, seus estúdios na Vila Guilherme em São Paulo (SILVA, 2017).

Marcelo Gastaldi e sua cooperativa MAGA dublaram a telenovela de sucesso Os ricos também choram (Los ricos también lloran) e tinham uma ótima relação com a direção da TVS. Sendo assim, a emissora encomendou a dublagem de alguns episódios de Chavo del Ocho e Chapulín Colorado, na época ainda sem nomes oficiais brasileiros.


Silvio Santos, então, foi convencido do potencial das séries por José Salathiel, diretor de dublagem da emissora à época. Com a aprovação da “Versão MAGA, dublada nos estúdios da TVS”, em 20 e 24 de agosto de 1984 estreavam na TV Powww! As aventuras de Chaves e O polegar vermelho. Os novos nomes não vingaram, porém Chaves e Chapolin Colorado seriam exibidos à exaustão e nos mais variados horários pela grade do SBT.

A dublagem MAGA é unanimidade entre os fãs quanto sua preferência para assistir as séries. Do abrasileiramento de nomes como Seu Madruga (Don Ramón) e Chiquinha (Chilindrina) até as versões em português dos números musicais e dos bordões, muitos relacionam a questão da dublagem como fator agregador à popularidade no Brasil.

Apesar de já finalizada quando estreou no país, Silvio Santos adquiriu os episódios da série até 1992 em lotes fornecidos por Televisa, e aqui escolhendo e dublando apenas os episódios que a direção teria interesse em exibir.

Gerações de fãs


Ao longo de mais de 30 anos de exibição em território nacional, os programas CH conquistaram milhares de fãs que hoje se reúnem nas redes sociais e plataformas digitais (sites, fóruns, etc.) para discutirem suas paixões.

Se antes eles gravavam os episódios em fitas para rever, hoje o fandom dispõe de um acervo que inclui episódios exibidos apenas em outros países. Se antes anotavam em papel títulos e sinopses de episódios para saber quantos (de fato) existem, a internet possibilitou a criação uma lista online e colaborativa (isso porque nem Televisa tem nota ou arquivada a totalidade de episódios das séries).

Segundo o estudo das práticas da cultura da fãs realizado por Bennett (2014), que buscou revisitar pontos centrais do livro Invasores do Texto (1992) de Jenkins, “[...] com a tecnologia digital mais avançada, a cultura participativa e as práticas transmídia também se desenvolveram, com os fãs ganhando recursos e integração mais fortes dentro do panorama da mídia digital” (BENNETT, 2014, p.7, tradução livre).

Ainda acordo com Bennett (2014), o ambiente de convergência potencializa quatro pontos das práticas da cultura de fãs, são eles: a comunicação, a criatividade, o conhecimento e o poder organizacional e cívico.

As questões ressaltadas pela autora podem ser facilmente identificadas nas práticas dos fãs da obra de Chespirito. O primeiro ponto, a comunicação, pode observado na criação de fóruns de discussão focados nas séries. Como, por exemplo, o Fórum Único Chespirito (Forumch), com existência desde 2001 e o Fórum Chaves, existente desde 2009. Os dois são ativos em discussão e conteúdo sobre o universo ficcional de Chaves até a atualidade, sendo o último a maior comunidade brasileira contendo 31 mil inscritos reconhecida pelo Grupo Chespirito.

Na questão da criatividade, a autora destaca a atuação de fãs “[...] compondo e performando sons, criando artes, escrevendo fanfictions” (BENNETT, 2014, p.8, tradução livre).Nesse sentido, podemos observar os fãs que realizam fãdublagem dos seriados, incluindo episódios nunca traduzidos para o português.

Quanto ao conhecimento, o trabalho colaborativo destes fãs desvendou a existência de episódios “perdidos” de Chaves e Chapolin. Ou seja, episódios dublados em português que, por alguma razão, em um determinado momento, o SBT deixou de exibir. O fandom também elaborou a teoria dos “semelhantes”, onde um episódio foi deixado de exibir ou até mesmo descartado antes de sua dublagem pelo roteiro ser tratar de uma refilmagem de um episódio já exibido.


Por fim, o último ponto discutido por Bennett é a organização e o poder civil. Após reunirem provas da existência de episódios “perdidos” e “semelhantes”, os fãs de Chaves cobraram do SBT uma posição durante anos. Apenas em 2014, a emissora resolveu ceder a pressão e retirar esses episódios de arquivo, retornando com a exibição dos “perdidos” já dublados em sua programação e dublando alguns “semelhantes” descartados.

Chaves no Multishow

 
Em 30 de janeiro de 2018 o fandom CH foi pego de surpresa. A programadora Globosat, do Grupo Globo, anunciou a compra dos direitos de exibição em televisão fechada e serviços sob demanda de Chaves e Chapolin no Brasil. No comunicado, a ênfase que a emissora havia adquirido de Televisa todo o pacote disponível, incluindo episódios inéditos no Brasil e não-dublados.

As séries já haviam sido exibidas no país em TV por assinatura em 2009 pelo canal TLN Network, de Televisa, e em 2010 pelos canais Cartoon Network, TBS e Boomerang, todos da Turner. O diferencial do contrato das emissoras anteriores para o atual da Globosat é que se tratavam de exibições panregionais, a primeira focada nos países lusófonos e a segunda na América Latina.

A atuação da Globosat, por ser focada no Brasil, permitiu ao Multishow a se atentar a todas peculiaridades do fandom. Apesar de exibido ao redor do mundo, em nenhum outro lugar a obra de Chespirito exerce tanta influência no imaginário popular como no Brasil (KASCHNER, 2006).

A organização de fãs, que já havia atuado junto ao SBT na questão da exibição de episódios “perdidos” e dublagem de “semelhantes”, foi convocada para uma reunião no Multishow: o objetivo era que o canal conhecesse todo o universo que envolvia as séries que tinham comprado.

Os quatro meses entre o anúncio, realizado em janeiro, e o início da exibição foram de estudos, mapeamentos e dublagens. A equipe do canal buscou trabalhar com o estúdio de dublagem já parceiro de Televisa, a Som de Vera Cruz (Rio de Janeiro) e elegeu dois fãs, participantes do fandom CH e já experientes na área, para tradução dos roteiros inéditos.

Sendo assim, os fãs foram atendidos em suas demandas: a busca por todos os episódios disponíveis com dublagem MAGA, a preservação de abertura e créditos originais, a exibição em ordem cronológica seguindo a lista elaborada pelos fãs e a conservação de todo o elenco de dubladores ainda em atividade.A mudança no tratamento da série, como um produto jovem-adulto, diferentemente do tratamento do SBT como um produto infantil, trouxe os fãs como protagonistas dessa transição onde o fandom têm fundamental influência no processo de formatação e exibição.

‘Chaves’ do engajamento

A exibição exaustiva pelo SBT fez com que, como citado anteriormente, o seriado ingressasse na cultura popular do país. Segundo Sacchitiello (2018, Online),
a preocupação do Multishow em agradar aos fãs é compreensível quando se analisa que, ao negociar com Televisa, o principal ativo que a Globosat adquiriu não foi um pacote de centenas de episódios de humorísticos antigos, mas, sim, uma grande promessa de engajamento.
Como parte do imaginário popular, o simples anúncio da “nova casa” fez com que a hashtag #ChavesNoMSW liderasse os assuntos mais comentados no Twitter, no dia 30 de janeiro, e gerasse centenas de memes utilizando gifs, bordões e imagens da própria série e de elementos do SBT/TV Globo.






O SBT foi cobrado de uma explicação, muitos fãs achavam que a emissora havia perdido os direitos de exibição de Chaves. Porém, a exibição em TV aberta continua sendo responsabilidade do canal de Silvio Santos.


No Fórum Chaves, a repercussão foi tão grande que teve de ser aberto um subfórum denominado “O Multishow deve continuar” em referência ao título da saga “O show deve continuar” de Chapolin. Nele, atualmente existem 32 tópicos, com no mínimo 100 respostas em cada, sendo alimentados diariamente nos últimos quatro meses com discussões e especulações acerca do futuro das séries no canal Globosat.

Para o dia da exibição, marcado para 21 de maio de 2018, o Multishow preparou diversas estratégias para engajar os fãs e telespectadores casuais da série. No Twitter, as hashtags #ChavesNoMultishow  e #ChapolinNoMultishow tinham emojis personalizados, a primeira com o gorro característico do Chaves e a segunda com o escudo de coração do herói Chapolin.



Édgar Vivar, o Senhor Barriga, veio ao Brasil especialmente para participar de ações e gravações do canal. O ator apresentou juntamente com Rafael Infante uma edição do TVZ, temático sobre CH incluindo exibição de “clipes musicais” do seriado. Além disso, foi realizada uma transmissão ao vivo no Facebook do Multishow mostrando os bastidores do TVZ, preparação e um bate-papo com o ator que interpretou, além do Senhor Barriga, diversos personagens em Chapolin.


Também com a presença de Édgar, uma exibição especial da estreia foi realizada no cinema Kinoplex do shopping Rio Sul contando com os dubladores e fãs representantes de fã-clubes oficiais.

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A emissora, que tem seu DNA focado em música, adquiriu a base de “Qué Bonita Vecindad” (Roberto Bolaños) e, numa parceria com o grupo de funk Pankadon, lançou o “Funk do Chaves” (Pablo Bispo/Sergio Santos/Ruxell) em todas as plataformas digitais.


O engajamento também foi incentivado no YouTube Humor Multishow com o compartilhamento de vídeos de cenas das séries e a criação de um webdoc intitulado “Se você é jovem ainda”, que explorava a relação entre as novas gerações com o seriado dos anos 70. No Twitter, durante quase todo o dia da estreia a tag #ChavesNoMultishow ficou entre os assuntos mais comentados. Às 23h, a conversação na rede alcançou o ranking mundial.

O fandom CH foi muito beneficiado por toda a estratégia de exibição e engajamento propostas pela Globosat. Todas as ações foram acompanhadas de perto pela representação dos fãs e abraçadas não somente pela comunidade chavesmaníaca, mas por todos que admiram e respeitam o legado de Chespirito à comédia mundial. Para a emissora, a exibição de Chaves e Chapolin em seu horário nobre, representaram um aumento de 71% de audiência em relação à média da faixa das 23h. No Multishow Play, o episódio “Balões” (Chaves) foi o mais assistido de uma série na semana de estreia na plataforma.

Desta forma, o sucesso de engajamento nas mídias digitais e a resposta em audiência reforçam que a estratégia de lançamento com envolvimento e participação ativa dos fãs foi um diferencial frente ao tratamento que a série e seus fãs recebiam nos últimos anos.

Referências:

BENNETT, L. Tracing Textual Poachers: reflections on the development of fan studies and digital fandom. In Journal of Fandom Studies, v. 2, n.1, p.5-20, 2014. Disponível em: <https://bit.ly/2Gywpfh>. Acesso em: 30 mai. 2018

JENKINS, H. Invasores do Texto - Fãs e cultura participativa. Rio de Janeiro: Marsupial Editora, 2015.

KASCHNER, P. Chaves de um sucesso. Rio de Janeiro: Editora Senac, 2006.

SACCHITIELLO, B. A astúcia da Globosat. In Meio e Mensagem, online. Disponível em: <http://bit.ly/2xvPCdy>. Acesso em: 30 mai. 2018

SILVA, A. A fantástica história de Silvio Santos. Rio de Janeiro: Seoman, 2000.


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