Game of Thrones: os limites (invisíveis) entre fãs e produtores

Desde a sua estreia, em 2011, a série Game of Thrones vem conquistando fãs no mundo inteiro. Exibida pelo canal pago estadunidense HBO, a atração é considerada uma das produções mais rentáveis da televisão mundial. A cada temporada que vai ao ar a trama acumula recordes de audiência e engajamento nas redes sociais. Somente o episódio de estreia da sétima temporada foi assistido por 16,1 milhões de espectadores e gerou cerca de 2,4 milhões de tweets durante a sua exibição.

Em parte, o engajamento dos fãs em torno da trama é estimulado pelo que Mittell (2009) conceitua como drillability ou perfurabilidade em português. Segundo o autor algumas narrativas ficcionais seriadas têm a capacidade de suportar análises minuciosas dos telespectadores ávidos. Nesse contexto, o público é incentivado a explorar o universo ficcional em busca de novas perspectivas e informações sobre os arcos narrativos. Além de ter sua história ampliada em múltiplas plataformas tais como livros, HQs, videojogos e aplicativos, Game of Thrones também movimenta a comunidade de fãs. Através das comunidades online, nas redes sociais e nos sites colaborativos, o público discute suas teorias e explicações sobre o complexo universo criado por George R. R. Martin.

Conforme pontua Pearson (2010) o ambiente da convergência midiática propicia novas formas de participação e colaboração dos fãs, “A revolução digital teve um impacto profundo sobre o fandom, borrando as linhas entre produtores e consumidores, criando relações simbióticas entre corporações poderosas e fãs individuais, e dando origem a novas formas de produção cultural” (PEARSON, p. 2, 2010) (livre tradução da autora). Graças ao ecossistema de conectividade, os conteúdos produzidos pelos telespectadores ávidos se propagam rapidamente pela rede, podendo contribuir, mesmo que indiretamente, para a divulgação e popularização das séries. Como pontua Pearson (p. 5, 2010), “Atividades de fãs têm muitas vezes ao menos indiretamente beneficiado as corporações poderosas (que, é claro, é por isso que muitos deles estão agora a intenção de beneficiários diretos)” (livre tradução da autora).


Recentemente o aplicativo que ensina idiomas “Duolingo”, adicionou em sua lista de línguas o Alto Valiriano, dialeto fictício falado no universo de Game of Thrones. A criação do curso exemplifica as questões ressaltadas por Pearson (2010). Para compreender a trama em sua totalidade, a língua falada por Daenerys Targaryen era estudada pelos fãs nos fóruns e em páginas colaborativas como o Wiki Game of Thrones. Ao ver no idioma fictício um nicho a ser explorado, o aplicativo formalizou, em parceria David J. Peterson, especialista na linguagem utilizada na série, um curso voltado para o aprendizado do Alto Valiriano. Nesse contexto, uma atividade que teve início de forma independente no fandom acabou migrando para o Duolingo e, consequentemente, gerando renda para a empresa.


Outro exemplo é o canal Mikarol Game of Thrones, das fãs Carol Moreira e Miriam Castro. Com mais de 243 mil inscritos e postagens semanais, as youtubers discutem nos vídeos, de em média 20 minutos, os desdobramentos e as teorias da série da HBO. Por terem credibilidade no fandom, canais como, por exemplo, o Mikarol Game of Thrones, acabam firmando parcerias comerciais com grandes empresas. Nesse contexto, para atingir o público alvo as corporações recorrem a veículos que já conquistaram a confiança dos telespectadores. Os vídeos que apresentavam o resumo de todas as seis temporadas da série, por exemplo, foram patrocinados pela Livraria Saraiva, já o vídeo focado no episódio "Dragonstone" teve o apoio do aplicativo iFood. Dessa forma, para se aproximar o público de Game of Thrones as empresas recorriam ao canal administrado pelos fãs da trama.

De acordo com Pearson (p. 4, 2010), “A cultura da convergência descreve um momento em que os fãs são fundamentais para o funcionamento da cultura. O conceito de público ativo, tão controverso há duas décadas, é agora dado por garantido por todos os envolvidos em torno do setor de mídia” (livre tradução da autora). Dessa maneira, a cultura da convergência introduz novas formas de engajamento, em que os conteúdos desenvolvidos pelos fãs se imbricam com o universo ficcional criado pelos canais estabelecendo uma relação simbiótica entre produtores e consumidores.

Referências

MITTELL, Jason. Forensic Fandom And The Drillable Text. Spreadable Media, 2009. Disponível em: <http://spreadablemedia.org/essays/mittell/#.VYhx5flViko>. Acesso em: 24 jul. 2017.

PEARSON, Roberta. Fandom in the Digital Era. In Popular Communication: The International Journal of Media and Culture, v. 8, n. 1, p. 84-95, 2010. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15405700903502346>. 24 jul. 2017.

0 Comentários