Dattebayo! A Cultura de Fãs de Naruto


Os estudos realizados entre 1970 e 1980 analisavam as práticas da cultura de fãs a partir de uma perspectiva em que o público ávido era visto como imaturo, acrítico e incapaz de separar a fantasia da realidade. Lançado em 1992, o livro Invasores do Texto (“Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture”), Henry Jenkins, teve um papel fundamental na quebra dessa estigmatização do fã. Posteriormente, as segunda e terceira onda dos estudos reforçavam e ampliavam a abordagem Jenkins (2015), explorando e aprofundando o caráter crítico e criativo das práticas da cultura de fãs.

“Cultura de fãs” é um termo utilizado para identificar fãs de produtos culturais, que criam novos conteúdos dessas obras sem se preocupar com restrições legais ou direitos autorais. O avanço tecnológico possibilitou que milhares de pessoas em torno do mundo criassem diversas formas de expressão, linguagem e interação com base em diversas áreas de entretenimento como cinema, livros, música, animes e mangás. A partir deste contexto, Bennett (2014) ressalta quatro pontos, no âmbito da cultura de fãs, que ganharam novas possibilidades na cultura da convergência, são eles: a comunicação, a criatividade, o conhecimento e o poder organizacional e cívico.

De acordo com Castanheira (2 kkkk 012) a cultura de fãs de animes e mangás, era muito restrita ao seu país de origem, o Japão, que possui uma grande indústria de produção que atinge distintas faixas etárias, e engloba diversos tipos de pessoas e classes sociais. No entanto, aqueles produtos antes restritos apenas aos japoneses, passaram a ganhar grande popularidade com a chegada da Internet. O atual ecossistema de conectividade facilitou o acesso e o compartilhamento desses conteúdos que puderam, por exemplo, ser traduzidos para vários idiomas (CASTANHEIRA, 2012)

Naruto é um anime e mangá japonês criado pelo autor Masashi Kishimoto. Seu mangá foi lançado pela editora Shueisha, na Weekly Shounen Jump, em 1999, e começou a ser exibido em anime na televisão japonesa pela emissora TV Tokyo em 3 de outubro de 2002, sendo transmitida no Brasil pela Cartoon Network e no SBT em 2007. A obra escrita por Kishimoto conta a história do ninja Naruto Uzumaki habitante da Vila da Folha que sonha em se tornar o próximo Hokage, o maior ninja e governante de sua vila. O personagem conta com a ajuda de seus amigos Sakura Haruno, Sasuke Uchiha e do professor Kakashi Hatake para enfrentar grandes vilões, proteger a vila e realizar seu sonho. O universo ficcional encerrou em 2017 com 72 volumes em mangá e 720 episódios em anime, além de 11 filmes e especiais. Abrindo espaço para uma nova fase da obra que traz o filho do protagonista Naruto, Boruto, como arco principal da nova geração.


A popularidade do ninja se deu principalmente com ajuda dos fãs que se identificam com a história do protagonista, impulsionando a criação de conteúdo sobre os personagens da obra. Naruto é composto por diversos personagens complexos, que fazem com que muitos fãs se apeguem em suas histórias e conflitos pessoais. Apesar de ser voltada para um público masculino, a obra apresenta uma representatividade feminina forte, com personagens poderosas e bem construídas como a personagem Sakura Haruno. Este aspecto atrai o público feminino, além de inspirar e passar valores como da amizade, lealdade, coragem e força de vontade, que acabam ajudando pessoas em torno do mundo. Dessa forma, o sucesso de Naruto é evidente, fazendo com que o fandom seja um dos maiores do mundo dos animes criando oportunidades de produção desde fanarts, fanfics até grandes produções audiovisuais como animações, curtas em live-action e apresentações de musicais, teatros e programas de TV.

Segundo Bennett (2014) o conhecimento compartilhado é uma das principais características da cultura de fãs. Em Naruto, o ponto destacado pela autora pode ser observado na criação de conteúdos coletivos, assim como a antecipação e proteção de informações, muito comum nos lançamentos de episódios de animes ou dos novos capítulos dos mangás. Atualmente, as principais produções de fãs de animes e mangás estão em sites especializados, Wikis, blogs, canais no YouTube e nas redes sociais. As wikis, como a Naruto Wiki: A Grande Enciclopédia Ninja, os fãs trabalham coletivamente catalogando e agrupando todo tipo de conhecimento individual sobre a obra e criam um grande fórum com informações, o que reforça a ideia da inteligência coletiva.


Outra característica importante abordada por Bennett (2014) é a criatividade. Neste contexto, os fãs apresentam a capacidade de criar diversos conteúdos tais como músicas, desenhos, histórias, além de produções coletivas como legendas e traduções. Naruto é um dos temas mais utilizados para criação de fanfics, apresentando ramificações focadas nos casais da história que não são muito explorados na obra original, sendo essa de um gênero de luta e aventura que não se enquadra profundamente em romance. Na plataforma Spirit Fanfiction, no tópico de animes/mangás, Naruto está em primeiro lugar com mais de 75 mil histórias publicadas por fãs, podendo ser divididas em várias categorias, sejam elas, casais ou ships, personagens, classificação indicativa, atualização, comentários, favoritos, seguidores, popularidade, gêneros, além de ter a liberdade de escolher fanfics AU (Universo Alternativo) e universo original da obra podendo ser divididas em longfics, histórias longas com mais de 40 capítulos, shortfics, histórias de 20 ou menos capítulos e oneshots, histórias de capítulo único.

Com o avanço da internet e das novas tecnologias, juntamente com o crescimento da popularidade das redes sociais, muitos escritores de fanfic passaram a utilizar desses meios para divulgar suas histórias. Nas fanfics de Naruto, as histórias mais populares são do ship SasuSaku que corresponde aos personagens Sasuke e Sakura, dois dos protagonistas da obra original.

Os escritores das fanfics do tópico SasuSaku, como Plutoniana e Cereijinha famosas na plataforma Spirit Fanfiction, trazem um método que tem ficado bastante popular entre os fãs de Naruto e leitores de fanfic, ao criar playlists no Spotify para suas histórias, muitas vezes correspondentes com a personalidade dos personagens, criação de capas personalizadas, book trailers, montagem de cronograma para publicações, perfis no Twitter, Facebook e Instagram não só para divulgação como também, uma forma de interagir com seus leitores.

No entanto, o mundo das fanfics tem se expandido, com a chegada das Socmeds, uma união de social media em inglês, que correspondem a histórias de fãs feitas em formatos de redes sociais e publicadas nas próprias redes. As Socmeds consistem na criação de histórias feitas como posts de redes sociais, contadas por meio de memes, chats e interação dos personagens pelas plataformas sociais, tais histórias são em maioria montagens e postadas como se fossem threads tendo o Twitter atualmente como a rede social mais utilizada.

A comunicação abordada por Bennett (2014) sempre foi essencial para a cultura dos fãs. Porém, a contemporaneidade possibilitou que todo os conteúdos pudessem ser compartilhados de forma instantânea, além de permitir um contato mais direto dos fãs com criadores, roteiristas e produtores das obras. Na comunidade de fãs de Naruto, é comum o uso do Twitter para se comunicar com membros da equipe de produção da obra que se encontram ativos e em constante comunicação com o público nas redes sociais. Dentre eles possuem desenhistas e animadores como ChengXi Huang, escritores das novelas de Naruto como Jun Esaka e os próprios roteiristas da obra Boruto, Ukyo Kodachi e Honda Masaya.

Os fãs começaram a utilizar as diversas plataformas digitais para homenagear a obra, desde a criação de fanarts, cosplay, transformações de maquiagem até animações e curtas em live-action que representam grandes lutas do mangá e do anime. As plataformas mais utilizadas atualmente são redes sociais como Instagram, Twitter, Facebook, TikTok e YouTube. Nas redes sociais, os fãs criam páginas de memes, ou hashtags de divulgação, trazem sorteios, edições, lives e parcerias. No entanto, são os YouTubers que mais auxiliam na popularização da obra ao criarem conteúdos completos e bem planejados que alcançam fãs no mundo todo.

Dentre eles temos o canal Voice Makers que produz animações de conteúdo humorístico de Naruto, assim como uma redublagem dos episódios contendo milhões de visualizações no YouTube, assim como os canais do Tauz e 7minutoz que fazem rap com a história de cada um dos personagens de Naruto, e canais de animes como Fred Anime Whatever que produz reacts, comentários, análises e notícias dos animes.


O poder organizacional e cívico abordado por Bennett (2014) está relacionado com o ativismo, ou seja, a capacidade de mobilização dos fãs desde protestos, cancelamentos, questões cívicas até políticas. Alguns eventos e mobilizações de Naruto, por exemplo, se popularizaram pelo mundo chamando atenção até de famosos, um desses eventos é a Corrida Naruto realizada em várias partes do mundo contando com milhares de fãs da obra como participantes. O evento é uma corrida, onde todos os integrantes devem correr como os ninjas do anime Naruto com os braços para trás.

Toda a manifestação teve repercussão online e da imprensa sendo transmitida em canais de televisão pelo mundo, principalmente após a manifestação que reuniu mais de 2 milhões de pessoas nas redes sociais em 2019 ao organizarem uma Corrida Naruto na área 51 nos Estados Unidos após serem confirmados a aparição de OVNIS pela marinha americana, onde foram compartilhados memes sobre a invasão, e segundo a descrição do evento, poderiam ser evitadas se corressem mais rápido que as balas.



Os mangás da obra Naruto chegaram no Brasil muito antes do anime estrear nas emissoras brasileiras. Os Scanlations e ficheiros são sites criados por fãs com o objetivo de traduzir os capítulos de mangás assim que são lançados no Japão. Desde que os animes e os mangás se popularizaram no país, a internet possibilitou que os fãs compartilhassem os conteúdos que antes eram restritos aos japoneses.

Os mangás de Naruto eram lançados uma vez por semana no Japão, durante sua serialização. Dessa forma, muitos fãs se mobilizaram para trazer esses capítulos de forma rápida e traduzida para sua língua nativa por meio das Scanlations e ficheiros, que possuem apoio de fãs estrangeiros, staffs da obra ou donos de livrarias que têm fácil acesso aos capítulos lançados na nação japonesa, quem divulgam para essas comunidades algumas páginas como spoilers e, após o lançamento oficial, recebem o capítulo completo para tradução, muitas vezes usando as redes sociais como Twitter para divulgação, usufruindo de hashtags para o compartilhamento. Existem Scanlations em vários países com traduções em várias línguas que trabalham em união para divulgar pelos sites e redes sociais os capítulos da obra, tal prática exercida até hoje, por sites como NarutoSenpou ou Boruto Explorer que mesmo após o fim de Naruto, divulgam traduções da série atual da obra Naruto: Boruto Next Generations.

No Brasil, a publicação oficial em volumes físicos de Naruto é feita pela Editora Panini desde 2007, possuindo atualmente 72 volumes já publicados em diversos estilos de reedição, como Naruto Pocket para bolso, Naruto Gold, que contém posters exclusivos da série, além de Databooks com informações essenciais dos personagens e novelas, todos também encontrados em sites, ficheiros e Scanlations. Atualmente, a editora oficial de Naruto, Shueisha, lançou um aplicativo chamado Manga Plus que possui todos os mangás da Shonen Jump para smartphones e tablets, porém ainda é restrito a poucas línguas.

Ao mesmo tempo em que a cultura de fãs possui pontos positivos, é notória a preocupação quanto aos direitos autorais do autor e o prejuízo das empresas que produzem os conteúdos e produtos oficiais da obra. No entanto, é importante ressaltar que grande parte da popularidade das obras é graças aos fãs, que mesmo produzindo e compartilhando conteúdos de uma forma não oficial, acabam fazendo com que milhares de pessoas tenham acesso facilitado e instantâneo àqueles conteúdos, em métodos mais rápidos e eficazes em expansão.


REFERÊNCIAS

BENNETT, L. Tracing Textual Poachers: reflections on the development of fan studies and digital fandom. Journal of Fandom Studies, v. 2, n.1, p.5-20, 2014. Disponível em: <http://williamwolff.org/wp-content/uploads/2015/01/lbennett_1-libre.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2021.

CASTANHEIRA, I. Comunidade de Fãs e Formas de Expressão Online: a Indústria do Anime e Mangá Japonês na Internet. 2012. 59f. Dissertação (Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação, Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação), Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/3pJ6Ifb> Acesso: 26 mai. 2021.

JENKINS, H. Invasores do Texto - Fãs e cultura participativa. Rio de Janeiro: Marsupial Editora, 2015. Nova York: Routledge, 1992.



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