Eu vou, eu vou, eu vou me envolver com a produção do meu Clássico favorito, eu vou!

Era uma vez uma empresa de animação criada em 1923 com a produção do curta-metragem Alice's Wonderland, ainda sem cores ou falas, mas que só alcançou visibilidade e espaço no mercado depois de lançar uma série de desenhos animados protagonizados por um rato. Em 1934, agora com maior investimento e mais tecnologia, a The Walt Disney Company - nossa protagonista - inovou ao criar seu primeiro longa-metragem de animação. Branca de Neve e os Sete anões lançado, somente, em 1937 com cores, sons, ganhou reconhecimento da Academia e atingiu a maior bilheteria do ano. O original dos Clássicos Disney fez tanto sucesso que passou a regrar a fórmula de produção do audiovisual infantil: adaptações amenizadas dos tradicionais contos de Andersen, Perrault e dos Grimm. Ao retirar as cenas de sexo e violência exagerados dos contos, a Disney compreendeu seu público e, fazendo isso, se transformou na produtora em um dos maiores conglomerados de mídia e entretenimento do planeta.
 
 
Histórias à parte, o fato é que nos últimos sessenta anos os Clássicos Disney foram responsáveis não só pela formação midiática da maioria das crianças do ocidente, como também pela arrecadação de bilhões de dólares em bilheteria. Não é à toa que desde 2010, esse tipo de filme voltou a ter destaque no cenário mundial, mas dessa vez em live action. Estas novas adaptações atraem os antigos fãs na medida em que remetem a uma lembrança infantil, traduzindo-a para uma linguagem mais adulta - filme ao invés do desenho - e, portanto, mais coerente com este público. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias e as singelas alterações de enredo atualizam a narrativa de forma a agradar também a criança contemporânea.

A adaptação do universo ficcional para o live action atrai a atenção dos fãs que passam a interagir virtualmente discutindo o processo de criação, o que não acontecia na época do lançamento das animações, intensificando a discussão sobre o tema e consequentemente influenciando as pessoas a irem aos cinemas. O primeiro clássico gravado em live action, Alice no país das Maravilhas (2010), arrecadou US$1 bilhão em bilheteria, seguindo-lhe uma série de sucessos em Malévola (2014), Cinderella (2015) e Mogli – O menino lobo (2016), todos com bilheteria superior a US$500 milhões.
 

Em 2017, a Disney confirmou esse sucesso com A Bela e a Fera ao ultrapassar a arrecadação de US$1 bilhão e se tornar a 10ª maior bilheteria de todos os tempos. O filme, além de trazer como protagonista uma atriz que marcou a infância da maioria dos jovens adultos contemporâneos, trouxe a tona discussões atuais, com a inserção de um personagem gay e outro personagem negro em uma narrativa que se passa na França no século XVI. A agitação do público nas redes sociais foi tão relevante que países mais conservadores, como a Malásia, chegaram a adiar a estreia do longa nos cinemas.

Ao que parece esse a repercussão das produções nas comunidades de fãs e nos fóruns de discussão irá continuar durante a produção dos clássicos já confirmados pela Disney para os próximos anos. Seguindo a linha do que aconteceu durante o desenvolvimento da versão de Avatar – A lenda de Aang para os cinemas, como descrevem Jenkins et al (2014), após um anúncio anônimo de que a versão em filme de Mulan seria protagonizado por um homem caucasiano que salvaria a vida da heroína e conquistaria seu coração causou revolta na legião de fãs da animação original. Assim como os fãs de Aang, o público apaixonado por Mulan criou a hashtag #MakeMulanRigth criticando o whitewashing (quando atores e atrizes brancos são usados para representar etnias e culturas diferentes) e a completa alteração da essência da personagem principal.
 
O ativismo dos fãs se refletiu em petições virtuais bem sucedidas (com mais de 112 mil assinaturas) criadas pelos próprios fãs, exigindo a participação de atores, atrizes e roteiristas asiáticos na produção. Como pontuam Jenkins et al (2014, p. 244) “[...] aqui, os apoiadores mais ardentes da franquia são também seus críticos mais severos”. Ou seja, se preocupam com a qualidade do produto, tentando proteger a integridade da ideia original os fãs acabam fazendo uma espécie de supervisão da adaptação para o cinema.

Tal espaço destinado à discussão aproxima o fã da obra, na medida em que se vê inserido no seu processo de produção. Porém, não se pode esquecer que a Disney é uma empresa tradicional, que não parece querer modificar de forma drástica sua fórmula ‘mágica’ que lhe garante milhões em bilheteria. Portanto, a interação entre público-produtor é tímida e pouco evidente, o que ainda torna a produtora a responsável absoluta pelo desenvolvimento de seus projetos. Mas afinal, será que essa modesta intervenção será suficiente para que os fãs vivam felizes para sempre?

Referências

JENKINS, Henry; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Cultura da Conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.


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